segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Pudesse Eu

Pudesse eu não ter laços nem limites
Ó vida de mil faces transbordantes
Para poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes!


Sophia de Mello Breyner Andreson

sábado, 22 de dezembro de 2007

Boas Festas


Mito Elias

Nesta altura do existir


Aprende-se, a duras penas, que a vida continua, mau grado tudo e todos. Naturalmente que, enquanto cá labutamos, será sagrado o nosso direito de espernear, esbracejar e revoltar contra os ditames do destino. Mas nós já somos importantes para a vida. Já afirmava Homero, poeta maior, que " é somente em nós que ocorre o bem e o mal"…

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Faleceu Manuel Delgado

Faleceu Manuel Delgado, o jornalista da prosa fina e cáustica. Domador da sintaxe e da semântica, mesmo quando estas se mostravam indomáveis, Delgado era sim um bravo e um destemido. Dizia de si próprio “cadáver armadilhado”, sempre que os inimigos declarados e aqueles mais velados ousassem alguma ameaça. Tinha o dom de rir dos “imortais” e chamava os nossos burocratas, ainda que encalhados na poltrona do poder, de “deuses da esquina”. Gostei dele, como se quer a um familiar próximo, e com ele aprendi a não seguir fanfarras da tropa fandanga. Gostei dele e, em horas de convívio, líamos os poemas de Alexandre O´Neill. Gostei dele e, em caudalosas discussões, construíamos umas ilhas no lego dos nossos sonhos. É hora, Manuel Delgado. À andaluza…como fora prometido em tempos de estio.

domingo, 9 de dezembro de 2007

Poema

Há uma hora em que nos decompomos
e indefinidamente vagamos
entre rosas de sangue.

Há uma hora em que nos despimos
e ocultamos o rosto
e velejamos pelas bordas do caos.

Há uma hora em que copiamos o sonho
e tecemos loas ao tempo
e nos rendemos exaustos.

Há uma hora em que não é possível
o compasso do corpo
nem o corpo se quer sua memória.

Há uma hora em que morremos
e uma hora em que o poema
se torna uma necessidade inarredável.


Dimas Macedo

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Natal







Fere de leve a frase...



E esquece... Nada



Convém que se repita...



Só em linguagem amorosa agrada



A mesma coisa cem mil vezes dita.






Mário Quintana


















RAP DI PULÍTIKU

Dj´e subi na palanki
dj´e fina si garganta
dj´e fla m´e ta da tanki
ku vos ki ta inkanta

nu konxe ses trofegu
na buska más un votu:
dipos nós é arnegu
fuliadu la pa (di)sgotu

ku djatu ku tabanka
prumesa sima mel
e kre bu karta branka
bu krus riba papel

un bes fladu «djo baka»
fasedu funeral
mas tudu da kalaka
djuntadu ben ku mal

es tudu é dotoradu
na ngana y da-nu badju
ka ten kusa mariadu
k´es ka ta poi na tadju

é santxu la na rotxa
ki foi ses prufesor
bu ta fika na gotxa
si bu ka skodje un kor

pensa é ka bon
ta po-u na konfuzon
es kre-u sima karneru
po ka odja ses eru

es ka kre sidadon
ta toma puzison:
si agrada bo é di-ses
si nau bo é rabés

povinhu la kobon
ta kodje si sinbron
puleru é pa mondon
ki fla m´e sta na don

mas el go xatiadu si
ku votu e ta durba-l
s´e pensa m´e ka si
manhan e ta purba-l

un bes tinha so pai
dipos ben dios pai mai
es tudu dja es kai
p´es sabe m´es ka rai

gobernu é di povu
ki dja ten liberdadi
na kanpu y na sidadi
si vos é más ki fogu

nhos obi nhos matuta
pulítikus di nha tera
na mei di si labuta
nos povu sa ta spera

JOSÉ LUIZ TAVARES

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Esse siso em cada riso




Na fímbria do tempo

Tomo, com siso, mas não sem riso, essa visão de Cabo Verde que começará no século XIX, quando não mesmo no século XX, sonegando mais de quatrocentos anos da história do povo cabo-verdiano. Não poderemos ir para a aventura do futuro, com a memória comprometida e amordaçada. Nem poderemos ser nós próprios, com essa coisa dissimulada, de diluirmos a nossa componente negra. A aventura crioula, não a de Manuel Ferreira e dos seus admiradores, é de uma ancestralidade que a nossa elite intelectual, por estratégia de classe, recusa a perceber na fímbria do tempo…
Bento, rebento

Encontra-se na capital o amigo Bento Oliveira. Ele expõe a sua criação (plástica) na Reitoria da Universidade de Cabo Verde. Bento Oliveira, que é de Ribeira Grande, ilha de Santo Antão (Sinta 10), faz arte com serenidade e intensidade. Pelo que entendemos dos seus traços, o público praiense irá apreciar, em vários quadrantes, o que Bento Oliveira apresenta nessa mostra. Retiro do Ala Marginal (Blog de Abraão Vicente) um retrato do nosso amigo comum. Bento, rebento de um Cabo Verde novo. Outro…

O vate conseguido

Gostei, uma vez mais, de ler José Luís Tavares, um dos mais talentosos e substantivos da nova poesia cabo-verdiana. O poeta, às tantas, em “o rio quando antilira”, vaza o vate nestes termos:

(…)
Não há, porém, métrica que cinja
a voz de um rio quando suspira nas entranhas
avivando um passado que é cisco na memória.
(…)

Com muito siso e uma dose extra de riso, eis, meus caros, alguém que não derrama seus versos à-toa…

domingo, 2 de dezembro de 2007

Acidente na Sala


Movo a perna esquerda
De mau jeito
E a cabeça do fémur
Atrita
No osso da bacia
Sofro um tranco

E me ouço
Perguntar:
Aconteceu comigo
Ou com meu osso?

E outra pergunta:
Eu sou meu osso?
Ou sou somente a mente
Que a ele não se junta?

E outra:
Se osso não pergunta
Quem pergunta?
Alguém que não é osso
(nem carne)
Em mim habita?
Alguém que nunca ouço
A não ser quando
Em meu corpo
Um osso com outro osso atrita?


Ferreira Gullar

sábado, 1 de dezembro de 2007

Delgado

Mais “Claridade”

Veio e passou “Claridade na Terra da Luz”. Palestras, documentários e feira de livro, no Centro de Arte e Cultura Dragão do Mar. O evento, que exigiria muito mais público para ser brilhante, serviu para tirar algumas ilações, entre as quais:

1ª A de confirmar que a Revista “Claridade”, bem como todo o Movimento Modernista que a produz, é um facto e um feito incontornáveis na Cultura de Cabo Verde;

2ª A de fazer sentido buscar, a montante e a jusante, as matrizes e os matizes da estética e da temática, assim como as convergências e as cumplicidades, dos Claridosos;

3ª E a de testar o “silêncio dos inocentes”, pois estes, vociferantes e “indignados” com a montagem do Simpósio sobre a Claridade na Cidade da Praia, capital de Cabo Verde, aceitaram e legitimaram a sua feitura em Fortaleza, capital do Ceará.

Cientes de estarmos todos bem acordados e bem acesos, sobretudo, mais preocupados com os desafios de Cabo Verde em face da “parceria especial” com a União Europeia, da recente adesão à Organização Mundial do Comércio e do necessário “estatuto diferenciado” junto à Organização dos Estados da África Ocidental, não deixará de ser importante, se não crucial mesmo, que nos olhemos ao espelho.

Delgado


“Ti Manel”, como lhe chamo, sempre conjugando os verbos no presente, é das prosas mais aparadas, enxutas e bem conseguidas do jornalismo cabo-verdiano. Também dele a maior irreverência, não ajoelhando, nem rezando, diante de ninguém. Outra coisa, que lhe cola como sina, é a condição de polémico. Na velha e fina linha de Pedro Cardoso e Jaime Figueiredo, Manuel Delgado tem o dom de atirar pedras no charco. Apanágio de Eça de Queirós e de pouquíssimos, rol em que tem assento Delgado, a clamar o “acordar o porco” (referindo-se à pátria, naturalmente). Alguns jornais da praça, bem como seus profissionais de serviço, são seus detractores confessos. O melhor a fazerem agora é o remake dos “mimos” ao meu confrade. Alguma política – a mais medíocre da parvónia, diga-se –, se calhar incorre à injustiça de o canonizar a esta hora. “Ti Manel” é dos mais bravos da paróquia e ateia fogo ao verbo como se fosse este seu próprio corpo. À “Andaluza”, como quis Mário Sá-Carneiro, desprendido dos limites. A vida é um grande incêndio, meus amigos, e os incensos (tão pouco o bafo dos bovinos e unções da 25ª Hora) não foram aqui chamados…

Como uma Madrigal

Em nada ficou igual o amanhecer. Nem a luz dourada sob os prédios altos do Mucuripe. Nem os vendedores de água de coco anunciam os mesmos pregões. As ondas, incessantes na Praia do Meireles, têm um lambe-lambe diferente com a areia. E as nuvens, que em Fortaleza eram as mais evidentes do planeta, estão agora ambíguas, entre o cúmulo e o nimbo. Parece até que vai chover. Eu também acho que mudei um pouco. “Estou te estranhando, Poeta”, balbucio diante do espelho.











terça-feira, 27 de novembro de 2007

Claridade na Terra da Luz


Eis que assim retornam. Os de horas navegadas e olhares renovados. Os de corpos entre tísico e pequeno. Os de trabalhadas vontades. Os já não tão crentes dos céus, nem penitentes da terra mais árida. Os silenciados entre o mar e a montanha. Gente sem rio, nem margem. Os que não souberam do Império, nem deles soube a República. E a história, como a Eternidade, lhes passa ali ao largo. Os que, submetidos ao regresso, cantam, com mais alma, agruras dos seus passos pelo mundo. Homenageamos sim a torna-viagem e toda a circum-navegação da Claridade. O mundo que é de vaivém e volta-volta. E de retorno. Recebo-os em festa rija, fogos e melhor vinho, admitindo, desde os tempos mais escusos, outros filhos da terra não lhes serem tão pródigos. E sei que trazem muitas metáforas, palavras encantadas, no rastro das suas caminhadas. Quando o tempo deles roubado se aninha em seu corpo, como amantes. Aliviam a noite longa tão ciosa do dia por nascer. Da luz aleivosa como leite branco, ao derramado sol precoce do estio. Os de mãos calosas e frios suores. Os que da morte vão virar a mesa – os do último momento. Os já de eterna partida, escravos de quando o vento é de feição. Baralhando sete vezes e muitos séculos estes encontros – sois aqui retirantes do Nordeste e ali emigrantes cabo-verdianos – irmãos no drama e na morte, plasmados na vida severina, como vira o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto e o poeta cabo-verdiano Arménio Vieira, de outras claridades e de outras luzes, mas que pela ventura da História continuam convergentes.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Estado da Arte e Outros Torvelinhos





Estado da Arte

Nada disso. Desta feita, a média baixa tenha alguma paciência, mas é tempo de Parceria Especial com a União Europeia. Não é tempo de estio, caros amigos. Nem de fastio, que as oportunidades, bem como as portas, se abrem para nós. A dinâmica deverá apontar para a África Ocidental (excelente mercado sim), o Brasil (país emergente sim), a China (realidade extravasando sim) e os Estados Unidos (o topo da gama sim), assumindo nós, de vez, a condição de "players". Agora estamos no estado da Arte , companheiros. Inovação e criatividade. Para nos reinventarmos neste exacto momento…

Deus e a Arte


Com o meu pai, aparentemente pacato cidadão, mais para a conversa que para briga, aprendi que a Arte desafia o tempo e o lugar. Transcende as pessoas, que a determinam, e plasma a natureza e o universo. E com a minha mãe, soube sempre da esplendorosa textura das artes. Era mulher que tratava a metáfora por tu e com um amor quase táctil, não só com carinho, mas com carícia. Por isso, eu me calo diante das coisas que me ultrapassam e, sem comungar, nem proferir, alguma religião, sinto em mim que Deus, no que tem de fantástico, grandeza e profundidade, só poderá ser uma grande Obra-prima.

O torvelinho da memória

O meu avô, João Henriques de Almeida Cardoso, respeitável funcionário da Fazenda Pública e cidadão de profundas convicções, haveria de aplaudir as obras no Planalto da Praia de Santa Maria, de repente, por neologismo de trazer por casa, virado Plateau da Praia. Há um passado que deve nortear o futuro da cidade capital, que é de glorioso traçado e de bonita fachada, mas que não se compadece com o piso esburacado e desnivelado, nem com a sinalética (ou seria a toponímia?) em certo desleixo. Admirador de Abílio Macedo, antigo Presidente da Câmara Municipal da Praia, o meu avô falava ao tempo do espaço como património colectivo e o desenvolvimento da cidade com âncoras na história. Se calhar por isso, ele terá sido um dos activistas em prol da criação do Liceu Adriano Moreira, ora conhecido por Liceu Domingos Ramos. Ao tempo em que alguns "ilustres" davam pareceres contrários contra um "segundo liceu" no Arquipélago…

Romance

O meu romance sobre a cidade da Praia está quase pronto. Mas o autor não está com a síndrome da pressa, nem com sentimento de irresistível urgência. A escrita, que se quer mais "definitiva", é um mar denso e profundo, a exigir mergulho lento e total. Este é o sentimento que em mim se apodera, se calhar influenciado pela escrita de João Cabral de Melo Neto, no poema Uma Faca Só Lâmina, em que o mestre prega e constrói versos de precisão e rigor. E o fantástico que apareça quando tiver de acontecer…

Navegar é preciso

Aparentemente desconexas estas notas, ficando assim o desvio meio hermético, no meio da crónica, chamam elas a vossa atenção para o momento. Fernando Pessoa vira-o assim, noutra esfera: "Navegar é preciso"…

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Caverna

O que dizer das criaturas, miniaturas
No breu das grutas, que sintaxe, algo
Como um labirinto de versos, paralaxe,
Extracto de escuridão ou de solidão?

Estar apartado da vida, asceta, monge,
Sequestrado de si próprio, em dúvida
Na prece, sendo caverna este silêncio
E seu bulício, esfinge e o que ele finge?

Uma parelha de poesia, duas cotovias,
Três árvores ao redor e quatro tambores,
Essa leiras, medidas e mesuras, números…

Momentos tão de quedas e de vertigens,
Flutuantes almas, quantos impregnados,
Lugares de luz, de escuro e seu inverso…


Filinto Elísio

Poesis

Vindo de Lisboa

Mas a caminho de Fortaleza, faço contas ao meu rosário. Há coisas para sorrir, amores da jornada e lutas por fazer. Lido-me mal com o jogo perverso daqueles que atiram pedras e escondem a mão. Ou montam grosseiras cabalas, à beira de um sub mundo. Para além disso, sou apenas um homem que ama e escreve poesia. O melhor do dia é o aniversário de António Leão Correia e Silva. Os tempos, para lá das máscaras e das suas zonas de sombra, são de festa, sim senhor. Muitas e boas para o meu mano Tó…


Edith Piaff

Assisti, pelo DVD, ao filme "Piaf – Um hino ao amor" (La Môme). O filme aborda a vida da grande cantora francesa, da aurora ao crepúsculo, com intensidade dramática e excelente interpretação. Vale a pena ser visto. Terá faltado alguma paralaxe existencial, na minha modesta opinião. Mas isso seria tarefa para um Truffaut, se ainda estivesse vivo…

Alguma poesia


Acampei no país da tua ternura com uma bússola desvairada nas mãos. / Caíram as pétalas da rosa-dos-ventos e os rumos estão cegos. / Que delírios ou que fomes amordaçam fúrias para além das montanhas? / Que tesouros ou que náufragos marcaram hora com o inevitável para além das vagas? / Qual a coragem da esperança diante do sim e diante do não? (José Costa Matos)

E mais música, maestro

O CD Badyo, de Mário Lúcio Sousa, prestes a vir ao convívio do público, é uma obra que merece atenção e aplauso. Atenção, porque, aparentemente simples, a composição, interpretação, arranjo e produção trilham caminhos complexos. E aplauso, porque, uma vez mais, o amigo Tchilo, nos prestigia com um trabalho bem conseguido e eivado de bom gosto. Na linha dos melhores, Badyo desnuda-se completamente e, sem perder identidade, assume a universalidade. É Mário Lúcio Sousa no seu momento mais “ecológico”…

sábado, 3 de novembro de 2007

Banquete

Das algas, ágeis e frescas, nas águas
Como aos girinos dos charcos, o Poeta
Terá mão pouca, tal qual alma grande,
Para destilar seu poema e sua tristeza...

Sejam fonema, teorema, até versos,
Sejam, ora perspectivas, ora reversos,
Tenham cara de nuvem ou de cinema,
Esquema de viagem, metáfora distante...

Em segredo, se o há em tudo, poesia,
Melodia inaudível, halo, esfínge e luz,
Tudo o que finge e reluz em querubim...

Absinto, gruta e grota, algo das algas,
Fruta e greta, Banquete, de Platão,
Gotas de mim, hidras de sangue...


Filinto Elísio

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

III Chuva de Poesias de Fortaleza

Vazavam dos céus catadupas em metáforas, frutas serenadas e canções desesperadas. Estrelas azuis, sintaxes de chuva, pão & fonema. Bocados de Eva Luna. Soltas folhas, com Cervantes. Quixotes que assaltam nossos moinhos secretos. Quem procurasse um só poema pelo chão da Praça do Ferreira, à hora do crepúsculo, não o encontraria ali. Fortaleza, Fortaleza, a Bela. Os meus parabéns a Natalício Barroso, meu confrade, homem maiúsculo…

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Crioula na Estação

(...)
Ó rola morena, Crioula!
Escuta, tem pena de quem
Te invoca, te canta e te quer,
Estrela, flor, anjo, mulher,
Crioula, meu amor, meu bem!
(...)
Pedro Cardoso. CRIOULA


Há um dizer de ti, minha sereia,
Disto ser flor ou pedra murcha,
Concha prenha, esteio do mar
O que derramas, mas resguardas...

Esse mistério, meio glace, areia
Ou pedaço de vento, o confeito
De pão e de café, bago de fruta
No rótulo dessa vasta várzea...

Espumas à soleira das portas,
O adensado cheiro da Calheta
As rédeas silenciosas das horas...

Tudo isso és tu, na estação,
Quando os trens da tarde,
Já são tua cicatriz em mim...


Filinto Elísio

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Teoremas e axiomas

Teoremas e axiomas
Li, por estes dias, alguns artigos sobre a situação da justiça escritos pelos advogados Amadeu Oliveira, Rui Araujo e Vieira Lopes. Li também algum contraditório em certa imprensa. Sem entrar no âmago da questão, o que mais me preocupou das denúncias que fazem e das suas contra-argumentações é a apatia geral da opinião pública. Em verdade, estamos fartos dos discursos politicamente correctos sobre o estado da justiça. Não é só a morosidade, a não progressão das carreiras e o calote dos profissionais à Ordem, aspectos que pairam na espuma dos dias. Nem é só o aparato ainda do não Tribunal Constitucional , nem Provedor da Justiça, questões ora na calha política. O que também tira sono é o teorema do "Mercador de Veneza", de Shakespeare, onde o réu seria o único inocente, e o prevalecente axioma de "O Processo", de Kafka, em que o arguido é arrastado por uma máquina absurda. Os tais fundamentais da justiça. E o cidadão acaso a não descobrir o ancestral mistério de quem julgaria os juízes...
O silêncio dos inocentes
Confesso não aprovar, nem condenar, de pronto, quando as vítimas respondem desproporcionadamente à violência doméstica. Diariamente a nossa televisão mostra mulheres ameaçadas, espancadas e violadas por homens sem escrúpulos. Na maioria desses casos, os agressores ficam à solta, impunemente a partilharem o ar connosco, como se a barbárie e o crime fossem a coisa mais natural do mundo. Essa corja de covardes que, conta com uma polícia ainda permissiva e com uma justiça ainda burocratizada, para não dizer outro nome, precisava sentir o pulso da sociedade cabo-verdiana. E o quebrar consequente do silêncio dos inocentes. A tolerância zero contra o intolerável...

Assim entregue ao gado
Não sou um entusiasta do sistema judicial cabo-verdiano que me transformou, outrora, em arguido num processo kafkiano, feito para o bode dormir. Fui indiciado a responder a uma acusação de abuso de imprensa por um artigo não assinado, nem escrito por mim, de um jornal online, publicado a partir dos Estados Unidos da América. Estão a ver o filme? O gado tem cada uma! Tanto que "abri uma janelinha" sobre este caso no relatório dos Jornalistas Sem Fronteiras 2004, o qual fez reparo negativo de assaz "justiça". E o mais absurdo é que tal condição de arguido se estendeu por anos, sem que o processo judicial fosse concluído e sem que a burocracia judicial me dissesse algo sobre o seu andamento. O rato comeu o processo? E antes que tudo acabe em fábula, num país onde os magistrados até fazem greve, importava aqui lembrar ao pessoal que pior do que a injustiça só a não justiça. Ou esta literalmente assim entregue ao gado...

Filmes

Tropa de Elite

Assisti, no fim-de-semana passado, o filme "Tropa de Elite", do cineasta José Padilha, que retrata a violência urbana no Rio de Janeiro e o modus operandis do BOPE (Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar). É um filme violento sobre uma realidade mais violenta ainda. Sobre isso, o jornal americano Washington Post escreve que "Por décadas, a maioria das mais de 600 favelas do Rio vêm sendo comandadas por gangues de traficantes. A polícia, tanto militar quanto civil, mantêm uma guerra contra esses grupos e são comumente criticadas por serem tão brutais --se não mais-- do que as próprias gangues. Os tiroteios são comuns, e os moradores das favelas ficam frequentemente sob fogo cruzado". A hiper-realidade desse filme deixa qualquer um pensativo...
Funny Porto Rican
Falando em cinema, a minha amiga Claire Andrade-Watkins apresenta, nesta quarta-feira, em Berlim, o seu último o filme "Some Kind of Funny Porto Rican". A convite da Embaixada de Cabo Verde na Alemanha (e aqui se pressente a marca indelével do Embaixador Jorge Tolentino), Claire, além de mostrar o filme aos berlinenses, fará uma palestra sobre a integração da comunidade cabo-verdiana em Rhode Island, nos Estados Unidos. Filha de pais cabo-verdianos, Claire Andrade-Watkins nasceu na América e faz parte da "segunda geração"dessa grande comunidade. Professora de cinema na Emerson College, em Boston, ela é considerada uma das activistas em prol do cinema africano e aquele realizado pela diáspora negra.

Paris



Foto Mito Elias

2007

Moove Consulting Cabo Verde


Funchal 2007

Moove Consulting Cabo Verde




domingo, 21 de outubro de 2007

Brasis


(...)
Tem um Brasil que é próspero
Outro não muda
Um Brasil que investe
Outro que suga
Um de sunga
Outro de gravata
Tem um que faz amor
E tem outro que mata
(...)

Brasis. Seu Jorge


Por cortesia da minha amiga e parceira Rubi, ganhámos alguns bilhetes para o show de Seu Jorge, no Centro de Arte e Cultura Dragão do Mar. O Espaço Verde era pequeno demais para os milhares que queriam ver o artista de voz poderosa, virtuso de instrumentos e personagem “Zé Pequeno”, no filme Cidade de Deus. E eis que aparece Seu Jorge, esbelto como um atleta e dreadlocks, a cantar um suingado samba-rock. A banda, com endurance de samba, funk e pagode, bate um som pesado e não há como ficar parado numa clave do tipo Jorge Benjor. Às vezes, lembra Gilberto Gil, em toada de samba de break; outras vezes, o gingado leva para Zeca Pagodinho, ou não fosse o artista também carioca da gema. Mas Seu Jorge é ele mesmo e ele próprio. É a favela que se revela no seu lado criativo. O show vem cheio de proposta social e de cidadania. “Se eu pudesse não seria um problema social”, canta, com causa e consequência, a voz que vem das margens brasileiras.

sábado, 20 de outubro de 2007

Ao que se pode da pedra

A Luiz Deusdara, Sílvio Baptista e Carlos Hamelberg


Uma pedra, ínfima que seja,
No seu significado de coisa
No que esconde de átomo,
Nos conta Deus em tudo...

Medra nela certa melodia,
Alguma dita no seu dorso,
Outra dentro da matéria,
Onde, diúna, a lua soletra...

Pode-se sonhar a pedra,
Cantá-la e amá-la assim,
E domá-la no seu canto...

Pode-se retornar ao Verbo,
Ao recomeço, sobretudo,
Do encanto da poesia...


Filinto Elísio

Academia


segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Meditação e levitação

Isto não merece grandes alaridos, mas, para os meus amigos, creio fazer sentido saberem que recebo os títulos de Membro-Correspondente da Academia Cearense de Letras e da Academia de Artes e Letras do Nordeste. Dedico tais títulos à minha irmã Benilde Correia e Silva. Por tudo, tudo. Para aqueles que estão em Fortaleza, a festa promete provas de vinho, sortidos de queijo, muita poesia e recital de piano. O discurso de circunstância será breve. Simples, humilde e minimal. O meu espírito quer meditação e levitação. Vai ser amanhã, dia 16 de Outubro. No Ideal Clube…naturalmente.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Poesis


Alma breve

De repente, Airton Monte descobre que a alma tem peso e ocupa espaço. Numa certa dimensão, fazendo jus ao meu amigo, a alma é matéria. “Há quem tenha medo da alma e há quem aprecie o seu convívio e com ela mantenha contactos periódicos”, escreve Airton Monte. Às vezes, conforta-nos a ideia de pensar que o corpo seja a casa da alma. Outras vezes, há coisas que nos vão simplesmente na alma. Isso para o caso de findarmos de modo prosaico e fatalista…
A sós

Nos dias passados em Lisboa, sobretudo no fim-de-semana relâmpago na ilha da Madeira, aprendi a rir das noções de céu, inferno, limbo e purgatório. Será que precisamos de tamanhas grandezas para este conforto de pequeninos? Será que devemos andar sempre no meio dos deuses e demónios, quando já nos bastam os transeuntes do quotidiano? Vi bancos de praça que poderiam ser aqueles sobre os quais Jorge Luís Borges escreveria. Andei contigo as beiradas do rio e do oceano, como se não morrêssemos afinal. Alombei, a sós, ruas, ruelas, azinhagas e becos. Uns com silêncios. Outros nem tanto…

Para lá das semânticas

Escrever Poesis no Jardim das Hespérides é um gozo incrível. Escrevê-lo como uma opereta conceptual, a ser executada pelos Raiz di Polon, sob a batuta de Abraão Vicente, é um gozo redobrado. Já havia testado Mano Preto a fazer interpretação corporal com os poemas de Das Frutas Serenadas. O primeiro embate em São Vicente foi brutal. Positivamente brutal. João Branco que o diga. O frisson foi tanto. Estamos a montar a peça em Lisboa. É a secreta vida das palavras. Para lá das semânticas…

Poemas tão-somente

Um projecto tem lados complexos. Há que escrever o roteiro. Convencer os promotores. Demandar aos patrocinadores. Escrever orçamentos (vejam a foto que o Mito me tirou em pleno exercício orçamentário). A minha praia era escrever poemas. Poemas para o recital de Ricardo de Deus e para a interpretação dos Raiz di Polon. Ver o Mito a compor cenários e Carlos Hamelberg a geometrizar o espaço. Poemas lânguidos e caudalosos para “você dançar”, como diria Gilberto Gil. Poemas tão-somente…

domingo, 7 de outubro de 2007

Sintaxe do Desejo


Síntese da Poesia Visceral de Dimas Macedo

por Aíla Sampaio



Ânsia visceral de mim
que a face me estrangula...
(“Espumas” p.42)


São raros os críticos que se mantêm fecundos produtores de textos literários. Dimas Macedo é uma das felizes exceções. Assíduo leitor, sobretudo da literatura local, escreve semanalmente um artigo sobre obras representativas, valorizando a arte de sua terra e levando ao público nomes muitas vezes desconhecidos. Sua disposição para a pesquisa, tanto na área do Direito quanto na da Literatura, rendeu-lhe publicações significativas que tiveram repercussão nacional: Lavrenses ilustres (1981), Leitura e conjuntura (1984), Ensaios de teoria do direito (1985), Lavras da Mangabeira – Roteiros e evocações (1986), O discurso constituinte (1987), Notas para a história de Alto Santo (1988), A metáfora do sol (1989), Ossos do ofício (1997), Tempo e antítese (1997), Martins Filho e Joaryvar Macedo (1998), A obra literária de Alcides Pinto (2001), Marxismo e crítica literária (2001), Crítica imperfeita (2001), Pesquisas de direito público (2001), A face do enigma (2002), Crítica dispersa (2003), Entrevista (2003), Décimas a Alcides Pinto (2003), Política e constituição (2003), Filosofia e constituição (2004), Bibliografia – roteiro para pesquisadores (2004), Ensaios e perfis (2004), A letra e o discurso (2006).

Como poeta, pode-se dizer que é um dos mais produtivos da literatura cearense contemporânea. Estreou em 1978, com Primeiros poemas, dois anos depois publicou A distância de todas as coisas, obra que marcou seu nome na história das nossas letras. Deu uma pausa para dedicar-se à carreira acadêmica e jurídica, e, em 1990, voltou à cena com Lavoura úmida; em 1994, lançou Estrela de pedra e, em 1996, Liturgia do caos. Mais uma parada, então para repensar sua trajetória, reeditou o segundo livro em 2001, e retornou em 2003 com Vozes do silêncio. Em 2006, ano do seu cinqüentenário, editou Sintaxe do desejo, uma coletânea que reúne seus mais antológicos poemas. Além de uma síntese de sua produção poética, esse livro é também uma celebração, um coroamento de sua trajetória (como poeta), quem sabe o fechamento de um ciclo.
Os textos selecionados representam um balanço do seu exercício na arte do verso, no transcurso dos anos de 1978 a 2003, marcos da publicação de seu primeiro e último livro (até então). O que se constata é a manutenção do mesmo universo temático e a estabilidade de seus procedimentos estéticos, sua criação consciente do texto como um trabalho de linguagem. Profundamente ligado às raízes, telúrico e sentimental, o poeta conserva na coletânea os principais poemas que louvam a cidade-mãe. “Lavras” (p.26) é o primeiro deles:

Longe daqui do tumulto,
lá no meio das coisas,
prostrada para o universo,
posto que existe,
Lavras é a cidade mais bela do mundo,
pois em cada rua
nasce uma saudade
que termina em meu corpo.

A exaltação da terra natal traz a voz de Drummond, em sua constante evocação de Itabira, mais ainda a de Caeiro: “O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, / Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia / Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia” (“O Guardador de Rebanhos”). É recorrente a crítica associar a poesia do Dimas à de Drummond, bem como à de Fernando Pessoa e seus heterônimos. A assimilação das leituras e a identificação temática e estilística está clara em “Ortônimo”, metapoema que norteia o espírito da criação macediana.

A última parte, “Dispersão”, traz ainda “Musa” e “Esfinge”, dois cantos de amor à sua Lavras, que, mais que cidade, é a imagem de sua infância: “Quando me lembro que nasci em Lavras, / a solidão de minha infância é tudo / e a expressão da existência é nada (...) pois as ruas de Lavras são paredes/ que se atravessam em mim como uma ponte.” Essa força que o liga ao passado, como as inquietações diante da existência, leva-nos a Cacaso (em “Lar doce lar”) “Minha pátria é minha infância / por isso vivo no exílio”. Há no homem um menino que guarda inexoravelmente sua infância e vive exilado de si mesmo, procurando o eterno retorno a um tempo impossível. Daí as perscrutações existenciais, a inquietação metafísica tão constantemente revelada em sua poética, o saudoso recordar (“Elegia”, p.36):

Lembro o meu pai
apascentando estrelas
e solidões
em tardes douradas
e a minha mãe
na sombra do alpendre
e olhos no algeroz.

A saudade, os questionamentos sobre a vida, o amor, tudo se transfigura em poesia. Ele mesmo disse, em entrevista ao Diário do Nordeste, por ocasião do lançamento de Lavoura úmida, em 1990, que “a Literatura é um lenitivo para o intelectual exasperado, mas é um lenitivo para quem busca uma resposta para a vida”. Com efeito, sua poesia é visceral, sangüínea, sua mais segura forma de sobrevivência e busca, como se lê em “Palavras” (p.39):

Para me suportar
a mim mesmo me basto.
Para não me morrer de tédio
Mergulho-me palavras.

A salvação do homem está na palavra. Sondando o enigma da existência ou levantando questões sobre o estar-no-mundo, o poeta lança um “Dilúvio” (p.30) de interrogações (aqui resumidas):

O que será esse mundo,
esses cosmos sem fim,
essa utopia?
Correm para onde, então,
essas filosofias?
(...)
Dai-me, Senhor,
conter em minhas mãos
o nada e o não-ser
e o desfazer de mim
a dor dessa introspecção.

Na solidão dos conflitos, o grito de angústia é indagação do mistério. O poeta pede a ajuda divina para livrar-se da dor de existir. A fé nesse Deus que “muda de residência”, mas “carrega a nuvem de seus passos”, é que o ajuda a “viver sozinho no deserto / buscando o amor / sentindo a esperança” (“Escudo”, p.110).

Em “Enigma” (p.66), é o tempo sua clausura. O vento, elemento do efêmero, aparece, em sua poesia, personificado. Se ele é a calmaria do tempo-espaço fundidos, é também seu confidente e cúmplice: “no centro da alma / há um castelo / no qual escuto / as confissões do vento” (“Ânsia”, p.79). A angústia diante do fugaz, bem ceciliana, é uma herança simbolista, e remete à busca de integração no cosmo, desejo de transcendência. Esse sopro simbolista está, inclusive, nos efeitos sonoros dos primeiros versos de “Metáforas”(p.46). “Ó conchas, ó conchas, ó formas”, onde se ouve claramente um sopro de Cruz e Souza, motivo do poema “Poeta”, de Vozes do silêncio (p.14): “João da Cruz e Souza: / eis o meu nome./Tenho a alma clara/ e de cintilações / é feito meu destino”.

A ansiedade de saber-se ou encontrar os sentidos da vida leva-o ao conflito existencial:

Porém a ânsia que sinto
é um conflito
muito maior
que a nave da existência.

A saída é a fé, como vimos no clamor ao Pai, ou a arte:

O mito de toda a existência é sempre a arte (“Lavragem”, p.37)
A arte: minha suprema realização (“Diário”, p.44)

A Literatura, sua arte por excelência, sem dúvida, é seu alento maior, como ele mesmo declarou em entrevista ao jornal O Povo, em outubro de 2006, na véspera do lançamento de Sintaxe do desejo:

“A literatura existe para substituir a vida, porque a vida por si mesmo não se justifica. A arte justifica a vida, porque a vida precisa ser reinventada e ela é reinventada fundamentalmente pela palavra. A palavra cria, a palavra transforma, a palavra liberta”.

Exercitando redondilhas, sonetos ou versos livres, Dimas mostra sua preocupação com a morte, mas não a coloca como centro de sua poética, talvez porque entenda que “O aprendizado da morte é a existência (...) (e) o sentido da vida é a suspeita/ de que a morte é a simetria de (sua) liberdade” (“Poética” p.68). É ainda o amor o seu estro, uma vez mais e sempre, celebrado de forma silenciosa, platônica:

As horas,
um amontoado de saudades,
minha idéia a encontrar-te
é como uma voz interior a ter-te.

Mas é irreal,
e o meu sonho, um sonho,
fundido com a minha angústia
como uma tarde sem horizontes.

Esse amor-falta, em outros versos, adquire carnação e torna-se erótico, até dionisíaco. Em “Banquete” (p.45), poema demais sensorial, há um rito na consumação do amor:

Entre ostras e pêssegos eu bailo
e bêbado
beijo o frutal de tuas algas.
Entre aspargos e vinhos
advinho o apelo de teus lábios.
(...)
E te possuo entre ostras e aspargos.
Entre vinhos e pêssegos eu te consumo
e te presumo mar absoluto e furioso.

Igualmente ocorre em “Frutos” (p. 81), poema sensual e bastante sugestivo:

A carne é fraca
e os frutos
maduros
são ditosos.
Apetitosos
os seios de Aline
na varanda
e as rosas brancas
no corpo de Marcela.

O amor-erótico se espraia em forma de desejo, no poema “Concha” (p.28): “Quero a louca / lâmina / da minha fantasia/ pastando no teu sexo” e se plenifica em “Casulo” (p.52), a mais bela peça romântica do livro:

Te amo sobretudo os lábios
e a resina viscosa dos teus seios,
pois a vulva dos teus olhos enlaça
a sedução invisível dos meus pelos,
onde começo a viver e me embaraço,
porque me mato de amor quando te vejo.

Já em “Ausência” (p. 69), o poeta recusa o amor-sofrimento e celebra o amor-vida, confirmando a doação plena e o desejo de felicidade:

Não. Eu não me quero o suicida
que despenca do alto da torre.
Eu me quero vida para te ofertar rosas
e te colher a plenitude de espigas maduras.

Dimas tem a poesia como o sentido de sua vida, a poesia visceral e sangüínea, costurada com a alma. Evocando a infância ou suas raízes, procurando a lógica da vida ou indagando sobre os enigmas que a cerceiam, refletindo sobre o processo criador ou reinventando-se na ‘tessitura do caos’, lembrando a morte ou celebrando o amor, ele sintetiza seu percurso poético no trajeto de seus 25 anos de poesia, reafirmando seu talento para as letras e fazendo o coroamento de sua maturidade estética e ontológica. Resta-nos a pergunta: se Sintaxe do desejo fecha um ciclo existencial, o que virá agora? Conhecendo o poeta, arrisco uma resposta: a reinvenção (inclusive do novo), porque ele sabe, como Cecília Meireles, que “a vida, a vida, a vida... só é possível reinventada ”. Também a poesia!



Fortaleza,
Junho de 2007

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

De ver cidade

Velho de Restelo

Estes dias em Lisboa, mais precisamente em Restelo, têm, para mim, uma áurea especial. Ouço vozes – “tais palavras tirou do experto peito”- de Luis de Camões. Passeando pela barra do rio Tejo, diante do Mosteiro dos Jerónimos e da sombra de Vasco da Gama (o Grande Navegador), bate sobre a minha alma uma transcendência forte. Sou o Velho de Restelo...

Direito à cidade

O envolvimento neste último ano com a Câmara Municipal da Praia, fez-me militante pelo Direito à Cidade. Não defender apenas, para o próximo futuro, o Orçamento Participativo e o Conselho da Cidade, com caráter deliberativo, mas uma cidadania municipal mais qualificada. A pobreza, a insegurança, o apagão e o nó da água, são os grandes problemas que afectam essa cidadania. O mau gosto estético e a degradação do espaço também precisam ser debelados. Chegou a hora da qualidade de vida...

Mercado de carbono

Há dias, assisti a um documentário sobre o primeiro leilão de créditos de carbono, na bolsa de valores de São Paulo. Fiquei mais encorajado em relação à iniciativa de criarmos o Gabinete de Assessoria Ecológica. O que se poderá fazer em Cabo Verde em sintonia à Década da Água, por exemplo? Ou sobre o aquecimento global? Para já, proponho uma reflexão em torno do seguinte tema: Oportunidades para as Empresas Cabo-verdianas no Mercado de Crédito de Carbono. E, por ora e com a jornalista Margarida Fontes, somos os promotores do programa televisivo “Cabo Verde Ambiente”...

Caerá - Cabo Verde


segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Pablous


O Pablo fez hoje 5 anos. Como pai "babado" e assumido, não podia deixar de compartilhar convosco este facto feliz. Com o Pablo já tenho a cumplicidade de melhor amigo, uma química difícil de explicar. Filho é uma coisa trascendente, algo que nos arranha no âmago. Enfim...algo que nos realiza numa dimensão existencial e sideral. E o resto sendo imponderável...

sábado, 22 de setembro de 2007

Mostos de arrepia

Dir-te-ei, sem mágoa, meus presságios
Namorar teus olhos e comer teus olhares,
Lamber o adágio que incendeia teu corpo
Queimar-me na lenha dos meus desejos…

Dir-te-ei, sem flores, o que me demora
À roda de ti, da pedra ou de mim próprio,
O solstício das ameias, o fluir de areias,
Ora estrelas no vão, ora só tua geografia…

Nem frutas – do sabor de amora à resina
Com que as maçãs, proibidas, estão no cio,
E o sumo macio das quentes mangas…

Nem palavras (em sonoras eloquências)
Montadas, uma a uma, em revoada teia,
Serão presságios, ora mostos de arrepia…


Filinto Elísio

Ruínas

Remotas barcaças, pedaços de vime,
Carcaças de tartarugas, rugas de vidro,
Pegadas de ti ou de ninguém, pedras.
E velas que hasteiam tantos náufragos…

A solidão que principia o fulgor do mar,
Em tempo de estio e de chuva, o clamor
Das ondas no rendilhar das espumas
E as ruínas dos álamos e dos ventos…

Tudo isso és tu, sândalo de mim, atear
Teu fogo no cismado, no qual crepitam
Ânfora e querubim, incensos antigos…

Ardores e quero sim, grandes amores,
Astros nublados, armaduras e pecados,
Gretas e terrores, pescados dourados…


Filinto Elísio

À Morte do Artista

Metes-lhe a espada, deste lado e esgrimas,
Sempre, para lhe calar o coração e atordoas,
Nele, tudo o que pressentes ter certa cotovia,
Ressentes, depois, sua morte em lágrimas…

Renitente, à tua bússola faltará o norte,
Sem rei, nem roque ou de sorte tão pouco,
Será, se tanto, miragem esta tua viagem…

Oásis de sonhos, sendo reais os desertos,
Nereidas nas nuvens às putas dos portos
E moinhos de vento em páginas brancas…

Terás, sim, perdão no calvário dos mortos
E nesse purgatório, bula de tantas ancas,
Deusas vaporosas e palancas andaluzas…


Filinto Elísio

Madrigal em “Soncent”


Ao meu amigo Zeca Duarte


Os galos que cantam na baia adormecida
E as peixeiras aos pregões “cavala fresca”,
Levam a mesma métrica e a mesma clave,
Não se sabe se do dia ou da pura melodia…

Mas o que se conhece, não da madrugada,
Posto que arredia o amanhecer, é o solfejo
De haver, entre lua e sol, tal pejo do nada,
Como fosse nada a chave da idade do ser…

O resto, sendo sobras da cidade, a desdita
Dos burocratas e comandita, o estremecer
Das luzes e prenhe barro, esturro de tudo…

Espore na rosa ou na ninfa, pólen ou boca,
Esta hora louca de também só entardecer,
Quando e contudo, a vida se revela pouca…
Filinto Elísio

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

É quando apetece correr até ao infinito


É quando apetece correr até ao infinito,
Morrer, de manha, na praia, na montanha
Ou rir da Luz, do Sétimo Dia e do seu selo

Com que se constrói paralaxe no seu erro…

Poemas substantivos, palavras que são
Tudo menos adjectivos e complementos
De Musas sem lácio, assim cruas e nuas,
Querubim de seios e de estrelas no vão…

Outra poesia que não esta, algo que leve
E traga ao gosto desta fome, ida e volta
Que me não travem a sina de argonauta…

E eu fique, de tão segredo quão esfinge,
Odisseia ou périplo e de assaz degredo
Sem eira, nem beira, simples marginal…


Filinto Elísio

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Dispersão qualquer do sujeito

Desajuste

Ao vosso claro desajuste, acusavas esse homem de ser poeta. Preferias que ele fosse empresário, tropa ou funcionário público. Fosse ele bastonário de alguma ordem, deputado, médico ou mesmo psicólogo. Lobo do homem, se possível. Mas poeta, minha gente. Vá lá que o homem conseguia, a custo, ser amante. A sua conta bancária, um deserto. Dir-se-ia alucinado pela floresta das palavras. Um louco em todo o senso. Ao vosso mais que desajuste, dizia, queria ele que soubesses coisas como a dor de uma simples rosa e a ternura de um solitário da alma. Ser poeta é o susto das horas desiguais e dos lugares que sonhamos. Haverá para o poeta uma dispersão qualquer do sujeito à busca do objecto refractário da loucura. Como dizia Álvaro de Campos “Amanhã é dos loucos de hoje”.

Pedro Cardoso

Como encanta ler Pedro Cardoso. Sem óculos de Manuel Ferreira, naturalmente. Esse sentir Cabo Verde, tenhamos em mente, não foi invenção da Claridade. A bem dizer, ele perde-se na nossa memória ontológica. Tudo o que foi escrito pelos intelectuais do século XIX e os primeiros anos do século XX tem a ver com a problemática da terra. Na robusta prosa ou no inventivo verso, o espaço dos nativistas eram as ilhas com os seus dramas. Quando não, acções cívicas e com autodeterminação.

Existencial

Às vezes, pergunta-se qual a obrigação de amar este lugar sobre todas as coisas. Outras vezes, questiona-se isso de poeta com os pés fincados no chão. Em verdade, o poeta é o solitário de passagem. E a sua solidão é uma poeira suspensa. Ou o vagar da penugem em longa viagem. A solidão é nuvem, vista no silêncio desta janela. A lembrança do branco de um pássaro. A luz, meio fugaz, de uma outra claridade. A angustiosa página em branco. Sem poema, nem fonema…

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Há de também constar que amámos

Há de também constar que amámos,
Aqui, ali ou noutro lugar, outra galáxia,
Tempo, ora lesto que nem vento, ora lasso,
Vagar que se esvai, areia na clepsidra…

Ainda há de constar, além dos beijos,
Afagos e, do corpo, tantos incêndios,
O remanso de termos amado estrelas,
Luares de romance e sóis a poente…

O recorte dos montes e o que há do mar,
A pedra da hora, a contemplação pura,
O haver temperatura e olhares afinal…

Tudo fazer sentido ou só sendo caos,
O sussurrar no ante grito do silêncio,
E esse constar para a sintaxe dos dias…


Filinto Elísio

sábado, 8 de setembro de 2007

Trazenu lus pa lumia nos kaminhu

Lus

Não entro no âmago da questão, até porque boa música para mim significa o que me emociona e me faz voar. Às vezes, é música densa. Outras vezes, é uma simples melodia. Quase sempre, “Redemption Song”. Eu apreciei muito o disco “Lus”, de Nancy Vieira. Apreciei-o também pela singeleza e pelo minimalismo das composições. Além do mais, a interpretação de Nancy Vieira, como cantora, é soberba. Com o charme de Mayra Andrade, a garra de Lura e a candura de Sara Tavares. É música de Cabo Verde no seu melhor. Em clara idade…

Chermayeff

Lembro-me, como se fosse hoje, do dia em que conheci Peter Chermayeff, o grande arquitecto. Chegara a seu escritório da Cambridge Seven Associations, na zona da Universidade da Harvard, a norte de Boston, e preparava-me para a grande entrevista. A conversa discorrera sobre a Nação Cabo-verdiana e a sua formidável Diáspora, e o projecto (com a maqueta sobre a secretária) do Aquário do Mindelo. A empatia por ele foi imediata. Estava ali um homem simples, dialogante e culto. O artista, aliás arquitecto de artefactos náuticos e marinhos, maravilhado por projectar em Cabo Verde o maior aquário de toda a África. Ou, a melhor colecção de corais já organizada, inscrevendo Mindelo entre as cidades “aquarianas” do planeta. Tornamo-nos amigos e juntos lamentámos o mesquinho de certas (não) decisões…

Entre Nós


Nasceu, de parto natural e necessário, o jornal A Nação. Espero que este novo órgão de imprensa seja de facto uma pedrada no charco mediático cabo-verdiano. Que o jornal não seja editado pelos Estados Gerais dos partidos políticos, nem sirva de arma de arremesso deste ou daquele interesse. Com o meu cepticismo natural, não serei esse equilibrista em cima do muro. Antes pelo contrário, dou o benefício da dúvida aos promotores do projecto e faço a minha parte: Entre Nós – a coluna assinada por Filinto Elísio…

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Si ka badu, ka ta biradu


Monumento ao Emigrante
Cidade da Praia
Carlos Hamelberg & Filinto Elísio
Chuva à tua varanda
Mal refeito da síndrome do stress pós-férias, eis que me retorno ao quotidiano. Não foi fácil, mas cheguei à conclusão que a mesmice não paga o preço e que a felicidade é a metáfora que a vida nos concede. Em verdade, estando aqui ou na China, importam, antes de mais nada, a realização e a felicidade. Às vezes, é uma chuva miudinha ao largo do Chemin des Carabouts, em Genebra. Outras vezes, é a chuva mais intensa, pressentida na Av. Beira-Mar, em Fortaleza. Quando não é o cheiro à terra molhada em Portãozinho, Assomada, com gosto a pêssego. Chuva...é o que me encanta, à tua varanda.
Aos 150 anos
A Cidade da Praia vai celebrar os 150 anos, em 2008. Há um arquipélago de motivos para pensarmos a Praia nos próximos anos. Primeiro, porque é a capital de Cabo Verde. Depois, porque é o espaço urbano no mundo onde vive a maior parte dos cabo-verdianos. E ainda, porque é a babel possível de uma nação a ser possível. E, não menos importante, porque a Praia é imparável. Já nem nós a conseguimos parar. Quanto mais os outros. A celebrar, pois, os 150 anos e esta imparabilidade consequente...
Desta arte...
Jacques G., o meu amigo belga, aconselhava assim: "Nunca digas desta arte, não beberei". Na minha sala, quadros de Mito e de Mizá já me bastavam. As estantes com os livros podem ser claras, sim, a combinar com o resto. Por ser bibliotecário e bibliófilo, já estou a ver como arrumar tantos títulos. É que, em assomos de sonambulismos, percorro à noite as estantes a ver se as Virgens Loucas, de António Aurélio Gonçalves, não visitam Madame Bovary, de Flaubert. E se a barata de Metamorfoses, de Kafka, com textura de rinoceronte, não seja eu afinal a engatar as damas do Mar de Laginha, de Germano Almeida. Ficarei eu pelas estantes, ó musa. É a minha loucura...
Post Scriptum
Sei, sim, o que é ter saudades da tua guitarra. Não seremos lobos, bem como o estio de haver essa alcateia.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

"HOMENAGEM A RICARDO REIS" (Fernando Pessoa)

Não creias, Lídia que nenhum estio
Por nós perdido possa regressar
Oferecendo a flor que adiámos colher
Cada dia te é dado uma só vez

E no redondo circulo da noite
Não existe piedade
Para aquele que hesita.
Mais tarde será tarde e já é tarde

O tempo apaga tudo menos esse
Longo e indelével rasto
Que o não vivido deixa.

Não creias na demora em que te
Vai sempre mais á frente
Do que o teu próprio passo.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Língua


Caetano Veloso
© Thony Barboza






Gosto de sentir a minha língua roçar


A língua de Luís de Camões


Gosto de ser e de estar


E quero me dedicar


A criar confusões de prosódias


E uma profusão de paródias


Que encurtem dores


E furtem cores como camaleões





Gosto do Pessoa na pessoa


Da rosa no Rosa


E sei que a poesia está para a prosa


Assim como o amor está para a amizade


E quem há de negar que esta lhe é superior


E deixa os portugais morrerem à míngua


"Minha pátria é minha língua"


Fala mangueira!Fala!


Flor do Lácio Sambódromo


Lusamérica latim em pó


O que quer


O que pode


Esta língua?





Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas


E o falso inglês relax dos surfistas


Sejamos imperialistas


Vamos na velô da dicção choo choo de Carmen Miranda


E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate


E - xeque-mate - explique-nos Luanda


Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo


Sejamos o lobo do lobo do homem





Adoro nomes


Nomes em Ã


De coisas como Rã e Imã


Nomes de nomes


Como Scarlet Moon Chevalier


Glauco Matoso e Arrigo Barnabé


E Maria da Fé e Arrigo Barnabé





Flor do Lácio Sambódromo


Lusamérica latim em pó


O que quer


O que pode


Esta língua?





Incrível


É melhor fazer um canção


Está provado que só é possível


Filosofar em alemão


Se você tem uma idéia incrível


É melhor fazer um canção


Está provado que só é possível


Filosofar em alemão


Blitz quer dizer corísco


Hollyood quer dizer Azevedo


E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo


Meu medo!





A língua é minha pátria


E eu não tenho pátria: tenho mátria


E quero frátria


Poesia concreta e prosa caótica


Ótica futura


Samba -rap, chiclete com banana


Será que ela está no Pão de Açúcar?


Tá craude brô você e tu lhe amo


Qué queu te faço, nego?


Bote ligeiro


Nós canto-falamos como que inveja negros


Que sofrem horrores no gueto do Harlem


Lívros, discos, vídeos à mancheia


E deixe que digam, que pensem e que falem...

Party ' s over




As férias terminaram


As férias terminaram e guardarei, com absoluta causa e relativa consequência, cada momento destes dias maravilhosos. Ontem, a meio da noite, a natureza fustigou a cidade de Genebra com chuva, trovoada, raios e corriscos. Os quatro elementos de um vendaval. Seria um sinal. Ou não o sendo, quis tanto decifrar as sêmeas em tudo e isso é prodigioso. E tu eras, como és e serás sempre, o momento quintessencial de tudo. Genebra, poupemos adjectivos, é cidade que a minha mãe adorava. Algo perto do sublime. Em Paris, na trepidação do Trocadero, senti que andavas ao meu lado. Tu és uma espécie do Outro, de Jorge Luis Borges. Naturalmente que os transeuntes da Cidade Luz, habituados ao french kiss e aos embevecidos do Bateau Mouche, não repararam nas sombras. Tão pouco sabem dos labirintos…da alma. Também por isso, das tuas miradas furtivas, cúmplices, tão tuas. Hoje, sei que há olhares que abalam o mundo, mais, muito mais do que os 10 dias que impressionaram John Reed. Momentos há, tanto como lugares, que me prendem para sempre…


As responsabilidades a caminho


Entrementes, vou ao http://www.ipetitions.com/ e assino o "SOS PRAIAS DE CAPITAL", petição em defesa das praias da capital. Telefono a Felisberto Vieira, dando os parabéns pelo PDM. Retomo a escrita do texto sobre « As Relações Ceará – África e o Papel Intermediador de Cabo Verde », tese para dissertação de Mestrado. Ultimo o texto sobre Pedro Cardoso, que sairá em forma de livro. Igualmente, tenho a responsabilidade de escrever a introdução e as notas interiores das "Actas do Simpósio sobre o Centenário da I Geração do Movimento Claridoso". Envio uma crónica para o Jornal “A Nação”, que se inaugura na primeira semana de Setembro. E me assumo colaborador assíduo deste novo semanário…


Bzzz de Bússula e outros mais


E porque também há boa nova: serei em breve entronado como Membro Correspondente da Academia Cearense de Letras e Membro da Sexta Literária de Fortaleza. Coisas de Dimas Macedo, Poeta e Procurador, com pergaminhos para Cônsul Honorário de Cabo Verde no Ceará. Creio que se optou por outros arranjos. Mas Dimas é Midas, em várias medidas. Adiante…Com três livros acabados – “C/Sem Margens” (cronicas), “Bzzz de Bússula” (poesia) e “Praiademincidade” (romance) -, experimento uma pequena angustia da indecisão.


Abraão Vicente dixit


Ter-me-ias dito choveu esta madrugada e a manhã toda. E imagino-te a dormir com as janelas abertas. O besteirol de Mário Almeida há de me chamar hermético. Vê-se que é alguém que não se masturbou em tempo dos lobos. Too bad. Mais uma vez, concordo com o Abraão Vicente, mais substantivo do que os betinhos, neoradicais, lobinhos e seus afluentes, de pequenas causas. É assim no Ala Marginal: vamos dar uma nova cara ao país, digo-te apenas que minha ideia não passa pelas batucadeiras (de quem gosto muito,mas…), vamos ser ambiosos, dar um salto…enfim ser civilizados…

terça-feira, 28 de agosto de 2007

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Ambiente

Recomendo a leitura do livro « Ambiente », de Jorge Barbosa. Mais do que qualquer outro poeta, Barbosa tinha a dimensão da transcendência da natureza. Alinho-me inteiramente a isso. Pessoalmente, nesta quietude de Cressy, vivo um periodo de quântica poética, em autêntica osmose com o Ambiente. É que as regiões mais recônditas e as coisas mais infimas do mundo são os homens e a sua multiplicidade.

sábado, 18 de agosto de 2007

O bilinguismo nosso de cada dia


0.

Não apenas a missa, mas a Biblia devia vir em crioulo. Igualmente, a intervenção no Parlamento e a propria Constituição Nacional reclamam uma versão em língua cabo-verdiana. Quanto mais, o anuncio nos voos da TACV, depois do inglês, do francês e do português. Para não falar dos hospitais, dos tribunais e das escolas primárias. Disse "escolas"? Agora, com a reentrada do ano escolar, eis um debate a ter: a língua cabo-verdiana. Ou, com mais propriedade: o bilinguismo nosso de cada dia...

1.

Fernando Pessoa dizia, em toda a grandeza, "a minha pátria é a língua portuguesa". Direi, ja sem originalidade, nem aspas, mas com a mesma grandeza, que a a minha pátria é a língua cabo-verdiana. A língua portuguesa, que amo muito e me da relativa ressonancia, é a minha segunda natureza. A minha natureza uterina e primordial é crioula. Em consequência, e por muito mais, defendo a oficialização do crioulo.

2.

A língua, por ser muito importante, tem de ser também encarada como uma questão política da primeira grandeza. Por isso, o Estado não se deve demitir da sua função constitucional de desenvolver a língua cabo-verdiana, em prol da construção progressiva de um real bilinguismo. A Constituiçao Nacional afirma, como ditame até, que deverão ser criadas as condições para a a língua cabo-verdiana seja oficializada, em paridade com a língua portuguesa. Como sexta língua mais falada no mundo [210 milhões], o português não é apenas um valor cultural inestimavel, mas um recurso estratégico fundamental para o desenvolvimento e a inserção no mundo globalizado.

3.
O chinês é a língua mais falada do mundo [850 milhões], enquanto língua materna. O inglês é a língua mais falada, mas como segunda língua e não como língua materna. Em segundo lugar está o hindi [400 milhões], em terceiro o espanhol [390 milhões] e só em quarto lugar é que aparece a língua inglesa [354 milhões]. Em quinto lugar está o árabe [272 milhões] e em sexto a língua portuguesa. Dominar o português significa estar bem posicionado na geopolítica da língua. E não so...

4.
Haverá uma elite, a qual não se deve levar tão a sério, que se reproduz à roda da mais vil alienação e que encara o crioulo como o grande mal ao mundo. Para esta elitezinha, sem causa, nem consequência, é de somenos importancia que o crioulo seja realmente a língua do quotidiano cabo-verdiano e o elemento matricial da identidade nacional. Aliás, parasitária e medíocre, a descaracterização da caboverdianidade tornou-se a grande chance.

5.

Quanto à fala, estamos conversados. Nada de falácias, meus senhores. Cada um fala como fala, em sua região ou ilha. Não se impõe fala a ninguém. O que se pretende convergir, unificar e padronizar, em termos gramaticais e sistémicos, é a escrita. Com ou sem kapa, no fonologico ou no etimologico, à esquerda ou à direita, aos badius e aos sampadjudos, impõe-se-nos a todos esta defesa, valorização e desenvolvimento da língua materna cabo-verdiana e incentivar o seu uso na comunicação escrita.

6.
E o debate está lançado. Todos com direito à palavra. E, sobretudo, à lingua. Ao bilinguismo. Para mim, dizer o que penso é fundamental. É um acto tão natural como respirar – e não concebo que seja de outra forma. Esta liberdade às vezes não cai bem na Tapadinha. Num país com uma sociedade civil subsidiária directa ou indirectamente do Estado, onde todos se conhecem e se encontram no quotidiano, a independência de espírito vê-se condicionada pela desdita de tal elitezinha. Arre...



quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Estios - perdidos & achados


O cheiro a café mistura-se a chocolate e a pão quente. Chemin de Carabout. Faz uma manhã de griso. E chove. Os poetas arrogantes são tigres de papel. Leio, quase a rir, dos versos online com que, em desagravo, te homenagearam, meu poeta. Gostei tamhém foi do Abraão que exortou à Eileen a não se deixar levar pelos tremeliques da canalha. Importa não ser intelectual com respiração assistida. E aqui à mesa: o ovo meio cozido, passado a manteiga. A salada de frutas. Pressinto a tua imagem e vale mais amar que ser doutrem amado. Temos sido estios perdidos, que foram longos anos de me alombar contigo. Tudo é cumulativo - dos Alpes aos montes da minha terra. Deitar novas achas à fogueira, quem sabe. Mas, olha, não me meço em tantas demoras, estando tu à minha espera. E, como diria Sophia de Mello Breyner Andresen, não creias, Lídia, que nenhum estio, por nós perdido possa regressar...

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Rhone-Alpes - Haute-Savoie


Thonon les Bains


Em Rhone-Alpes - Haute-Savoie, mais precisamente em Thonon les Bains, as flores, como os repuxos, estão em viço nos jardins. Uma grande avenida, recortada sempre à beira do Lago Léman, fez-nos passear deste lado da França. Além, quase na divisa dos nossos olhos, a "promenade" de Lausanne. No Inverno, Rhone-Alpes serve para esquiar. No Verão, é navegar pelas águas. Mas, no ar e quando venta, o remanso de perfumes antigos...

domingo, 12 de agosto de 2007

O letreiro do Hotel de la Paix




De tudo, fica um pouco: fiapos de Baudelaire,
Imagens e manchas de ti no meio do lago,
Fio de lágrima escorrido, esse fogo de artifício,
Pegadas em mim do que foste, sobretudo...

Bocados de Rossini, de Verdi e de Respighi,
Teu gostar de prata, de viagem e de nuvem,
Esse ainda brilho com que ouvias, encantada,
Como eu vira, lindas, auroras de Marraquexe...

Ficam, de teres vivido, teu halo de Mystère,
Esse élan de seres afinal esfinge, musa e lira,
E na luz do teu sorriso - Codigo de Da Vinci...

As montanhas de Cabo Verde, estas ficam
E navegam comigo tempos e lugares, estas,
Quais cisnes, o letreiro desse hotel, que és tu...

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Eileenístico




Lançamento de "Eileenístico", na cidade da Praia, segunda-feira, dia 13, às 18h30, no Tabanka Mar. Com saudações do Albatrozberdiano e promessa de encontro marcado.

O Ródano e o Oceano - adeus a Vário

De vez em quando, o fim da linha,
Por ter muito de infinito, é poema,
Como teu verso, de metáfora e meia,
Soletraria fossemos nós uno e vário...

Em tese, não haverá enfim morte,
Nem outra sorte, rosa ou cotovia,
Lua toda e parte nossa em desvario,
Que não balbuciasse esta alquimia...

Lago, espelho de água que desliza,
Códice da letra, da terra, da palavra,
Que lavra lágrima e ciência da beleza...

Sendo Ródano, mas tambem Oceano,
Tudo sendo nada e, no vagar, lugar
Onde sinta o mundo e te faça adeus...

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Arte facto

Charles Searles
American, born 1937
Filas for Sale (Nigerian Impression Series), 1972
Acrylic on canvas
72 x 52
The Museum of the National Center of Afro-American Artists

Linhas da Alma







Entre todas as linguagens com as quais a sociedade reveste as suas intenções e as suas formas, parece ser a arte aquela que agrega o melhor conjunto de valores e o mais sofisticado de todos os apelos.


Acredito ser impossível apreciar a arte de boa qualidade e não desejar tê-la para si, uma vez que a arte é a extensão do nosso imaginário e do nosso desejo de estar-no-mundo e de lutar até onde as energias da vida possam permitir.


A arte atravessa os caminhos escuros do nosso inconsciente e, na proporção em que se vai tornando soberana, projeta no espaço do nosso exterior o caleidoscópio no qual nos espelhamos. E não há como fugir da sua linguagem sedutora, da sua tentação desafiante e dos lençóis de linho com os quais ela nos envolve.


Ana Costalima é uma artista plural e multifacetada. Toca os mais diversos instrumentos da escansão poemática e vai da gravura e da escultura do ferro à pintura de linhagem clássica que aponta para o limite de todos os desejos.


E sabe manipular, como poucos, o desenho de linhas abstratas e a alquimia das formas como se fosse uma equilibrista que caminha por fios de arame sem a necessidade de nenhum elemento de apoio.


A escultura, de longe, parece ser o seu supremo campo de domínio, mas não é. Ana Costalima é mais do que aquilo que aparenta ser e muito mais ainda do que aquilo que dela se possa imaginar, isto é, é mais do que aquilo que a sua exposição - Linhas da Alma - pode revelar.


Mas é em Linhas da Alma, acredito, que ela demonstra, como poucos, o quanto é possível transformar as estruturas pesadas dos materiais resistentes em folhas laminadas em branco e em linhas que apontam para as grandes levezas da vida.


A dança das formas resistentes, a leveza significante do traço, o desenho simbólico da sinergia da alma, a comandar o prazer e o deleite dos apreciadores, são valores e achados com os quais Ana Costalima nos encanta.


Todos os recursos da criação artística que até hoje lhe foram facultados ela os reuniu nos objetos que constituem essa exposição.


Um crítico de arte talvez aqui quisesse inventar teorias ou escolas, tendências estéticas ou didáticas para enquadrar as suas perspectivas de trabalho. Mas não é isto o que penso a respeito da sua criação cultural. Acho tão-somente que Ana Costalima é uma artista de traços criativos, que prima pela leveza da forma e do desenho, que sabe que a energia suprema da vida é o amor e que os desafios da arte de viver implicam, necessariamente, em tomar a criação ponto de partida.


E a criação como ponto de partida é tudo o que importa a Ana Costalima, especialmente quando se debruça sobre o ofício de escrituração do poema. É poetisa, sim, e escritora, no sentido mais justo da palavra.


Desliza, como poucos, pelas linhas do imponderável. Não é uma engenheira do poema, no sentido cabralino do termo. Não escreve pela emoção, mas pelo ouvido. Compreende sinais, interpreta signos, fixa a atenção num ponto qualquer do horizonte, desce olhar sobre o papel e o poema explode em forma de canção e de resguardo de sua doce sensibilidade.


Faz poemas como se estivesse ouvindo alguma partitura. Vozes musicalizadas. Melodias sonoras. Texto preparado para a escansão e para as grandes energias do corpo.


A palavra, em Ana Costalima, constitui a sedução de todos os prazeres. O movimento, o alento, o alimento, nesta ordem de partida do zen oriental, integram a sinergia do texto que ela nos dirige.


É impossível olhar para Ana Costalima e não sentir. Olhar para Ana Costalima e não criar.

Quem a percebe, pela primeira vez, não tem como evitar os seus olhos e a sua efusão em abraçar. Tudo nela é poesia e determinação. Tudo, em Ana Costalima, me parece a expressão poética do desejo, assim como se tece a melodia que se perfaz na concha e no rumor.



Serviço:Abertura da exposição ´Linhas da Alma´, de Ana Costalima, hoje, às 20 horas, no Centro de Convivência da Unifor. Informações: (85) 3477 3239.

Ruy Duarte de Carvalho (*) lembra João Vário




..... morreu ontem, no Mindelo, o João Vário, o cientista Varela, que era como a gente se referia a ele nesse tempo a seguir à independência quando andou por Luanda a não entender nada como muitos de nós, uns mais em segredo e outros nem tanto, mas a olhar para tudo quase sempre a rir e sem perder a compostura dele, que era assim a de uma figura em que as pernas só é que avançam para a frente e sustêm o peso de um corpo em andor, virado para o chão dos ombros para cima...

PARA UM CIENTISTA VÁRIO

.... é injusto que o mérito do que escreveu, por razões evidentes, basta decifrar-lhe a dimensão, tenha passado ao lado dos critérios que podem assegurar notoriedade a uma obra, e com ela nem tanto a glória vã mas tão-só apenas talvez uma qualquer hipótese de intervenção, enquanto o que foi deixando escrito não terá nunca deixado, já se vê, de acionar os dos juízos que governam e comandam o mundo, os da lisonja e do serviço a esses,os do medo, os do despeito, os da inveja e dos oportunismos vis...

.... calha que ele morre enquanto ando à volta da figura de Ernst Junger, que também andou por Angola e eu cruzei com ele... esse era, para além de ter sido quem foi como escritor, um entomologista desvairado, com dois espécimes, no catálogo das descobertas do século vinte, batizados com o nome dele : um é o Trachydora juengeri e o outro a Cincidela juengeri.

... autor tão tido em conta como ele era, ouvi-lhe em Calulo, no ano em que a minha filha Eva nasceu lá também : ’... é talvez a única coisa que ficará de mim... Lineu trabalhou para a eternidade...

.... também o doutor João Varela, se não o poeta João Vário, ficará seguramente para a história... consta que durante certo tempo da sua vida foi cirurgião eminente de operações ao crânio das pessoas e que durante os seus trabalhos de tese, na Holanda, chegou até a formular qualquer coisa capaz de assegurar-lhe, também a ele, a eternidade... quando lhe fui apresentado em Luanda, talvez para aí em 77, o também finado já, mas esse há muito, saudoso Africano Neto, assegurou-me estar em presença, precisamente e sem mais, nem menos, do inventor do síndrome de Varela... é pouco para ele... e ainda assim é triste... mas é bem-feito e consola...

* * escritor angolano, autor, entre outros, de Os papéis do inglês, Como se o mundo não tivesse leste, Hábito da terra... O presente texto saiu no jornal Público.

Semana Online

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Joyce

Estava na cara, como pelo sobrenome - Correia e Silva -, sermos primos. Mas o nome era lindo, quase título de um romance a escrever: Joyce. Tinha apenas 18 anos, nascera na Holanda e vinha sempre beber na fonte da cabo-verdianidade. Sei que tinha planos, muitos planos. E, quem sabe amava alguém, como se ama nessa idade! Soube, pelos jornais, do desastre mortal que a vitimou, ali perto do Monte Negro, Santa Cruz.
Em memória de Joyce deixo estes versos de Fernando Pessoa:

Nunca supus que isto que chamam morte
Tivesse qualquer espécie de sentido...
Cada um de nós, aqui aparecido,
Onde manda a lei certa e falsa sorte,

Tem só uma demora de passagem
Entre um comboio e outro , entroncamento
Chamado o mundo, ou a vida, ou o momento;
Mas, seja como for, segue a viagem.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

A contarem das sêmeas

Fui às pracetas, onde nem poemas, só pombos
Soletravam à beira dos charcos, nas gretas da rua,
Bêbados, nem todos noctívagos, nem felizes,
Bebiam mágoas – ora euforias, ora metáforas,
E vi ali ainda poetas, dos que sofrem palavras,
A contarem das sêmeas o soçobrar dos versos
E dos bocados de sílabas, pela inércia surda,
Retirei ali retratos da tua nudez e, em surdez,
Já de serem só silêncios e sonetos as sobras,
Mais do que pracetas, terços e tercetos, viagens,
Nuvens que nem fonemas, quase morfemas,
Tuas broas, loas e outras ilusões, tão fêmeas
Tais flores nos jardins dos reversos, inversos
De nada. De tudo. De nada, afinal…

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Balanço


Caros Amigos,

Doravante (e por alguns dias), estarei mais bissexto do que o habitual. Motivo de férias, com os meus filhos, Denzel e Pablo. Igualmente, tempo para repensar em muita coisa – formação, profissão, política, arte e vida sentimental. Tentarei ser contido e sucinto para comigo. Já não tenho idade para ser (e estar) caudaloso. Vou Blogar, de vez em quando. Só de vez em quando…prometo.

sábado, 28 de julho de 2007

Non, je ne regrette rien

À minha lembrança - da tua voz ou do teu olhar -, Edith Piaff a cantar Non, je ne regrette rien, de Michel Vaucaire e Charles Dumont:

Non ! Rien de rien
Non ! Je ne regrette rien
Ni le bien qu'on m'a fait
Ni le mal tout ça m'est bien égal !

Non ! Rien de rien
Non ! Je ne regrette rien
C'est payé, balayé, oublié
Je me fous du passé !

Avec mes souvenirs
J'ai allumé le feu
Mes chagrins, mes plaisirs
Je n'ai plus besoin d'eux !

Balayées les amours
Et tous leurs trémolos
Balayés pour toujours
Je repars à zéro

Non ! Rien de rien
Non ! Je ne regrette rien
Ni le bien, qu'on m'a fait
Ni le mal, tout ça m'est bien égal !

Non ! Rien de rien
Non ! Je ne regrette rien
Car ma vie, car mes joies
Aujourd'hui, ça commence avec toi !

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Uma didáctica qualquer



1.

Estará a faltar entre nós a pedagogia da Arte, a didáctica para se ensinar e se aprender, apreendendo, a Arte. Torna-se, não só possível, como necessário, educar a percepção, a imaginação, a observação, o raciocínio e o controle motor. Educação para a Arte, sim senhor. Sem deixar o lado espontâneo, do cognitivo das coisas, a Arte tem a ver com a elaboração, a “ciência & o engenho”, que demandam mais cultura e permanente aprendizagem. Não acreditando tanto no “bon sauvage” ou, como diria o Pranchinha, "brabu na txada", nesse sem critério puro do gostei/não gostei, a minha modesta opinião é pela Educação para a Arte. Entre nós, torna-se imperioso discutir iniciativas que contemplam rupturas de paradigmas e que negociam novas fronteiras entre a Arte e a Educação. Introduzindo nesse processo, entretanto, a arte da Educação…

2.

Não se escuta a música de Prince, "deseducadamente". Tão pouco se olha assim para "Guernica", de Pablo Picasso...

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Sorriso


Les Demoiselles d'Avignon

Pablo Picasso


Exijo não ser levado a sério. Nem a brincar. Escrevo ora, como outrora, ao sabor das palavras. O verbo, já de si, desnorteia e não me venham com racionalidades logo de manhã!

Acordei-me a sorrir. Há muito que não o fazia, confesso. Vou a janela e creio estar apaixonado. Pelo mundo, sobretudo. Pela vida fluente em mim e que desagua nos outros. E vice-versa. Por ti, naturalmente, que és a minha musa ancestral. Vou auscultar o meu coração, a minha tensão arterial e a minha poesia. Não devem estar normais. Estarão, no mínimo, em estado interessante. Levianíssimos da silva. Demo-nos de caras ao espelho e imaginei-os a cuidarem de mim. O que pensariam eles de mim? Agora que vou ao teu encontro…

Se antes, retive este ímpeto, saberão também eles, como num poema de Neruda, que tiritam azuis os astros no céu. Em Paris, sob a chuva fina de Montparnasse, soube que não és virtual, mas de carne e osso. Só tu tens a dimensão, quiçá inatingível, de perscrutar o voo dos albatrozes. És imponderável em tudo e não te fias em molduras. E isso me fez bem. No mais fundo de mim…

Frágeis e “deboles”, como todos os seres, afinal finitos e relativos, angustiados sempre diante da “pedra no meio do caminho”. Por mim, estamos mais que conversados, sublimados e curados. Amigos, a sermos, havendo portas e janelas abertas. Colaboradores, o quanto baste, em prol de um mundo melhor. Livros, para ler, mesmo os deixados nas partidas. Nada de dramas, que estes são ridículos e não pagam os sofrimentos. Grandes remédios – ah, antídotos dos venenos todos – estes que emanam dos males reciclados…

Acordei-me a sorrir e estas palavras, soltas e desconexas, são um exercício de fragilidade. A ver se me concedo aos voos da minha alma…

sexta-feira, 20 de julho de 2007

O tigre a tigretude

1.
Hoje, mais do que nunca, entendo as razoes de Almada de Negreiros ter escrito “A Cena de Ódio”. Esta província também não é fácil. Estarão eles habituados ao preto dócil, domesticado e civilizado. Admoestado nos salões do império e empedernido nas sapiências da metrópole. Esse não. Não serei eu o órfão desse império. O Pai Tomás da Cabana. O serviçal, meio capataz, chefe de secção, administrativo nas colónias e férias graciosas. Olho-me ao espelho e divirto-me de não ser mulato safado. Ó solitário, este deserto de imbecis…

2.
Dois jornalistas de serviço, desses mauzinhos a polvilhar todas as profissões, gritou literalmente o Carmo e a Trindade, porque, num exercício de livre opinião, chamei de mentecapto a Salazar e de pacóvio a quem nele “votasse”. Naturalmente que não disse tudo, pois, como diria Wole Soyinka, Nobel nigeriano, o tigre não badala a sua tigretude, mas salta na presa para a devorar.

3.
Manda-me o José Luís Hopffer Almada os seus versos. Li-os e fiz aceso comentário. O vate do José é maduro e conseguido. Cheio de tensão e intensidade. Adensada poética, necessária, cada vez mais necessária, entre nós…

4.
Mas há bocado passaram-me pelas mãos os sonetos de Januário Leite. Loiça rara. Colocando cada peça no seu espaço, há poetas que ficam fora do puzzle. Januário Leite é bardo de outra galáxia…

De tudo em torno falar mantenha


1.
Em verdade, os Kings of the Mambo, cada um com as suas razões, pretendem jogar fora a água suja do banho, não se cuidando do menino que ali vai. Seria preciso uma análise de fundo, não só para destrinçar o cujo das calças, mas para apartar a “fergadura” da criança ora lavada. O Palácio da Cultura Ildo Lobo é, sem dúvida, um grande equipamento cultural na cidade da Praia. Mas, a par da infra-estrutura, ele demanda outra dinâmica de produtos e serviços culturais, em quantidade e qualidade. O tal “mau gosto”, a que se refere alguém a soldo e a saldo, reclama uma desmontagem pela reconfiguração e reformatação do Palácio da Cultura. É que nada acontece por acaso. E tudo, à claridade ou à sombra, anda afinal ligado. Até onde vai o Mambo para o gáudio dos Kings?

2.
Outra solução, que não a da unidade de cobrança da Electra, urge ao Palácio da Cultura Ildo Lobo. Ouvindo uns e outros, creio legítimas, mais do que legítimas, as reivindicações sobre a requalificação do Palácio da Cultura, em termos de dinâmica e animação. Um verdadeiro centro cultural será aquele com orçamento, curador e agenda cultural. Cultura on going. Insisto na solução de parceria público-privada. Válida para o Palácio da Cultura Ildo Lobo, o Museu da Tabanka, o Centro Cultural do Mindelo, o Auditório Nacional Jorge Barbosa, o Centro Cultural de Santa Maria e – porque não? – o Centro Nacional de Artesanato, entre outros. Doutra forma, é o que se vê: erros de paralaxe, excessos de Estado, deficits de privado, Electra pelo meio…e Cultura em circunstância!

3.
Piano, piano, pianíssimo, meu caro. Contestemo-lo, mas devagar. Os budistas recomendam alguma demora ao redor de uma simples flor. Ou de olhar mais compenetrado ao frágil voo da borboleta na China, que pode desencadear tempestade no Peru. O velho, a matar amanhã, está morto, desde ontem. Mas, nem por isso chove a cântaros nos meus desejos de tudo em torno falar mantenha…