terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Mon pays est une musique

Mário Fonseca
Foto de Mito Elias

Em Claridade



Peace and love

Perdi um grande amigo – Zeca Correia. Ele acaba de falecer em Boston, depois de uma doença prolongada. Morreu lúcido e amigo, como sempre foi. Entre muitas outras coisas, Zeca Correia foi uma figura destacada da comunidade cabo-verdiana. Fundou, com mais companheiros, o Gabinete de Produção Mediática e a Conferência Anual Amílcar Cabral e Martin Luther King Jr., e foi um dos activos no Programa Educacional Bilingue. Uma figura…esse saudoso amigo!

O paradigma de Virgínia

A América continua a dar as cartas em matéria de Direitos e Liberdades. A América profunda, naturalmente. Aquela que nos legou Thomas Jeffersson e Marin Luther King Jr., e que, ainda hoje, atribui Óscar ao senador Al Gore pela Verdade Inconveniente. Esta América dos meus filhos, do jazz e da constitucionalidade. Livre, libertária e, genuinamente, liberal. Leio que o Estado de Virgínia assume desculpas formais devido à Escravatura, o maior atentado contra os Direitos Humanos em toda a História. Assume-o com causa e consequência. Obviamente que haverá algum desconforto entre nós que ainda temos orgulho dos nossos ancestrais escravocratas e nos envergonhados daqueles escravizados. Que veneramos a parte de nós, que é europeia e branca, mas que diluímos a africanidade, a negritude que nos lateja nas veias. Mas este desconforto é uma enorme e necessária terapia. Para que sejamos integralmente nós. Para que possamos discursar no mundo e, depois disso, não se ria de nós, dessa identidade titubeante em “forma de crioulo basofo”. Não por uma questão retrospectiva, mas pela vertente prospectiva. Precisamos ter uma visão futurista da escravatura. Como fazer desse passado, de enorme tragédia humana, uma condição humanista de vida futura. Com soberania, democracia e desenvolvimento. Senão, seremos sempre pós escravizados e pós escravocratas. O prolongamento da tragédia, com o vergonhoso disfarce neo-liberal. Pois é, meus caros, temos de acompanhar (com interesse, pelo menos) o que está a acontecer em Virgínia. Nos Estados Unidos…naturalmente.

Em Claridade

Apreciei a posição do poeta Mário Fonseca sobre a questão da celebração do centenário do Movimento Claridoso. Temos de evitar a capelinha de balcanizar os grandes momentos da história de Cabo Verde. Claridade foi um momento que transcende o tempo e o lugar. Em consequência, ela deve ser celebrada por todos e em todo lugar. Em jeito de assumida provocação, já que os fantasmas deixaram de meter medo, anuncio um encontro sobre os Claridosos, no próximo ano, em Fortaleza, Brasil. A engenharia já está a ser montada. É que os nordestinos do Brasil parecem ter alguma “culpa” em tudo isso. E mesmo que não tivessem. Poderia ser em Pequim, Lisboa, Praia ou Mindelo. Consenso? Mas que palavra feia entre os homens de Cultura. Desnudemo-nos de tiques e preconceitos. Com a modernidade de Mário Fonseca. Cabo-verdiano, cidadão do mundo…

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

CASTLES DREAMS IN MY MIND


Zeca Correia em Copley Place
Foto Mito Elias
Morreu Zeca Correia e a crónica, que esta semana já havia marcado o seu caminho, resolve ser outra. Ele estava doente, muito doente, há algum tempo. Mas a forma brava e estóica como enfrentava o câncer, nos apartava, por vezes, dessa ideia da morte. Esta apanha-nos sempre de surpresa. Absortos no meio da vida. Caídos na amnésia sobre o fim das coisas. Sem condições de fazer a cerimónia do adeus. Há dias, havia mandado uma carta, doando, absurdamente, palavras. Enfim…
Fortaleza, 11 de Fevereiro de 2007

Zeca, meu bom amigo

Há momentos em que as palavras perdem significado. Elas ficam fragilizadas e debilitadas quando as circunstâncias são excessivas. Diante da grandeza da vida e do mistério da morte, as palavras ressoam pequenas, encurtadas e, se calhar, até imprudentes. Entretanto, não tenho senão palavras para te dar força neste momento de privação e de luta corajosa contra a morte. Digo luta corajosa, pois soube, pelos nossos amigos comuns, que és um homem bravo. Enfrentas tudo com fé e estoicismo, o que me dá um enorme orgulho de ti, meu amigo.

Às vezes, revejo aos detalhes os nossos momentos passados juntos. As horas de festa e como celebrávamos a vida com alegria! Quase sempre com alegria exagerada, caríssimo. O bom vinhaço, a comida pantagruélica e a excelente música. Não me esqueço de quando fomos ver juntos Dee Dee Bridgewater, Lou Rawls e Ray Charles, no Waterfront, em Bóston. Nem dos teus olhos de alegria no Newport Jazz Festival.

A tua lembrança estará sempre ligada ao momento quando te desafiei a criarmos um programa de rádio e tu logo topaste a ideia do GPM. E da primeira vez que topámos que a Ambrizeth – Babosinha, para os mais chegados – tinha uma voz de rouxinol e que poderia dar aulas de inglês no nosso programa. E eu escrevia “Factos”, pensando no teu timbre de radialista, meu amigo. Outro momento alto, fora o dia em que criámos a Conferência Amílcar Cabral, na velha casa de Lower Mills. Pelos vistos, o “petit comité” alargou-se e a Conferência está a dar os seus frutos. Grande iniciativa.

Lembro-me do carinho que devotas ao Denzel, que adorava, de fraterna amizade, o “Tio Zeca”, o mesmo carinho que eu devotava ao Nuno, recém-chegado das ilhas. Mas o melhor de ti, meu bom amigo, registei-o hà pouco tempo, e tu já entrado nessa maldita doença que nos perturba a todos, quando a minha mãe faleceu. Eu havia ido do Brasil para Cabo Verde e não é que recebo o teu telefonema, com uma lição de amor e de humildade que jamais esquecerei. Devo-te agradecer por isso. Disse-o a todo o mundo e todos, sabendo do teu quadro de saúde, passaram a te admirar muito. A superioridade das pessoas é de facto moral e o resto é história.

Vou pensando no Dylan, no Nuno e na Nadine, tua e nossa gente, por quem teremos sempre amizade e devoção. Vou pensando nos meus filhos, Denzel e Pablo (havias de conhecer o pequenote, meu velho), a matutar esta vida que deve ser vivida com grandeza moral e muito amor. Como eu receava, meu bom amigo, acabei por escrever uma série de palavras, mais de significante que de significado. A sua semântica fica “debole” diante das circunstâncias. Força, muita força. Coragem e fé. Cada dia de vida é um ganho para todos nós. O jeito é vivermos, para lá da doença e da dor. Tirar o melhor partido de cada momento. E, sobretudo, amar muito.

Pois, vem aí estes ossos para um grande abraço. Eu te amo muito, muitíssimo, meu bom amigo.

Filinto

Eagle


O Poeta e a Musa

Zero

Queimando o S/Cem Margens seus últimos cartuchos, depois do cronista ter lido a lógica daqueles que abominam que um dos tributos ao Movimento Claridoso também se faça na cidade da Praia, apesar de ser Cabo Verde, capital da Nação e terra de Jorge Barbosa, direi sem margens para dúvidas que, em certo sentido, vivemos tempos turvos e lodosos.

Um

Essa polémica, embutida de bizantinice e eivada de má fé, procura levar, mais uma vez (e não por acaso), Manuel Veiga para a fogueira de todos conhecida e que crepita para dividir o país. Curiosamente são os mesmos pirómanos que outrora dividiram o Arquipélago entre as ilhas da macaronésia e as africanas e que, há poucos dias, brindaram com júbilo ignaro e racista um estudo dito genético. O que não nos dizem certas intenções "científicas"?

Por mares nunca dantes navegados

Por razões de trabalho, estou a ler com o meu italiano aquém do básico "Navigazioni", de Luís de Cadamosto. Vou pedir apoio a Pasqualino Settebellezze, personagem bissexta das tertúlias na net, pelos vistos, um crioulo radicado na Itália. Mas voltemos a Cadamosto. Terá o navegador chegado a Cabo Verde antes de Diogo Gomes? Interessaria a Portugal dar o protagonismo dessa descoberta a um “mercador de Veneza”? De qualquer forma, a história, para lá da ciência, é escrita e interpretada ao sabor dos tempos. Outrossim, Luís de Cadamosto fora um renascentista consequente. Curioso, aventureiro e mercador, ele estava fadado a ver e a desbravar novos mundos. Obviamente que teremos de dar descontos aos olhares e aos preconceitos da época. Eram tempos eurocêntricos, com o obscurantismo adveniente disso, em que muitos descobrimentos não passaram de encobrimentos. Isso também é notório no "Navigazioni"…

Neoliberais

Não me fio nos neoliberais que se deixam dominar pelos tentáculos coloniais. O Pranchinha chama-os de deuses de esquina. Cá na minha, os neoliberais terão de ser navegadores, libertadores e libertários. E nunca “entregadores”. Do negócio e Pátria. Lá pelos fins dos 1400, um monte de moradores de Cabo Verde lançava negócios pela costa africana, à revelia das autorizações reais. Uma Carta Regia impedia aos moradores de Santiago traficar na Costa, onde o negócio era rendoso. O nome desse pessoal? Tangomanos (ou "Lançados"). Conta-nos António Carreira que "...Sobre este tipo de relapsos foi promulgada abundante legislação no sentido da sua captura, e até mandando-lhes aplicar a pena de morte, no caso de serem capturados pelas próprias autoridades africanas". Os verdianos, quais albatrozes, foram ao tempo contra o monopólio colonial... Interessante, não? Esses terríveis lançados neoliberais...mais consequentes outrora.

Dois

O cenário poderá ser de um café com letras. Ou dessas muitas livrarias, como o Paraíso de Jorge Luís Borges, onde se possa tomar um bom capuccinno. E o cronista a lembrar de ser poeta. Eu bem que queria navegar no seu mapa astral, disse o Poeta. Mas você já nele navega, respondeu a Musa…

sábado, 24 de fevereiro de 2007

domingo, 18 de fevereiro de 2007

Arlequim experimental



ê di bidi dó...
ê temterem!

A Arte do Carnaval



A Arte do Carnaval

Fique bem claro que adoro o Carnaval. Não o Carnaval de pacote turístico, dos desfiles plastificados para o inglês ver, mas o autêntico, com originalidade e raça. Tão pouco me alinho nessa exploração comercial da fruição crioula, quão entraria de cabeça nessa imaginação colectiva de transfigurar o dia-a-dia. Nada de moralismos. Meus amigos, não se quedem assim puritanos e furiosos face à perda da fiscalidade do corpo. Ademais, para além da objectividade da carne, da pulsão e da cor, o corpo é uma grande subjectividade da Arte. Fique bem claro que adoro a Arte. Do Carnaval…



Bá timbora, bá timborinha…

O Mito desafia-me de novo a escrever sobre os Carnavais da cidade da Praia. Não em referencia, nem em oposição, aos Carnavais doutras paragens. Até porque Carnaval é sempre diferente em cada lugar e em cada tempo. O melhor Carnaval da minha vida não aconteceu no Rio de Janeiro. Terei largado o desfile do Sambódromo para passar o Fevereiro em São Filipe, na ilha do Fogo. O que a juventude não apronta? Naturalmente que a cidade não estava tão “modernizada” pelo actual génio autárquico, de pronto denunciada pelo meu amigo Fausto de Rosário, razão porque dava gosto acompanhar os mascarados pelo Presídio. Mas o melhor Carnaval da minha vida, passei-o de facto na cidade da Praia. O Mito de cara pintada, como um índio psicadélico. Índividuo de trinta reis, esse aí. A banda louca do Gugas Pastor, Zé Pitadinha e Sanna Pepper. O Teacher e o Eduardo Balula, meu Deus. E a malta do Plateau, ainda não tão esburacado assim, nem tão assaltado pelos “vindos do baile”, a cantar (sobre coisas que ainda hoje precisamos exorcisar): “Polísia associadu, bá timbora, bá timbora, bá timborinha"…

Bloco do Infante

De repente, desfila diante do Pranchinha a ala das caravelas. O Bloco do Infante, com marinheiros e escravos, instrumentos náuticos, coisa e tal. Do promontório de Sagres, a famosa Escola das Navegações, diz o Pranchinha que a História está mal contada. Mestre e administrador da Ordem de Cristo, para substituir a extinta Ordem dos Templários, o Infante Dom Henrique foi, de uma certa perspectiva, um génio. Ele administrou pilotos e cartógrafos, armou frotas de longo curso, obteve o senhorio das ilhas atlânticas e conduziu a expansão lusa até Serra Leoa. Pois é, a ala das caravelas. Nhaku tánbi…

Bloco de mulher pelada

Esse Carnaval de mulher pelada nada tem a ver com a democracia e a modernidade, mas sim com o turismo sexual, pois de há muito que os homens do dinheiro descobriram a mina de ouro que significa a mulher nua. A submissão da identidade em troca de euros e dólares. Importaria não apenas subverter a máscara do folião, mas esta triste realidade de crime e crueldade. Posto isto, difícil é não mirar o que passa pela avenida…

Brincadeira de Carnaval

Carnaval não é brincadeira, mas sim coisa séria. É um fenómeno social anterior à era cristã. Na antiguidade egípcia, grega e romana, as pessoas celebravam o excesso e a libertinagem, bem à maneira do Entrudo. Esse celebrar exigia máscaras e outras transfigurações sócio-culturais. Melhor que isso só a quarta-feira das Cinzas, não porque marca o arranque da Quaresma, mas porque é dia de mel e cuscuz, coco ralado e queijo de cabra, trotchida, peixe seco e legumes cozidos, xerem e axim. Uzul terra! E tudo isso…é lembrança que também guardo da minha mãe.

Love is a conical splash


Bombou na Espanha

Carnaval 2007

Bombou beleza

Carnaval 2007

sábado, 17 de fevereiro de 2007

Bombou geral

Carnaval 2007

O tigre na empresa



Acompanho, fazendo o papel do Velho de Restelo, os despedimentos em massa na TACV/Cabo Verde Airlines, protagonizados pelos novos gurus da empresa, com a luz verde do Governo e com os aplausos do Banco Mundial. O propósito será nobre com certeza, pois tais reformas estruturais, além de criarem as condições atractivas para a privatização, pretendem trazer mais vantagem competitiva e agregar mais valor à empresa. Mas a questão que se coloca é a seguinte: não seria mais producente um novo «contrato moral» com os trabalhadores e com a sociedade cabo-verdiana, substituindo a administração personalizada e a filosofia da "empregabilidade" por formas mais originais de criação de valor e de lucro? Não terá sido introduzido um tigre no seio da empresa, para o já clássico estilo de downsizing? A TACV/Cabo Verde Airlines teria, neste momento, de recriar valor para a sociedade e para os seus clientes desenvolvendo novos produtos e serviços, e descobrindo formas para melhor apresentar as actuais ofertas. De resto, para se competir no mercado internacional, e no transporte aéreo especificamente, não basta essa visão unilateral e mercadológica da vantagem competitiva. Peter Drucker dizia que é o restabelecimento do capital social que recria valor competitivo e se torna o motor do crescimento para uma empresa, teoria que seria válida para a TACV/Cabo Verde Airlines a estas horas. A empresa é que deve estar no mercado e não este dentro daquela. E, outrossim, nunca deu bons resultados introduzir o tigre dentro da empresa. Sumantra Ghoshal comparara o mercado a um tigre – se o metemos no centro da filosofia interna da empresa, este acabará por devorar a organização. Uns exercícios de pensamento crítico apenas. A necessidade de haver sempre um Velho de Restelo. Nada por aí além…

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Qualquer música.1


Her Master's Choice
Mito

Qualquer música


Qualquer música

Ontem, a noite acabou em grande: com Egberto Gismonti. O Ideal Clube de Fortaleza é aquela coisa só. Nada como a boa música para nos lavar a alma. Nos bastidores, soube que o artista conhece bem a obra de Cesária Évora e as músicas de Bau. Falei também de Kim Alves, Ricardo de Deus e Vasco Martins. Da Mayra, Tcheka, Dudu Araújo e Mário Lúcio. Das coisas que eu gosto, enfim. Não quis acreditar que Horace Silver fosse crioulo e lá tive de contar as coisas. Desde a pesca da baleia. Até Moby Dick, sabiam? Ganhei três CDs do músico e cheguei a casa, eufórico a recitar Pessoa:

(…)
Qualquer música, ah qualquer,
Logo que me tire da alma
Esta incerteza que quer
Qualquer impossível calma!
(…)

João Branco

Soube sim da iniciativa do João Branco de querer prestigiar o Centro Cultural do Mindelo com o nome de Orlando Pantera. Também soube da contra iniciativa e das suas razões absurdas. Mais uma perda de oportunidade para se homenagear os grandes da terra. Pantera mostrara de facto ao que vinha, para o odioso dos medíocres que não lhe perdoaram o génio, nem a raça, nem o virtuosismo…nem mesmo o sorriso.

Quanto ao bairrismo

Este país está a deixar de ser provinciano. O bairrismo de pacotilha, protagonizada por pacóvios conhecidos, tem os seus dias contados. Nenhum jovem que se preza pára os seus estudos, namoro ou gameboy para ouvir os ignaros e os atrasados da praça. Cabo Verde está no Desenvolvimento Médio. Não se riam. Arre…

Dança ma mi, criola

Eu gosto muito do Tito Paris, sobretudo da sua música, do seu sorriso e dos seus suspensórios. Adoro vê-lo a cantar Dança ma mi, criola. Um fulano nota 10. Entretanto, ele não soube levar a bom termo o quiproquó com o Ministro da Cultura e fez umas afirmações que não procedem. O orçamento do Ministério da Cultura é curto, tanto ao Norte como ao Sul. Os artistas, criadores, produtores e todos aqueles que fazem Cultura precisavam de “uma outra guerra”. Por um melhor (ou, pelo menos, maior) orçamento do MC. Pela criação do Fundo Nacional da Cultura. Pela instituição de créditos bancários. Pela efectivação da lei do Mecenato. E, acima de tudo, por mais qualidade e competitividade. É que o mercado, o verdadeiro mercado, é o mundo…

Cobrança

O amigo Dimas anda a cobrar-me mais textos poéticos. Pessoalmente, não me atrevo a entrar num onda em que o compromisso será entregar um livro por ano ao editor. Faltam-me o engenho e a arte para tal. Tenho um Mestrado para terminar, compromissos profissionais assumidos e dois filhos menores. E devo pensar em mim. Vou me amar nestes tempos, como diria Rita Lee. Ademais, tenho umas coisas escritas na alijava, mas deixo-as marinar um bocado, que é para apanharem bem o tempero e o fermento. As palavras são ingredientes com que se fazem os pratos da poesia. Perdoem-me tal metáfora, mas eu sou um gourmet antes de tudo.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Valentine's Day storm

Quincy, Boston, USA

O Passargadeiro, os Blogs on the block e Saint-Valentin


O Passargadeiro

Híbrido, como naquela música de Gilberto Gil, em que o Mestre cantava (…) Micheal Jackson ainda resiste, porque, além de branco, ficou triste (…), o meu compadre se entregava ao solilóquio. Nenhuma luz, nenhuma claridade, na boca do porto. Estava mergulhado “en detrésse”, dilema de muito crioulo. Ser branco ou preto. Ser branco e preto. Ser colorido. Destoado. Monocromaticamente castanho. Magenta. Mais África ou mais Europa. Nem África, nem Europa. Outrora, mandinga, ora, judeu. Estar Macaronésio. Ou, quem sabe, Atlântico. Precisamente, Atlântico-Médio. Com NATO e tudo. Crioulo sooooooofre, porra!


Dondágu ta ziguina na lagoa

Li, no Blog Son di Santiagu, uns versos de Kaká Barbosa e o meu dia ficou mais claro. Mais luzidio. Há poetas que, mesmo coloquiais, conseguem a imagem das nossas lembranças ulteriores. Não consigo descortinar a poesia de Kaká Barbosa sem uma trilha de música ouvida no antanho. Do som. De uma sonaridade, que só a língua materna e matricial nos empresta. Chorar e rir mesmo, já dizia Jô Soares, só na língua da gente. Pena que, entre nós, falte coragem para a oficialização desta sentimentalidade. Que pacóvios! Dondágu ta ziguina na lagoa…que lindos versos!


Debate blogueiro


Às tantas, no debate blogueiro, alguém conhecido pelas intransigências bairristas, fica fiteiro e tomado de nove horas quando se fala contra as hegemonias. Fazer o quê? Isto faz lembrar aquela velha anedota: "O leão, rei dos animais, juntou toda a bicharada e anunciou: - Iremos exterminar os animais que tenham boca grande!- Coitadinho do crocodilo! - comentou o hipopótamo, entrementes".

Saint-Valentin

No Blog, do jornal Le Monde, minha leitura obrigatória, um homem declarou-se assim: Ma princesse, mon amour, mon tout, mon autre moi-même, je t´aime. Tudo dito…

domingo, 11 de fevereiro de 2007

Porque

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem
os outros têm medo mas tu não
Porque os outros são os túmulos
germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Sophia de Mello Breyner Anderson

Solidariedade


Hediondo


O crime hediondo


Acompanhei, pela imprensa nacional e internacional, o caso das italianas assassinadas, na ilha do Sal. Achei correcta a atitude do Governo de Cabo Verde em se posicionar prontamente contra esse crime hediondo, a provocar em todos nós repúdio, revolta e vergonha. Igualmente terá sido oportuna a visita imediata de Victor Fidalgo, Presidente da CVInvestimentos, à Ilha do Sal, para ajudar à análise que a situação impõe. Entretanto, a questão exigiria sociólogos, psicólogos e outros cientistas sociais para um estudo mais complexo e multi-disciplinar de um problema que já se emaranhou na sociedade. Sem pretender estragar o negócio de milhões de euros, mas, pelo contrário, requalificar esse potencial que empresta competitividade ao País, ouso admitir que há coisas, muitas coisas, a serem harmonizadas. Não pode é faltar coragem para tomar as medidas necessárias, a vários níveis, depois (repito) de um estudo sério e crítico. O diagnóstico do impacto social da indústria que vai repondo Cabo Verde no circuito internacional…


Terra de sol, praia e não só


Há muito tempo, lendo um folheto sobre o turismo cabo-verdiano, reparei que, para além do apelo ao sol e praia, o mesmo alegava implicitamente ao turismo sexual. Havia uma menininha, com olhos de quem convida, a exibir seios e nádegas provocantemente bonitos, logo ali no frontispício. “Venha visitar Cabo Verde”, dizia o dístico. A mensagem ali estava mais no não-dito do que no dito e era extremamente preocupante. Esse simples e ensolarado folheto era uma espécie de bomba-relógio, isto é, algo com hora marcada para explodir. Igualmente, um jornalista escrevia sobre o Site Electrónico que convidava estrangeiros a conhecerem Cabo Verde e a “conectarem” com rapazes e raparigas “disponíveis”. O mesmo alertava “Da non perdere assolutamente qualche serata in discoteca per scoprire la sensualita' dei balli capoverdiani”. Em verdade, o “perigo” de há muito que já estava instalado. Se o turismo tem as suas vantagens, ele terá com certeza a sua parte perversa. Hedionda mesmo. Recentemente terá havido um assalto à mão armada a um hotelzinho, silenciado para “não espantar a caça”. Outro jornalista terá sido censurado (sem aspas), pois a ninguém interessava “levantar tal poeira”. Que turismo? A de massa? A do inclusive tour? A da prostituição? Da pedofilia e da droga? E da violência? Temos de pensá-lo criticamente. Haverá gente a esquecer – tanta é euforia do negócio ora instalado – que na face invisível do iceberg reside a maior parte do problema. Tempo, se calhar, para repensarmos o tipo de turismo predatório que sub-repticiamente nos foi imposto pela dinâmica do mercado at-large. O questionamento da nossa clara opção entre sermos objectos ou sujeitos do turismo, que não deixa de ser uma das grandes fontes de receita do País. Vamos, sim, a tempo de escrutinar as coisas e de colocar alguma serenidade numa indústria que, se não controlada, os seus ganhos nunca seriam bem lucros. Pelo menos, para a nossa sociedade…


Pura náusea


Humanamente, o crime ocorrido no Sal dá náusea. A sociedade não pode ser uma espécie de “cria corvos”, incapaz de educar bem os seus jovens e de não os reprimir exemplarmente em casos de lesa dignidade humana. Deixemo-nos de complacências. E muito menos de pretensas histórias passionais a relativizar esse crime. O lugar dos assassinos será, no mínimo, a prisão pesada e longa. Perdoem-me a impiedade, mas estes jovens não passam de monstros a consumir o ar que respiramos. Não representam de modo algum a forma de ser e de estar dos cabo-verdianos. E temos de ter a capacidade e a coragem de os escorraçar. Com ou sem turismo, há gente que nos envergonha e que perfeitamente não deveria existir no meio de nós. Eles não fazem falta. Antes pelo contrário: estão cá a mais…

Com Linda Rondstad


sábado, 10 de fevereiro de 2007

Songs of the Badius


Estou a escrever, a pedido do Mito, um artigo sobre Carlos Alberto (Catcháss) Martins, um dos mais importantes activistas, compositores e intérpretes da música popular cabo-verdiana. Passados muitos anos sobre o seu desaparecimento, ainda hoje Catcháss é relembrado pela sua postura de levar a música do interior da Ilha de Santiago aos centros urbanos de Cabo Verde e do mundo. De repente, os citadinos começam a ouvir e a cultivar o Funaná, o Finaçon e o Batuque. E a apreciar também a Morna e a Coladeira, de uma outra toada. Os arranjos já são mais complexos (com importações do Rock, do Blues e do Jazz) e as notas entram em dissonância (a lembrar os desvios do Samba e da Salsa), tudo, tudo, tudo para revelar a alma de uma parte “silenciada” de Cabo Verde. Agora, lembrei-me do documentário Songs of the Badius, do antropólogo americano Gei Zantzinger . Por isso, a mergulhar na obra de Catcháss, diria que também “ami n teni febri di funaná”…

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

Ah, Catcháss




Guernica

Pablo Picasso

Sirê

Pastor di Kabra dedu bedju
Nariz di sonbra koku matxu
Kanela sima Saitu Lugar

Kô da-m ku lumi mufinesa
Bida, bida, kô pokenta-m
Kô da-m transtornu na nha bida
Ferver di korpu ka ta kenta-m
Da otu boita na bu bida

Ingratu e ka sô mi
Kalor di korpu N ten tanbé
Tenperatura sta normal
Normal, normal... normal

Buru e sima Nhu Ntoni
Ta kunpra boi ta bendi baka
Ku papelon pa ser jornal
Ta lenbi dedu sô si sirê

Sirê e sabi e sabi
E sabi e sabi
Nhu Ntoni
Sirê e sabi e sabi


(de Orlando Pantera)

domingo, 4 de fevereiro de 2007

Orlando Pantera
(Foto: Djinho Barbosa)

Guernicada


Boca no Trombone


Na sua origem, a palavra crónica seria “pôr em ordem cronológica”, ou seja, narrar em ordem do tempo. Heródoto fora um exímio cronista, Pêro Vaz de Caminha do se plantado dá, disse tudo. Machado de Assis e Eugénio Tavares, que “bárbaros”. Dos modernos, leio Woody Allen, Luís Fernando Veríssimo e João Ubaldo Ribeiro. Todos “sinistros”. Entre nós, salvando todas as distancias, Fátima Bettencourt fazia umas notas memoráveis. Mesmo no jornal Horizonte, Manuel Delgado era a marca registada. E eu (Cadê você? Eu vim aqui só para te ver), com o S/Cem Margens, vou botando a boca no trombone. A escrever tudo o que agita a minha mente. De A a Z. De Aterro Sanitário a ZDTI. Passando, naturalmente, pelo G do Gado e mais não digo deste thesaurus. A escrita como respiradouro. Oxigenação necessária. Quando não escrevo, vou à orla do mar e respiro o Atlântico. Uma snifada consequente da maresia. Consolidando amigos e inimigos. Felizmente menos estes do que aqueles. Deus tem…

Crónica

Escrever crónicas é também meditar. Entre a utilidade e a futilidade, em textos que me premeditam e os que me acontecem, vou sendo aprendiz da escrita. Ajoelho-me apenas diante do Verbo, que soubera como génese de tudo. Não me ajoelho diante dos altares, nem face aos venerandos. Curvo-me perante o pôr-do-sol, dou palmas às ondas furibundas e choro de certos luares. Quando estou apaixonado. Sou volúvel face ao Belo. Uma sinfonia invade a fímbria dos meus nervos e mexe comigo cá dentro. E como mexe. Cada pedaço do meu ser ama. Mas não rezo. Nunca em prece. Medito apenas…

O real imaginário

Observar dentro do real todas as possibilidades do fantástico. Conciliar um ao outro é o que tento fazer com o S/Cem Margens. Tentar corresponder ao interesse dos leitores, mas sem grandes concessões. De repente, não farei do Pranchinha um simples pagador do IVA, sem que arranje aquele trinta-e-um sobre a oficialização do Crioulo. Afinal, a vida nasceu ou não, Mário Fonseca? Ou, então, lá porque o Pranchinha, nas suas fraquezas, grama as crónicas de Fátima (a Havardiana), não o alinho aos estudos estratégicos tropicalientes, essa espécie de “único impossível”. Às vezes, é um deus-nos-acuda encontrar realidades, assim com aqueles toques fantasmagóricos de além-mar. A estabilidade do euro, por exemplo, é uma realidade excessiva. Já a paridade do escudo, esse parlapiê da convertibilidade & etc, nos garante uma grande ficção. O sermos periferia europeia ou, no mínimo adjacente, também dava uma crónica louca. Os deslizes do dólar, outro exemplo surrealista, podem induzir a Bagdade em turbulência. A CNN que o diga…

Ressalva

Perdoem-me por esta fase egocêntrica. Deve ser da solidão. Estou a me recompor. O meu psicólogo diz que passa. Se até enxaqueca passa, remata o virtuoso. É uma nuvenzinha passageira isto de se estar em torno ao próprio umbigo, falando ininterruptamente das coisas que nos apanham pela rama. Da próxima vez, hei-de pintar um quadro, já que criar um monumento, mesmo sem ganhar algum, pode bulir com a desordem dos arquitectos. Ou a brocha de certo jornalismo. Uma tela chifruda no visual dos deuses pequenos. Uma “guernicada”, como diria o Pranchinha, exilado nesse além, mas quando aquém, um abusado de primeira apanha. Mas, hoje é dia da caça, amanhã do caçador. Hasta…