segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Pudesse Eu

Pudesse eu não ter laços nem limites
Ó vida de mil faces transbordantes
Para poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes!


Sophia de Mello Breyner Andreson

sábado, 22 de dezembro de 2007

Boas Festas


Mito Elias

Nesta altura do existir


Aprende-se, a duras penas, que a vida continua, mau grado tudo e todos. Naturalmente que, enquanto cá labutamos, será sagrado o nosso direito de espernear, esbracejar e revoltar contra os ditames do destino. Mas nós já somos importantes para a vida. Já afirmava Homero, poeta maior, que " é somente em nós que ocorre o bem e o mal"…

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Faleceu Manuel Delgado

Faleceu Manuel Delgado, o jornalista da prosa fina e cáustica. Domador da sintaxe e da semântica, mesmo quando estas se mostravam indomáveis, Delgado era sim um bravo e um destemido. Dizia de si próprio “cadáver armadilhado”, sempre que os inimigos declarados e aqueles mais velados ousassem alguma ameaça. Tinha o dom de rir dos “imortais” e chamava os nossos burocratas, ainda que encalhados na poltrona do poder, de “deuses da esquina”. Gostei dele, como se quer a um familiar próximo, e com ele aprendi a não seguir fanfarras da tropa fandanga. Gostei dele e, em horas de convívio, líamos os poemas de Alexandre O´Neill. Gostei dele e, em caudalosas discussões, construíamos umas ilhas no lego dos nossos sonhos. É hora, Manuel Delgado. À andaluza…como fora prometido em tempos de estio.

domingo, 9 de dezembro de 2007

Poema

Há uma hora em que nos decompomos
e indefinidamente vagamos
entre rosas de sangue.

Há uma hora em que nos despimos
e ocultamos o rosto
e velejamos pelas bordas do caos.

Há uma hora em que copiamos o sonho
e tecemos loas ao tempo
e nos rendemos exaustos.

Há uma hora em que não é possível
o compasso do corpo
nem o corpo se quer sua memória.

Há uma hora em que morremos
e uma hora em que o poema
se torna uma necessidade inarredável.


Dimas Macedo

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Natal







Fere de leve a frase...



E esquece... Nada



Convém que se repita...



Só em linguagem amorosa agrada



A mesma coisa cem mil vezes dita.






Mário Quintana


















RAP DI PULÍTIKU

Dj´e subi na palanki
dj´e fina si garganta
dj´e fla m´e ta da tanki
ku vos ki ta inkanta

nu konxe ses trofegu
na buska más un votu:
dipos nós é arnegu
fuliadu la pa (di)sgotu

ku djatu ku tabanka
prumesa sima mel
e kre bu karta branka
bu krus riba papel

un bes fladu «djo baka»
fasedu funeral
mas tudu da kalaka
djuntadu ben ku mal

es tudu é dotoradu
na ngana y da-nu badju
ka ten kusa mariadu
k´es ka ta poi na tadju

é santxu la na rotxa
ki foi ses prufesor
bu ta fika na gotxa
si bu ka skodje un kor

pensa é ka bon
ta po-u na konfuzon
es kre-u sima karneru
po ka odja ses eru

es ka kre sidadon
ta toma puzison:
si agrada bo é di-ses
si nau bo é rabés

povinhu la kobon
ta kodje si sinbron
puleru é pa mondon
ki fla m´e sta na don

mas el go xatiadu si
ku votu e ta durba-l
s´e pensa m´e ka si
manhan e ta purba-l

un bes tinha so pai
dipos ben dios pai mai
es tudu dja es kai
p´es sabe m´es ka rai

gobernu é di povu
ki dja ten liberdadi
na kanpu y na sidadi
si vos é más ki fogu

nhos obi nhos matuta
pulítikus di nha tera
na mei di si labuta
nos povu sa ta spera

JOSÉ LUIZ TAVARES

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Esse siso em cada riso




Na fímbria do tempo

Tomo, com siso, mas não sem riso, essa visão de Cabo Verde que começará no século XIX, quando não mesmo no século XX, sonegando mais de quatrocentos anos da história do povo cabo-verdiano. Não poderemos ir para a aventura do futuro, com a memória comprometida e amordaçada. Nem poderemos ser nós próprios, com essa coisa dissimulada, de diluirmos a nossa componente negra. A aventura crioula, não a de Manuel Ferreira e dos seus admiradores, é de uma ancestralidade que a nossa elite intelectual, por estratégia de classe, recusa a perceber na fímbria do tempo…
Bento, rebento

Encontra-se na capital o amigo Bento Oliveira. Ele expõe a sua criação (plástica) na Reitoria da Universidade de Cabo Verde. Bento Oliveira, que é de Ribeira Grande, ilha de Santo Antão (Sinta 10), faz arte com serenidade e intensidade. Pelo que entendemos dos seus traços, o público praiense irá apreciar, em vários quadrantes, o que Bento Oliveira apresenta nessa mostra. Retiro do Ala Marginal (Blog de Abraão Vicente) um retrato do nosso amigo comum. Bento, rebento de um Cabo Verde novo. Outro…

O vate conseguido

Gostei, uma vez mais, de ler José Luís Tavares, um dos mais talentosos e substantivos da nova poesia cabo-verdiana. O poeta, às tantas, em “o rio quando antilira”, vaza o vate nestes termos:

(…)
Não há, porém, métrica que cinja
a voz de um rio quando suspira nas entranhas
avivando um passado que é cisco na memória.
(…)

Com muito siso e uma dose extra de riso, eis, meus caros, alguém que não derrama seus versos à-toa…

domingo, 2 de dezembro de 2007

Acidente na Sala


Movo a perna esquerda
De mau jeito
E a cabeça do fémur
Atrita
No osso da bacia
Sofro um tranco

E me ouço
Perguntar:
Aconteceu comigo
Ou com meu osso?

E outra pergunta:
Eu sou meu osso?
Ou sou somente a mente
Que a ele não se junta?

E outra:
Se osso não pergunta
Quem pergunta?
Alguém que não é osso
(nem carne)
Em mim habita?
Alguém que nunca ouço
A não ser quando
Em meu corpo
Um osso com outro osso atrita?


Ferreira Gullar

sábado, 1 de dezembro de 2007

Delgado

Mais “Claridade”

Veio e passou “Claridade na Terra da Luz”. Palestras, documentários e feira de livro, no Centro de Arte e Cultura Dragão do Mar. O evento, que exigiria muito mais público para ser brilhante, serviu para tirar algumas ilações, entre as quais:

1ª A de confirmar que a Revista “Claridade”, bem como todo o Movimento Modernista que a produz, é um facto e um feito incontornáveis na Cultura de Cabo Verde;

2ª A de fazer sentido buscar, a montante e a jusante, as matrizes e os matizes da estética e da temática, assim como as convergências e as cumplicidades, dos Claridosos;

3ª E a de testar o “silêncio dos inocentes”, pois estes, vociferantes e “indignados” com a montagem do Simpósio sobre a Claridade na Cidade da Praia, capital de Cabo Verde, aceitaram e legitimaram a sua feitura em Fortaleza, capital do Ceará.

Cientes de estarmos todos bem acordados e bem acesos, sobretudo, mais preocupados com os desafios de Cabo Verde em face da “parceria especial” com a União Europeia, da recente adesão à Organização Mundial do Comércio e do necessário “estatuto diferenciado” junto à Organização dos Estados da África Ocidental, não deixará de ser importante, se não crucial mesmo, que nos olhemos ao espelho.

Delgado


“Ti Manel”, como lhe chamo, sempre conjugando os verbos no presente, é das prosas mais aparadas, enxutas e bem conseguidas do jornalismo cabo-verdiano. Também dele a maior irreverência, não ajoelhando, nem rezando, diante de ninguém. Outra coisa, que lhe cola como sina, é a condição de polémico. Na velha e fina linha de Pedro Cardoso e Jaime Figueiredo, Manuel Delgado tem o dom de atirar pedras no charco. Apanágio de Eça de Queirós e de pouquíssimos, rol em que tem assento Delgado, a clamar o “acordar o porco” (referindo-se à pátria, naturalmente). Alguns jornais da praça, bem como seus profissionais de serviço, são seus detractores confessos. O melhor a fazerem agora é o remake dos “mimos” ao meu confrade. Alguma política – a mais medíocre da parvónia, diga-se –, se calhar incorre à injustiça de o canonizar a esta hora. “Ti Manel” é dos mais bravos da paróquia e ateia fogo ao verbo como se fosse este seu próprio corpo. À “Andaluza”, como quis Mário Sá-Carneiro, desprendido dos limites. A vida é um grande incêndio, meus amigos, e os incensos (tão pouco o bafo dos bovinos e unções da 25ª Hora) não foram aqui chamados…

Como uma Madrigal

Em nada ficou igual o amanhecer. Nem a luz dourada sob os prédios altos do Mucuripe. Nem os vendedores de água de coco anunciam os mesmos pregões. As ondas, incessantes na Praia do Meireles, têm um lambe-lambe diferente com a areia. E as nuvens, que em Fortaleza eram as mais evidentes do planeta, estão agora ambíguas, entre o cúmulo e o nimbo. Parece até que vai chover. Eu também acho que mudei um pouco. “Estou te estranhando, Poeta”, balbucio diante do espelho.