segunda-feira, 31 de julho de 2006

De coração e de oração, com Vadú...

O compositor e intérprete Vadú, um dos expoentes da Geração Pantera, encontra-se gravemente enfermo, na sequência de um atentado à faca no Festival do Tarrafal, neste último fim-de-semana, notícia que nos consternou e revoltou.

Aderimos, como milhares de cabo-verdianos em todo o mundo, à corrente positiva que almeja pronta recuperação do autor de “Preta”.

Estamos, de coração e de oração, com Vadú...

Apesar da escrita, do engenho e da arte

O estado da nação

O estado da nação é bom, se analisado o ponto de partida e a vizinhança decadente, mas ele não permite deitar e rolar. Falta muito, muitíssimo, fazer para que Cabo Verde perca a vulnerabilidade e ganhe desenvolvimento sustentável. É tudo tão contingente! Mesmo as grandes conquistas não estão asseguradas contra a irreversibilidade. E a ilha maior – Santiago –, bem como algumas ilhas, precisa de estruturação mais profunda e radical. A todos os níveis. Não se constrói país em duas velocidades antagónicas, mormente em desaceleração da demanda, do potencial e da força. Ele não nos permite , por exemplo, estar satisfeito com a Praia às escuras, com um porto medíocre e um aeroporto ridículo, para não falarmos da insegurança e do policiamento inibido. Bater palmas com o Plateau esburacado, com as construções clandestinas, a venda caótica nos passeios e a tresanda excrementária dos becos. Assim não. Não, não e não. Há grandes investimentos, ajudas orçamentais e obras. Tudo isso denota dinâmica e, em abono de justiça, damos mérito à governação. Mas há interiores encravados, há ilhas à margem e há gente à míngua, faltando por isso muito, muitíssimo, fazer para que Cabo Verde ganhe a velocidade do cruzeiro neste Atlântico Médio, que a NATO tanto aprecia…

O escrito versus a escrita

O escrito tem de ter escrita, parametrizada no engenho e na arte. Assim, foi instituído o Verbo, no iniciático tempo em que os espíritos pairavam sobre as águas. De então, o ofício, tao sagrado quão profano, que determina ao escriba o seu talião. Não se fala aqui do escritor, pois não se lhe concede mesuras cor-de-rosa. Ora o cronista faz rir, para não fazer chorar. E vice-versa. Ora ele sai dos salamaleques e “poesia só tenho a de pedra e na pedra forjada”. Tomai-o por coerente, entretanto. Mesmo quando viesa a prosa para o pôr-do-sol ou para a romantizada praia dos desgovernados. Ele jamais seria uma opinião alienada, demissionária e colaboracionista, como alguém quis que fosse. Ás vezes, não opina por razões de estratégia. Outras vezes, manda indirectas evitando confrontações estéreis. Mas se a raia chega aos fundamentos, os que norteaim princípios e interesses, desta confraria, aí sim o seu escrito se torna acutilante, fera e guerreiro. Apesar da escrita, do engenho e da arte…

quarta-feira, 19 de julho de 2006

A cabeçada do Zidane



Praia de Santa Maria de Esperança

Vejo a Praia de Santa Maria de Esperança e sei que amanhã será outro dia. A mudança terá de ser interior, antes de ganhar a dinâmica de um arquétipo diferente. Platão, de túnica branca, fora à Acrópole suscitar Diálogos. Fora um momento de luz. Milénios depois, esses mortais estão na caverna da Razão. No café, à lânguida esplanada onde a bizantinice reina e os reformados impõem a razão por gritaria, fala-se da cabeçada do Zidane, do recorrente clima de kásu bódi, dos Direitos Humanos, dos claridosos, dos caridosos e dos mendicantes. Cada cidade tem a acrópole que merece, menos Praia que merecia uma opinião pública mais acesa, acutilante e consequente. Os sequestrados do Plateau ficam ali à roda e à sucessão dos dias, esperando que a areia flua da clepsidra. E o pessoal discute os apagões da Electra com atrevida impotência. Pessoalmente, já nem falo mais da Electra, não para evitar susceptibilidades diplomáticas e disparates afins, nem a medo de bilhetinhos ameaçadores, mas porque deixou de interessar. Os apagões continuam, com a falta de água de permeio, e esta é uma afronta quase colonial. Mas continuamos com a nossa luz interior. E a balbuciar a música de Chico Buarque de Hollanda: “Apesar de você, amanhã há de ser outro dia”…

Quando as palavras se impõem

Perdoem-me se vos habituei mal, com largas mesuras de cavalheiro e algum hilariante rasgo de permeio. O Pranchinha, meu defeituoso alter-ego, depois de vida tão severina, me deixara em sábias e testamentárias lições quais retornar à pedra, como escrevera o Poeta Mário Fonseca, fosse o mais ontológico da minha narrativa. Doravante, deixarei de adjectivar e serei todo mineral perante a iniquidade. Perdoem-me, de coração. Poderia, vez por outra, guardar as margens: nesta idade não importa ganhar todas as batalhas. Poderia até, diante dos valores mais altos, ficar pelo grito do meu silêncio, que das minhas atitudes seria o mais letal. Todavia, há palavras que se impõem. Rompem a barragem e se afirmam sem margens no açougue das águas. Diante dos altares, fico mais aceso do que as velas e não me ajoelho perante a grandeza. Tão frágeis as grandezas que se decompõem amiúde à minha fé de grão de areia. Não vejo por que as letras, mesmo as mais belas, tenham de recusar o quotidiano, nem razões para que o cronista se esconda sob a máscara de um enorme Carnaval. Aparelhar as palavras e dispô-las em crítica é uma profissão de risco, que eu sei. Exige, para lá do engenho e da arte, uma aventurosa força de vontade perante a realidade. Por conseguinte, este cronista nunca seria aqui um homem de resguardos…

Nós e os grandes arquitectos

Acarinhar a excelência não tem sido apanágio da nossa gente. Cesária Évora é rainha em todo o mundo, menos entre nós, onde a excelência e o sucesso se acanham. No café, à lânguida esplanada, os homens maiúsculos são desmerecidos, para o gáudio dos medíocres. A inveja é a terapia dos desgraçados. Desgraçadamente, com perdão pela redundância. Teríamos tido a oportunidade de um traçado de Óscar Niemayer aí no conjunto da Biblioteca Nacional e perdemo-lo desgraçadamente. Teríamos tido a oportunidade de acoplar à antiga Capitania dos Portos do Mindelo um aquário projectado por Peter Chermaieff e deixamo-lo morrer ainda em maqueta. Também desgraçadamente. Teríamos tido a oportunidade de um projecto assinado por Siza Vieira aí no vale da Cidade Velha e, desgraçadamente, fizemo-lo ofuscar por outras práticas. Trago estes exemplos apenas e tão-só para nos recordarem dos dias que correrem impunemente para o mar. Enfim, coisas e loisas, de um país que ainda não se libertou de todos os seus pesadelos e continua em défice de homenagear um dos seus artistas maiores: o pianista cabo-verdiano-americano Horace Silver. Arquitecto imprescindível do jazz contemporâneo.

N ta mora li

Talvez coubesse dizer que Abraão Vicente, cujo programa televisivo ainda não superou a nossa expectativa, arranhou mesmo a sério algum status quo. Mal proferiu a merecida frase e, abre-te Sésamo, os animais saíram da toca. Furiosos, furiosíssimos. O Carmo e a Trindade, mais a ira do instalado, vociferam pela cabeça do jovem artista. Obviamente que há um pensamento estruturado para a Arte, inclusive a plástica, mas , em strictu sensu, Vicente terá acertado na mosca. Grande cabeçada de Zidane. Um dos sintomas desse hiato, é o corporativismo exagerado de certos barões que se acham imunes à crítica. Hora de molhar as bases desse castelo só de areia. Fui…

Bónus track

Ataque israelita ao Líbano: meia centena de civís mortos. Permitam-me a licença de vomitar. Não tenho estomâgo...

terça-feira, 4 de julho de 2006

Zero Ground em lhana manhã de Julho





História, com Poesia

O país faz anos (31 bem contados) e o mote da crónica é esta efeméride, a maior (e a melhor) do processo histórico de Cabo Verde. A Independência Nacional é o momento zero no chão da República. É mais do que isso: um país que desponta para o mundo, com passos seguros e notórios. Os aspectos exaltantes ultrapassam de longe os pontos críticos. Pessoalmente, orgulho-me deste país e, na próxima encarnação (se a dita existir), quero voltar cabo-verdiano. Regozijo-me com o desempenho global do país e com a tangibilidade da malha nacional até à diáspora. Faz-se História, com Poesia. Permitam-me que eu dê uma salva de palmas a Cabo Verde. A minha última ovação fora a um pôr-do-sol em Fortaleza. Na velha Ponte dos Ingleses…

Independência às escuras

O aniversário da Independência Nacional é comemorado às escuras. A meretriz uma vez mais nos prega partidas e nos ludibria com técnicas à mistura. Caso para dizer que ela não está “tecnicamente” em condições de permanecer. Há um rol de anos, o Pranchinha vivíssimo da silva questionara o negócio da China que entregava a água e a energia ao bandido. O lúcido já vira dar muito ouro ao bandido, mas água e luz era mesmo coisa inédita. E fazendo jus ao bizarro, a monopolista revelou-se o mais formidável caso de incompetência, abuso e burrice de que se tem notícia. Obviamente que falo da magnífica, mas desavergonhada Electra, cujos poderes ocultos ninguém ousa pôr em causa. Mal a crítica se aponta, saem os cães de fila em defesa do dono e o afoito se encolhe, não vá o diabo tecê-las. A pedir medidas terminais, a Electra entra-nos nesta lhana, manhã de Julho, como diria o Poeta Osvaldo Osório, em sua máxima sabotagem. Caso para gritar, a despeito de incomodar os senhores da praça: Viva Cabo Verde, abaixo a Electra…

Breu, lixo e kásu bodi

Não se pretende agora estragar a festa, nem ser aqui desmancha-prazeres, mas este ano prefiro ficar em casa, alheio a qualquer forma de procissão. Este amuo não tem a ver com o Plateau esburacado e descaracterizado, para o gáudio de muito bairrista de serviço. Tão-pouco tal resistência pretende boicotar algo. A emenda e o soneto se merecem. Quem sou eu afinal? Apenas um temente de Deus – não dos pequenos deuses de esquina, note-se –, mas que não se ajoelha em nenhum altar. Ou tão-só um indignado do breu, lixo e kásu bodi…

Nota aos colegas jornalistas

Achei desproporcionada a reacção dos jornalistas (não de todos, por sinal) às declarações do arquitecto Frederico Hoppfer Almada. Naturalmente que o termo “expulsão” não foi elegante, mormente vindo de um político. Ímpetos de linguagem, quem sabe. Entretanto, não houve entre a classe a apreciação do contexto e do conteúdo dessas declarações. Pelo que se depreende o cavalheiro não pôs em causa a liberdade de informação dos jornalistas, mas sim o desempenho deficitário dos mesmos. Não sei se houve de facto casos de incompetência, pois me faltam dados para ajuizar. Mas se a incompetência for confirmada, manifesta e recorrente, nada mais legítimo do que a sua contestação, em defesa de uma melhor informação e comunicação social. Sem dramas, nem politiquices. Os padrões de qualidade devem ser exigidos a todos. É a condição do mercado, caros amigos. Ademais, ninguém deve estar acima do crivo crítico. Com elegância…naturalmente!