sábado, 18 de agosto de 2007

O bilinguismo nosso de cada dia


0.

Não apenas a missa, mas a Biblia devia vir em crioulo. Igualmente, a intervenção no Parlamento e a propria Constituição Nacional reclamam uma versão em língua cabo-verdiana. Quanto mais, o anuncio nos voos da TACV, depois do inglês, do francês e do português. Para não falar dos hospitais, dos tribunais e das escolas primárias. Disse "escolas"? Agora, com a reentrada do ano escolar, eis um debate a ter: a língua cabo-verdiana. Ou, com mais propriedade: o bilinguismo nosso de cada dia...

1.

Fernando Pessoa dizia, em toda a grandeza, "a minha pátria é a língua portuguesa". Direi, ja sem originalidade, nem aspas, mas com a mesma grandeza, que a a minha pátria é a língua cabo-verdiana. A língua portuguesa, que amo muito e me da relativa ressonancia, é a minha segunda natureza. A minha natureza uterina e primordial é crioula. Em consequência, e por muito mais, defendo a oficialização do crioulo.

2.

A língua, por ser muito importante, tem de ser também encarada como uma questão política da primeira grandeza. Por isso, o Estado não se deve demitir da sua função constitucional de desenvolver a língua cabo-verdiana, em prol da construção progressiva de um real bilinguismo. A Constituiçao Nacional afirma, como ditame até, que deverão ser criadas as condições para a a língua cabo-verdiana seja oficializada, em paridade com a língua portuguesa. Como sexta língua mais falada no mundo [210 milhões], o português não é apenas um valor cultural inestimavel, mas um recurso estratégico fundamental para o desenvolvimento e a inserção no mundo globalizado.

3.
O chinês é a língua mais falada do mundo [850 milhões], enquanto língua materna. O inglês é a língua mais falada, mas como segunda língua e não como língua materna. Em segundo lugar está o hindi [400 milhões], em terceiro o espanhol [390 milhões] e só em quarto lugar é que aparece a língua inglesa [354 milhões]. Em quinto lugar está o árabe [272 milhões] e em sexto a língua portuguesa. Dominar o português significa estar bem posicionado na geopolítica da língua. E não so...

4.
Haverá uma elite, a qual não se deve levar tão a sério, que se reproduz à roda da mais vil alienação e que encara o crioulo como o grande mal ao mundo. Para esta elitezinha, sem causa, nem consequência, é de somenos importancia que o crioulo seja realmente a língua do quotidiano cabo-verdiano e o elemento matricial da identidade nacional. Aliás, parasitária e medíocre, a descaracterização da caboverdianidade tornou-se a grande chance.

5.

Quanto à fala, estamos conversados. Nada de falácias, meus senhores. Cada um fala como fala, em sua região ou ilha. Não se impõe fala a ninguém. O que se pretende convergir, unificar e padronizar, em termos gramaticais e sistémicos, é a escrita. Com ou sem kapa, no fonologico ou no etimologico, à esquerda ou à direita, aos badius e aos sampadjudos, impõe-se-nos a todos esta defesa, valorização e desenvolvimento da língua materna cabo-verdiana e incentivar o seu uso na comunicação escrita.

6.
E o debate está lançado. Todos com direito à palavra. E, sobretudo, à lingua. Ao bilinguismo. Para mim, dizer o que penso é fundamental. É um acto tão natural como respirar – e não concebo que seja de outra forma. Esta liberdade às vezes não cai bem na Tapadinha. Num país com uma sociedade civil subsidiária directa ou indirectamente do Estado, onde todos se conhecem e se encontram no quotidiano, a independência de espírito vê-se condicionada pela desdita de tal elitezinha. Arre...



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