sábado, 27 de novembro de 2004

Allégeance

Dans les rues de la ville il y a mon amour. Peu importe où il va dans le temps divisé. Il n'est plus mon amour, chacun peut lui parler. Il ne se souvient plus; qui au juste l'aima?Il cherche son pareil dans le voeu des regards. L'espace qu'il parcourt est ma fidélité. Il dessine l'espoir et léger l'éconduit. Il est prépondérant sans qu'il y prenne part.Je vis au fond de lui comme une épave heureuse. A son insu, ma solitude est son trésor. Dans le grand méridien où s'inscrit son essor, ma liberté le creuse.Dans les rues de la ville il y a mon amour. Peu importe où il va dans le temps divisé. Il n'est plus mon amour, chacun peut lui parler. Il ne se souvient plus; qui au juste l'aima et l'éclaire de loin pour qu'il ne tombe pas?

René Char, Eloge d'une soupçonnée

Dá a surpresa de ser

Fernando Pessoa


Dá a surpresa de ser.
É alta, de um louro escuro.
Faz bem só pensar em ver
Seu corpo meio maduro.
Seus seios altos parecem
(Se ela tivesse deitada)
Dois montinhos que amanhecem
Sem Ter que haver madrugada.
E a mão do seu braço branco
Assenta em palmo espalhado
Sobre a saliência do flanco
Do seu relevo tapado.
Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ó fome, quando é que eu como ?

Dá a surpresa de ser

Fernando Pessoa


Dá a surpresa de ser.
É alta, de um louro escuro.
Faz bem só pensar em ver
Seu corpo meio maduro.
Seus seios altos parecem
(Se ela tivesse deitada)
Dois montinhos que amanhecem
Sem Ter que haver madrugada.
E a mão do seu braço branco
Assenta em palmo espalhado
Sobre a saliência do flanco
Do seu relevo tapado.
Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ó fome, quando é que eu como ?

sábado, 20 de novembro de 2004

Guardanapos de Papel

Leo Masliah


Na minha cidade tem poetas, poetas
Que chegam sem tambores nem trombetas, trombetas
E sempre aparecem quando menos aguardados, guardados
Entre livros e sapatos, em baús empoeirados
Saem de recônditos lugares, nos ares, nos ares
Onde vivem com seus pares, seus pares
Seus pares e convivem com fantasmas
Multicores de cores, de cores
Que te pintam as olheiras
E te pedem que não chores
Suas ilusões são repartidas, partidas
Partidas entre mortos e feridas, feridas
Feridas mas resistem com palavras
Confundidas, fundidas, fundidas
Ao seu triste passo lento
Pelas ruas e avenidas
Não desejam glórias nem medalhas
Medalhas, medalhas, se contentam
Com migalhas, migalhas, migalhas
De canções e brincadeiras com seus
Versos, dispersos, dispersos
Obecados pela busca de tesouros submersos
Fazem quatrocentos mil projetos
Projetos, projetos, que jamais são
Alcançados, cansados, cansado nada disso
Importa enquanto eles escrevem, escrevem
Escrevem o que sabem que não sabem
E o que dizem que não devem
Andam pelas ruas os poetas, poetas, poetas
Como se fossem cometas, cometas, cometas
Num estranho céu de estrelas idiotas
E outras e outras
Cujo brilho sem barulho
Veste suas caudas tortas
Na minha cidade tem canetas, canetas, canetas
Esvaindo-se em milhares, milhares, milhares
De palavras retorcendo-se confusas, confusas
confusas, em delgados guardanapos
Feito moscas inconclusas
Andam pelas ruas escrevendo e vendo e vendo
Que eles vêem nos vão dizendo, dizendo
E sendo eles poetas de verdade
Enquanto espiam e piram e piram
Não se cansam de falar
Do que eles juram que não viram
Olham para o céu esses poetas, poetas, poetas
Como se fossem lunetas, lunetas, lunáticas
Lançadas ao espaço e o mundo inteiro
Inteiro, inteiro, fossem vendo pra
Depois voltar pro Rio de Janeiro

Bissexto

Já começa o Natal em força

“Solidariedade natalícia na Praia” é o lema com que a Associação Juvenil João Paulo II pretende realizar o Projecto Tenda de Natal – VI 2004. Mais de 500 pessoas, entre crianças e idosos, serão beneficiárias da recolha de fundos e prendas na Praça Alexandre Albuquerque. O Projecto tem como madrinha a Dra. Judith Lima e Família e conta com a parceria de várias instituições, associações e individualidades, segundo a Inforpress. A ACRIDES também promove um leilão do quadro Si crê bu xinta na pilon, do artista plástico Mito, ainda no âmbito da exposição Timenti Lua Ka Subi, no Palácio da Cultura. O objectivo do leilão é melhorar as condições habitacionais de Admilson Carvalho, uma criança vulnerável de 4 anos de idade, com acentuados problemas de diabetes. Um Natal diferente para Admilson…

No Blog de JPP

(…) Nuvens em Marte, nuvens em Urano. Em Marte, puff...Em Urano, sim Urano, também lá está nos céus, uma tempestade no hemisfério norte, move-se sobre o azul perfeito (…)

Papel amarrotado na rua

(…) Vê-se que estava entristecido à beira da tarde. Como se tivesse descoberto o desencanto e, de repente, não mais que de repente – e com perdão pelo intertexto –, lhe caísse sobre a cabeça o céu. E afinal tudo, de cabo a rabo, fosse uma nuvenzinha a passar. Via-se-lhe silencioso (ou seria, silenciado?) no vagar das horas e tu, pelo amor de Deus, homem! Desentendias esse não sorrir diante do azul e, francamente, pagavas para ver a sua euforia pela chuva dos dias. Exilado de ti próprio, passavas as horas a ver-lhe o mutismo até que um dia, pronto, tudo foi memória (…)

Da espuma dos dias

(…) Apanhas um barco e ficas a olhar para a cidade a afastar-se e compreendes por que é que as raparigas sozinhas usam piercings e os homens te surgem tão touros. É por causa do rio e das ondas – da brutalidade quase mar das ondas que o barco subleva. A cidade a afastar-se muito mas não tens medo, não faz mal, tu sabes que és só – na cidade que deixas como na que reencontras agora, vinda do rio quase mar. E há um homem que te fala da esperança que lhe tiraram – e de como uma musa far-lhe-ia toda a diferença (…)

Pela cidade

Sou um crítico bissexto. Costumo passar um longo período a escrever estados da alma. Mas, de quando em quando, vou à rua nesta cidade. Vejo uma série de propagandas político-partidárias, remanescente de campanhas eleitorais, nas paredes (públicas e privadas, note-se). Cada frase, apoeticamente silabada a cada cem metros da urbe. Ora, pela estética que nos une, é tempo de apagarmos tamanha fealdade. No dia-a-dia, queremos viver com a arte e não com a anti-arte. Qualidade de vida também tem a ver com a comunicação estética. De resto, vamos divulgar as coisas que achamos mais integradoras para o nosso quotidiano. Queremos ver murais pintados, esculturas, poemas colados nas avenidas. Dançarinos nas calçadas. Declamadores no meio da praça. Toda a cidade que se preza – e a Praia tem dimensão da verdade – deve dar o máximo de si em cada espaço, embelezar cada muro esquecido e fazer plástica nos becos sem saída. Que tal Graffiti? É arte e vale a pena experimentar, ó juventude…

Meu Coração


Emílio Moura

Penso agora nos mortos que não têm nome,
nos vivos que não têm nome;
penso agora naqueles que vieram cedo demais e se cansaram,
e naqueles que chegaram depois que todas as portas já estavam fechadas.
Penso agora na sede do homem desesperado que se deixou ficar no deserto,
penso agora nos que lutaram inutilmente por caminhos que não levam a nada;
nos que se calaram, porque compreenderam,
e nos que disseram todas as palavras
e não foram compreendidos...
Por que foi que, de repente, todas as vidas se somaram
para me envolverem neste momento?
Meu coração se multiplica: agora,
é apenas meu coração
que está palpitando no mundo.

(Canto da Hora Amarga, BH, 1936)

sexta-feira, 12 de novembro de 2004

Festa da Juventude Graciosa

A Festa da Juventude Graciosa promove neste fim-de-semana um festival de música na Praia do Mangue, a fim de encerrar as actividades sócio-culturais que desde o mês passado têm movimentado o Tarrafal. Milhares de amantes da música, jornalistas e artistas convergem à Vila do Mangue para apreciarem vários géneros da música popular cabo-verdiana. Uns, falam da necessidade de uma «nova largada» para o concelho; outros, exigem uma atenção especial para uma localidade com potencialidades excepcionais. Todos concordam que é preciso colocar Tarrafal no mapa.

A programação do festival ainda não está fechada, mas está confirmada a participação de Biús, Cordas de Sol, Antero Simas e Banda Aliada, Codé di Dona, OBA, Isa Pereira e Banda, Albertino e outros artistas consagrados da música cabo-verdiana. Palestras, debates, feira e lançamento de livros, recital de poesia, torneio de futebol, sessão de filmes, batuque, capoeira, passagem de modelos e até um passeio ecológico à Praia do Medronho fizeram as outras edições do certame que, durante um mês e meio, agitaram as águas no Tarrafal.

Entre as figuras convidadas a participar na Festa, destacaram-se o historiador António Correia e Silva, os poetas José Luís Tavares e Mário Fonseca e os músicos Princesito e Vadú.

A Festa da Juventude Graciosa tem por objectivo colocar Tarrafal no roteiro cultural de Cabo Verde e chamar a atenção das forças vivas e dos parceiros para as potencialidades desse concelho. Entre os grandes parceiros estão o Governo, a Biblioteca Nacional, a CCS-Sida e algumas empresas públicas e privadas. Iniciativa da sociedade civil tarrafalense com o apoio dos amigos do Tarrafal, a Festa da Juventude Graciosa pretende ser um certame anual. Todos os meses de Outubro. Para que Tarrafal entre no mapa. Do desenvolvimento…

segunda-feira, 8 de novembro de 2004

“Timenti Lua Ka Subi” no Palácio da Cultura

PARTIR da próxima segunda-feira, o artista plástico Mito realiza uma exposição no Palácio da Cultura, na Praia, sob o título “Timenti Lua Ka Subi”. São telas da mais recente produção do artista, no formato 70x100 cm, em técnica mista. A última vez que Mito apresentou os seus quadros na Praia foi em Junho de 2003, na Biblioteca Nacional e na Câmara Municipal. Tratava-se da exposição “A Blue Note 4 HS”, inspirada no pianista norte-americano de origem cabo-verdiana Horace Silver. Residente em Lisboa desde os anos 80, o artista praiense tem exposto os seus trabalhos em várias cidades portuguesas. Reproduções de obras suas e mais informações sobre o seu trabalho encontram-se no site www.tanboru.org/mito A abertura da exposição, que poderá ser visitada por duas semanas no Palácio da Cultura, está marcada para o dia 8 às 18h30.

quinta-feira, 4 de novembro de 2004

Do Inquieto Oceano da Multidão

Walt Whitman

Do inquieto oceano da multidão
veio a mim uma gota gentilmente
suspirando:

- Eu te amo, há longo tempo
fiz uma extensa caminhada apenas
para te olhar, tocar-te,
pois não podia morrer
sem te olhar uma vez antes,
com o meu temor de perder-te depois.

- Agora nos encontramos e olhamos,
estamos salvos,
retorne em paz ao oceano, meu amor,
também sou parte do oceano, meu amor,
não estamos assim tão separados,
olhe a imensa curvatura,
a coesão de tudo tão perfeito!
Quanto a mim e a você,
separa-nos o mar irresistível
levando-nos algum tempo afastados,
embora não possa afastar-nos sempre:
não fique impaciente - um breve espaço –
e fique certa de que eu saúdo o ar,
a terra e o oceano,
todos os dias ao pôr-do-sol
por sua amada causa, meu amor.

quarta-feira, 3 de novembro de 2004

Manuel Veiga dá estampa a mais um livro

Manuel Veiga, ministro da Cultura, acaba de dar estampa ao seu último livro, intitulado «A Construção do Bilinguismo» e editado sob a chancela do Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro. O lançamento, nesta quarta-feira, tem lugar na Biblioteca Nacional e está a cargo da socióloga Paula Moeda e do antropólogo Emanuel Brito Semedo, director executivo do Instituto Internacional da Língua Portuguesa.

Na cerimónia do lançamento, prevê-se um recital de poesia, com a participação de Mito, Kaká Barbosa e Antonieta Lopes, além da performance musical do Grupo Batuquinhas, da PBS Productions.

Manuel Veiga é um dos acérrimos defensores da oficialização da língua cabo-verdiana. Na revisão constitucional de 1999, a proposta de reconhecimento do crioulo como língua oficial em construção, em paridade com o português, foi chumbada, mas o novo ministro da Cultura já anunciou re-criar as condições para a sua oficialização. A sua aposta na afirmação e na valorização da língua crioula já lhe valeu o reconhecimento do Presidente da República que o condecorou no ano passado com a Grande Medalha de Mérito.
«Diskrison strutural di língua kabuverdianu», «Odju d´agu», «A Sementeira», «O Crioulo de Cabo Verde: introdução à gramática», «Dicionário elementar crioulo/ português», «O Cabo-verdiano em 45 Lições» e a tese «Le criole du Cap-Vert – Etude grammaticale descriptive et contrastive» são as obras que este estudioso já publicou.

Veiga nasceu no concelho de Santa Catarina, ilha de Santiago, a 27 de Março de 1948. Fez estudos primários na Vila de Assomada, hoje cidade, e mais tarde continuou os seus estudos no Seminário de São José, na Praia. Fez o doutoramento em Linguística, mas antes licenciou-se na mesma área pela Universidade de Aix-en-Provence, em França. Membro do Capeverdean Creole Institute, com sede nos EUA, e um dos criadores do ALUPEK (alfabeto unificado para a escrita do cabo-verdiano), instrumento essencial de padronização da língua cabo-verdiana, o ministro da Cultura mostra com esta nova obra a sua visão sobre o bilinguismo cabo-verdiano.