quarta-feira, 15 de junho de 2005

Coisas e Causas

Aeroporto da Praia

Pediram-me, de joelhos, que (não) escrevesse sobre o Aeroporto da Praia. Para uns, Novo Aeroporto da Praia (NAP, de feia sigla). Para outros, Aeroporto Internacional da Praia (AIP, sem comentários). É que depois de muito (não) dito, estava assente que o Aeroporto da Praia seria inaugurado a 4 de Julho de 2005, data emblemática para se inaugurar qualquer coisa, mormente algo assaz importante (não apenas para a Praia, mas para o país todo). Só que de repente, não mais do que de repente, estará alguém a dizer que talvez não. Faltam alguns requisitos técnicos, entendem? Procedimentos a ultimar, sabem como são essas coisas. Documentos em língua inglesa, por exemplo. O parque automóvel, imaginem só. Os tais constrangimentos, pelo que se pede a santa (santíssima, diga-se de passagem) paciência dos cabo-verdianos, em geral, e dos praienses, em particular. À pergunta, o que tem a ver a inauguração (acto simbólico) com a abertura ao tráfego (acto de gestão), ninguém responde. Em verdade, sem querer pressionar além do normal e do razoável, começa a passar do tempo para se inaugurar o Aeroporto da Praia. Para uns, Novo Aeroporto da Praia (NAP, de feia sigla). Para outros, Aeroporto Internacional da Praia (AIP, sem comentários). Por uma questão de causa. Quando não...de consequência!

Porto da Praia

Leio, com regozijo, que se prevê um grande desenvolvimento do Porto da Praia, de longe o mais movimentado e rentável do país. No quadro do Millenniun Challenge Account (MCA), fundo americano para alavancar o desenvolvimento dos países considerados da boa governança, dos Direitos Humanos e da economia aberta. O facto de Cabo Verde ter ganho o MCA prova, no mínimo, mérito e credibilidade. Cabo Verde vai dispor, nos próximos três anos, de 117,8 milhões de dólares. Mas dizia (com orgulho, verdade seja dita) que, em boa hora, se resolveu investir pesado no Porto da Praia. Fazer dele um dos portos mais apetrechados, seguros e competitivos da África Ocidental é uma decisão estratégica, a merecer o aplauso de todos. Bem, de todos nem por isso, já que o ratio do descontentamento é higiénico em democracia. Temos de ter, e de potenciar, uma opinião pública crítica capaz de analisar os grandes investimentos à luz dos custos/benefícios e das oportunidades multiplicadoras do desenvolvimento. É que a lucidez crítica, além de também higiénica, acabará por ser um grande factor do desenvolvimento...

Turismo e Cultura

Um grande fórum sobre o Turismo tem lugar no Mindelo, nos dias 17 e 18 de Junho. O II Encontro Internacional de Turismo, se não me engano, a envolver a Associação Nacional dos Municípios de Cabo Verde (ANMCV) e a União Nacional dos Operadores Turísticos (UNOTUR). Os painéis cobrem temas interessantes, diria mesmo fundamentais, como formação, transportes, marketing e financiamento. Só que nesta hora de se questionar - Que futuro para o turismo de Cabo Verde? -, importaria trazer para a ordem do dia a questão da Cultura. O Ambiente e a Cultura são hoje elementos essenciais em quaisquer debates de fundo sobre o Turismo. Temas como a bio-diversidade, a diversidade cultural, o eco-turismo e o turismo cultural, deviam ser transversais e permanentes nos fora de tamanha magnitude. Entretanto, saindo um tanto do cenário, numa praia da ilha do Sal um oeste-africano vende a um europeu um jacarézinho como Souvenir du Cap-Vert e, noutra aldeia, em Boa Vista um brasileiro apresenta uma rede índia como Made in Cape Verde. Pode? Isso, para não falar da Cidade Velha, da Cidade de São Filipe, do Ex Campo de Concentração do Tarrafal, das Salinas do Sal, do Maio e da Boa Vista, do Mindelo do Tempo d´Canequinha, enfim...valores fundamentais e de sustentabilidade.

quarta-feira, 8 de junho de 2005

As cidades e os versos

Gás lacrimogéneo

Nessa altura, a cidade cheirava a laranja azeda. Talvez não seja curial, nem romântico, falar desse cheiro nauseabundo que, pressentido assim à distância, sempre dá alguma saudade. De qualquer forma, eram tempos mais heróicos de que hoje e os amigos - tão diferentes outrora!, carregavam em simples gestos a dimensão da aurora. Mas não pretendo aqui falar do perfume daqueles dias sobressaltados, às vezes, de prisões na calada da noite, outras vezes, de amigos evadidos. Nessa infância (sim, porque tive aquela entre tantas outras), eu gostava muito dos versos de Ovídio Martins que os meus pais, insidiosos no educar com a necessária subversão, declamavam à mesa:

Mordaças a um poeta? Impossível!

Seria esta uma excelente ocasião para homenagear o grande poeta da resistência cabo-verdiana. É que a história não se compadece com o esquecimento. E a memória é, no mínimo, um acto de justiça. Acto de justiça. Nessa altura, nós estávamos sob bloqueios e só os homens maiúsculos ousavam ser poetas. Tempos depois, soube que a laranja azeda, pressentida numa manifestação em Belo Horizonte, era o cheiro de gás lacrimogéneo. E, ainda que soe paradoxal, sempre deu alguma saudade...

Fenway Blues

Soubeste dos tempos de Fenway Blues, do imenso parque vis-a-vis Queenbury Street. Os amigos ensaiavam na sala e queriam ser, à força e a eito, um quarteto a tocar no Wally´s . O Ney nos seus intermináveis acordes de Charlie Parker. O nosso apartamento era o Birdland. Quando cheguei a Boston, não tinha sobre a cidade uma opinião propriamente simpática. Só mais tarde, depois de a deambular de fio a pavio, é que me aquiesci de que ali estava a minha segunda cidade. A primeira era – e continua a ser - a Praia. Não por ser a mais limpa, nem a mais bonita. Apenas por ser, nas cem razões do amor, a mais querida. A mais limpa, parecia-me Genebra que conhecera num memorável Natal, e a mais bonita, me perdoem as outras, era Rio de Janeiro que amedrontava ao mesmo tempo que encantava. Mas Boston, dizia-vos, era uma cidade demorada de se amar. Ela deixava-se envolver, a princípio, puritana e austera, depois, comedida e mais solta, e, finalmente, alegremente culta. Por isso, fiz nascer os meus dois filhos – big boys, indeed – nessa cidade: o Denzel, em St Margareth Hospital, e o Pablo, em Beth Israel Hospital. De repente, estou na beirada do Charles River. Para ser mais preciso, do lado de Cambridge, onde a cidade de Boston parece de um dourado singular dos fins da tarde. Canoas a remo e pequenos veleiros passam por mim. E tu, se tanto, ficas agora mais aninhada no meu pensamento. Birdland, não me faças rir. Digo-te Birdland, neste vagar das ondas, como se declamasse os versos de T.S. Eliot:

Não sei muito acerca dos deuses
Mas creio que o rio é um deus castanho...


Livros destes últimos dias

O livro 1421: O Ano em que a China Descobriu o Mundo, de Gavin Manzies, diz que uma grande armada chinesa, constituída por 300 navios e 30 mil homens, partira do Porto de Tanggu, a 5 de Março de 1421 e descobriram as Américas e a África Ocidental, inclusive Cabo Verde, antes dos portugueses. Segundo esse autor, em Santo Antão, há uma pedra de estrutura octagonal, datado de 1421, com caracteres hieroglíficos chineses. Baseando em antigas cartas náuticas e em datas astronómicas, bem como nos despojos de navios nas ilhas atlânticas, ele defende que foram os chineses os primeiros a atingir a Cabo Verde, nessa primeira viagem completa à volta do mundo. Não comento certas “verdades” que desconheço, repto para os historiadores claro está, mas recomendo a leitura, quanto mais não seja ficcional, da obra. E por falar nisso...Não sou um fanático pela Teoria da Conspiração, mas o livro O Código de Da Vinci, de Dan Brown, proporcionou-me uma interessante leitura. Um jogo de chaves escondidas, revelações surpreendentes, enigmas complicados, realidades e fantasias históricas, tudo narrado a um ritmo que leva o leitor ao enigma mais fechado da nossa era. Li-o com prazer e curiosidade...

Hermético

Hermético, quem sabe, se influenciado pelas leituras acima descritas. Deixo-vos a chave dos meus enigmas, que os tenho por dever e direito. Há dias estava feliz por ter visto um passarinho verde e parece que um deus castanho não gostou. Do volante do seu jeep, tentou uma, duas e três voltas, a ver se Alonjo Quijano esquecia a sua Dulcineia. Mas quixotesco da silva, já velho demais para saber tanto acerca desses deuses. Enfim, tudo em horas de conhecer alguém, numa casa não se sabe de quem. Ela olha-o de modo tão uterino que outra melodia aquele encontro não poderia ter tido. E dito isto, meus caros, passem o pudor e a prudência, as mesuras todas da escrita e o que mais queiram, a história vos fica neste ponto final.