quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Ruy Duarte de Carvalho (*) lembra João Vário




..... morreu ontem, no Mindelo, o João Vário, o cientista Varela, que era como a gente se referia a ele nesse tempo a seguir à independência quando andou por Luanda a não entender nada como muitos de nós, uns mais em segredo e outros nem tanto, mas a olhar para tudo quase sempre a rir e sem perder a compostura dele, que era assim a de uma figura em que as pernas só é que avançam para a frente e sustêm o peso de um corpo em andor, virado para o chão dos ombros para cima...

PARA UM CIENTISTA VÁRIO

.... é injusto que o mérito do que escreveu, por razões evidentes, basta decifrar-lhe a dimensão, tenha passado ao lado dos critérios que podem assegurar notoriedade a uma obra, e com ela nem tanto a glória vã mas tão-só apenas talvez uma qualquer hipótese de intervenção, enquanto o que foi deixando escrito não terá nunca deixado, já se vê, de acionar os dos juízos que governam e comandam o mundo, os da lisonja e do serviço a esses,os do medo, os do despeito, os da inveja e dos oportunismos vis...

.... calha que ele morre enquanto ando à volta da figura de Ernst Junger, que também andou por Angola e eu cruzei com ele... esse era, para além de ter sido quem foi como escritor, um entomologista desvairado, com dois espécimes, no catálogo das descobertas do século vinte, batizados com o nome dele : um é o Trachydora juengeri e o outro a Cincidela juengeri.

... autor tão tido em conta como ele era, ouvi-lhe em Calulo, no ano em que a minha filha Eva nasceu lá também : ’... é talvez a única coisa que ficará de mim... Lineu trabalhou para a eternidade...

.... também o doutor João Varela, se não o poeta João Vário, ficará seguramente para a história... consta que durante certo tempo da sua vida foi cirurgião eminente de operações ao crânio das pessoas e que durante os seus trabalhos de tese, na Holanda, chegou até a formular qualquer coisa capaz de assegurar-lhe, também a ele, a eternidade... quando lhe fui apresentado em Luanda, talvez para aí em 77, o também finado já, mas esse há muito, saudoso Africano Neto, assegurou-me estar em presença, precisamente e sem mais, nem menos, do inventor do síndrome de Varela... é pouco para ele... e ainda assim é triste... mas é bem-feito e consola...

* * escritor angolano, autor, entre outros, de Os papéis do inglês, Como se o mundo não tivesse leste, Hábito da terra... O presente texto saiu no jornal Público.

Semana Online

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