quinta-feira, 27 de novembro de 2008

lusoáfricas berço terço

lusoáfricas berço terço
o terceto da nova poesia

onde passava a Passargada
passa agora o pássaro da paz

tão linda e ledice lírica
vero verso e vertigem

cantiga antiga do amigo
contigo ate canto o cantar

o trottoir da trova trolley
que troveja tartex e tempo

o silêncio silex do Simas
da sirene morna muda

lá onde a noite atinge
de esfinge o Conde finge

o poeMito faz lexema
no pão da poesia morena

à Cris à cruz à luz
o sufixo e o crucifixo

o lixo o Kitsch o bicho
dura lex pax lua

o perverso e o avesso
na poesia do reverso ...


Filinto Elísio

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Contravento Pedra-a-Pedra


Em São Paulo


Nesta imensa floresta urbana, "Pindorama pós-moderna" como o meu amigo Crisolino, petista de fina estampa, chamava a sua cidade, leio no Blog de Ricardo Riso - http://www.ricardoriso.blogspot.com/ - um interessante comentário sobre "Sopinha de Alfabeto", revista literária que eu, o Mito (criador da ideia, diga-se), o Eurico Barros e o Arnaldo Silva ousámos nos idos anos 80. Creio bem que a nossa ousadia (de real pedrada no charco) se enquadrava num projecto maior de criação de uma "geração litero-cultural" - o Movimento Pró Cultura, liderado por José Luís Hopffer Almada, algo que carece de análises mais complexas, desapaixonadas e epistimológicas por parte dos entendidos. O texto de Ricardo Rico levou-me a reviver (sem saudades, nem pieguices) os bons tempos em que o "bando dos quatro" tentava a irreverência tangencial e subliminar de "incomodar" o estabelecido. E o facto de Manuel Delgado, outro saudoso amigo, ter caracterizado a iniciativa como “sinal de decadência infantil”, não tendo a revista “importância nenhuma”, nos dera um gozo enorme na altura. Estar na Arte é subverter, com metáforas impossíveis, o que se afirma óbvio. Estar na Arte é significar certos sinais de decadência. Vejo a Paulista no seu élan vespertino, com neblina e chuva, e resignifico o "PoeMito Concretista"...

sábado, 22 de novembro de 2008

Montezuma ou talvez nem isso

O Violeiro e a Daminha no Engenho
Anita Malfatti
Cronos
Cronos é aquele que comanda os meus dias mas, às vezes, queria ir mais devagar - aos lentos passos dos índios que guiavam Hérman Cortez a Montezuma -, tão alheio à ansiedade apreensiva e apressada dos deveres. Eu queria estar mais zen e mais compenetrado nos meus pensamentos, olhando o mundo com fisionomismo e tranquilidade. Cronos é de facto um deus estranho - não Quetzalcoatl, aquele equívoco com que o Imperador olhou Cortez, mas este quebranto só meu e tão íntimo -, que me escraviza no tempo e no lugar.
Sampa
Esboço uns tópicos para a minha intervenção em "Fala dos Poetas" que irá acontecer durante o I Seminário Internacional dos Estudos Cabo-verdianos, em São Paulo. Não sei se falarei de mim (ou melhor dos meus despretensiosos versos), da minha visão da literatura cabo-verdiana (que não se vicia em Claridade absoluta) ou da minha forma de ser (e de estar, sobretudo) perante a Arte. Em verdade, não sei se as coisas que direi terão alguma valência. Nem sei qual a razão porque Montezuma concordou em ser batizado e a se tornar súdito do rei D. Carlos I da Espanha. Outras vezes, como outrora terá sentido alguém, tenho a impressão de estarmos a entregar Tenochtitlán numa bandeja de ouro. É o que me pressente certas "reacções em cadeia"...
Novembro
Tal como São Paulo, Novembro me diz muito. Mais que o seu significante (esses sinais que trepidam, quando não "esmagam"), o seu significado (que nem os olhares que permanecem no espelho, mesmo quando partimos) é o que me prende a ti. Apesar de ateu, iconoclasta e republicano, sem lenço, nem documento, creio ter sido, noutra vida, um monge budista.
Em Pessoa
Ai que prazer...
Não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!

LEMBRANÇA DE BRASÍLIA À CHUVA

Chuva de brasília não molha
alma de poeta, não — cai nos vãos
dos prédios, fina geometria de Niemeyer
deflagrada desde a veleira fímbria do pensamento.

Geórgica de luz, imperial e moça,
chuva de brasília é esta urdidura mansa,
som de êmbolo rabiscando
ausência de esquina emboscando o tempo.

Arremessado eco, cantoria de nuvens,
chuva de brasília é violão de treno
no derrotado azul desta oblonga manhã
decompondo-se numa ressaca de ramagens.

Chuva de Brasília talvez seja
este prelúdio de antenas conjurando
horizontes, a alma transistorizando
notícias de catástrofe, teu sorriso avarandado
à cabeleira de um póstumo sol de estio.

Porém, altiva, esmerila a praça dos três poderes,
alheia ao destino das tombadas folhas,
ao eco das catástrofes cremando
o parco fulgor de um sol a crédito.

Chuva de brasília não é essa garoa outonal
revoluteando as entranhas, motim de ecos
esgarçando a calma de tais dias, irrecusável vaticínio
atirado aos que lufam nos pátios doutra dança.
Chuva de brasília é essa dengosa mulata
encenando adeuses nos arroteados umbrais
do mundo, a procissão dos corvos jamais vistos,
sigilo que se anuncia pelos relâmpagos fremendo
num céu de sílica.

Chuva de brasília é minha alma sonhando
sua ausência pelos amodorrados pátios de lisboa.
Mas chuva de brasília eu vi mínima,
campeando num declínio esteorofónico,
consumado adeus por esses abertos jardins
sem uma esquina onde emboscar o verso.


JOSÉ LUIZ TAVARES
Brasília, 17 de Novembro de 2008

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Erro de Português


Mestiço
Candido Portinari
Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.
Oswaldo de Andrade

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Profunda Reflexão

O Pensador
Auguste Rodin
1.
Terá chegado a hora de os produtores culturais, principalmente os artistas, não serem olhados nesta terra como pobretanas, marginais e pedintes. Tão pouco como românticos vagabundos e penitentes nestas ilhas, onde o medíocre burocrata já vai conseguindo uma razoável conta bancária. Terá chegado a vez do produto cultural, sem pejos, nem complexos, entrar no mercado e mensurar o seu activo no cômputo de outros produtos. Hora de uma nova economia que se adiciona aos restantes – a “economia da cultura” – não só para adoçar a alma e reforçar os vínculos da identidade, mas para alicerçar um novo “campo” de acção conducente à criação da riqueza e à melhor distribuição social do rendimento…

2.
E se tal hora terá chegado, como nos indicia o Fórum Internacional sobre a Economia da Cultura, organizado pelo Ministro da Cultura de Cabo Verde, teremos de nos preparar, com sentido de causa e consequência, para os debates sobre a cultura, que não dizem unicamente respeito à defesa das identidades (regional, nacional, histórica) e à formação do capital humano (colectivo, individual), mas também (e de igual modo) abordam a dimensão económica da problemática. Os debates que transbordem e transcendam o espaço e o tempo deste Fórum Internacional, instalando-se, doravante, no quotidiano e nos vasos capilares das ilhas e da Diáspora…

3.
Em verdade, nem teríamos de inventar a roda. Teremos de reinventá-la à luz da nossa (ir) realidade. Os dados estão lançados, como diria Jean-Paul Sartre. Mas, diante dos dados (que precisam de novos levantamentos e outras análises), comecemos a questionar o conjunto das actividades culturais que tenham eventualmente algum impacto económico. O sector cultural e criativo gera rendimentos? Fá-lo de forma proporcionada e suficiente? Ele sustenta ou é sustentado pela Economia de Cabo Verde? As políticas públicas para a Cultura subsidiam as actividades culturais e criativas de forma emancipadora e autonomizante ou fazem-no de forma precária, assistencial não reembolsável? O mercado empresarial tem tido capacidade, mesmo com as leis de renúncia fiscal, para patrocinar e remunerar o trabalho criativo, inovativo e intelectual da nossa sociedade? Estas perguntas implicariam respostas a serem dadas, não apenas pelo Poder Político, mas por toda a Sociedade Cabo-verdiana, diga-se em abono da verdade.

4.
Segundo o “Global Entertainment & Media Outlook 2006-2010”, da Price Waterhouse Coopers, a “economia da cultura” passou de 1,3 triliões de dólares em 2005 e se aponta, apesar da crise financeira internacional, para 1,8 triliões de dólares em 2010, crescendo 6,6% ao ano, bem acima da média da economia mundial (5%). Em outros termos, a “economia da cultura” tornou-se o sector que mais cresce, gera renda, exporta e emprega, e aquele que melhor remunera. É ainda o que mais impacto tem sobre outros sectores igualmente vitais. E produz maior valor adicionado. Ademais, é uma “economia” baseada em recursos inesgotáveis (como a criatividade e a inovação) e que activa de forma “competitiva” os países que nela investem.

Cidade VI


a arménio vieira, jorge carlos fonseca e osvaldo azevedo,
observadores, amantes e críticos da cidade




Nós temos uma cidade.
A nossa cidade nem sequer chega a ser nojenta.
A nossa cidade está de nojo.
A nossa cidade está de nojo pelos sobreviventes da cidade.

Estes deambulam circunspectos pelas ruelas de ponta-belém e pelo que sobreviveu das ruas de
madragoa, de sá da bandeira, de andrade corvo, de serpa pinto, da república, de cândido dos
reis, da horta, da moradia, oh!, pelas antigas ruas cinicamente sorrindo transfiguradas e ainda
aturdidas sob as vestes e os nomes heróicos das placas toponímicas recém-colocadas.
Prosseguem pela pracinha do liceu, descansam por momentos aprazíveis nos bancos dos jardins
floridos.
Postam-se depois nos muros avarandados da cidade e lançam olhares tristes sobre a imensidão
dos subúrbios. Planam o olhar pelos vultos de ponta-de-água, da achada eugénio lima, da achada
grande, do paiol, da fazenda, de lém-cachorro, do castelão, da vila nova, da achadinha, de
pensamento, de safende e de outros bairros postados contra a imponência longínqua das
montanhas do interior da ilha e o vulto translúcido e majestoso do pico de antónio.
Desistem de imaginar o burburinho que irá por achada de santo antónio, tira-chapéu
(ou frouxa-chapéu, para os mais renitentes) e outros subúrbios das proximidades do mar,
agora envaidecidos pela presença próxima da antiga placidez das moscas e das alimárias
e das hortas miraculadas do palmarejo, de símbolos do poder como o palácio da assembleia
nacional popular, as embaixadas da união soviética, da china e de portugal, de vivendas e
residências de ministros, juízes, directores-gerais, inspectores das finanças, auditores das
alfândegas e outros altos funcionários do estado.
Dir-se-ia, pensam de si para si e nos subúrbios que se estendem defronte dos seus olhos
indignados, um extenso mercado de candongueiros um roque santeiro luandense ou um
imenso acampamento de exércitos hititas prestes a invadir mênfis Tebas e outras cidades
egípcias e a destruir a grandeza das suas pedras seculares e a magnificência das suas memórias.
Atravessam a rua do hospital. Alguns dos sobreviventes da cidade encarceram-se no pavilhão
dos alienados, dementes e possessos da quinta enfermaria do hospital central “agostinho neto”
para sessões de consulta psiquiátrica e de meditação sobre o tempo e a cidade ou, melhor, sobre
os tempos da cidade.
Conspícuos, os habitantes da cidade apresentam condolências ao quase-cadáver sorridente da
cidade. As melhores condolências, asseguram, são as que se apresentam aos sobreviventes, as
únicas vítimas de algum mérito e merecedoras de autêntica pena, escárnio que baste e muita
condescendência. Afinal, verdadeiros mortos-vivos, são eles irrefutável memória e assídua
presença das ruínas do futuro!
Ah! os sobreviventes da cidade!
Nem sequer acreditam na ressurreição do seu lugar de natalidade.
Espavoridos e insólitos, sentados na plácida e obesa comodidade das tocatinas e das conversas de
fim de tarde nos bancos da praça grande, observam o crescer dos prédios, a abertura de novas
avenidas e de novos arruamentos, a alegre devoração e as doces guerras dos festivais de música,
a consonântica (mas, admitem, melodiosa) desfaçatez de alguns dos recém-chegados …
Com um certo temor e muito a contra-gosto digerem o impúdico abraço entre o plateau e os
subúrbios. Por isso, declinam os convites para as inaugurações de empreendimentos turísticos e
de modernas vias rápidas que, cogitam, pretendem unificar as achadas, achadinhas, várzeas,
colinas, encostas e ribanceiras numa, profetizam sarcásticos, cidade-menina do atlântico.
Meditativos, os sobreviventes da cidade revisitam os lugares da infância e, pressurosos,
lamentam o entranhado lixo da cidade, a proliferação do comércio ambulante e das quotidianas
feiras de bugigangas, a ruína de lojas tradicionais emblemáticas (como a casa serbam, a loja
herculano, a casa feba, as galerias), a caótica degradação dos bairros, o terramoto da miséria e do
êxodo rural, a invasão dos bárbaros que, dizem, são os sampadjudos das as-ilhas, os badios de
fora (das aldeias, dos cutelos e das vilas do interior da ilha), os cooperantes de carteiras recheadas
e olhos claros omniscientes, os mandjacos (negros, animistas e muçulmanos) da costa de áfrica,
os comerciantes chineses que escudados na monumentalidade chinesa do palácio da assembleia
nacional popular na achada de santo antónio e no baixo preço dos produtos importados da sua ásia
natal têm arruinado os comerciantes locais, não se coibindo sequer de se juntar aos indígenas das
ilhas e instar os mandjacos a irem para a sua terra…
Enfim e para culminar, a plena dakarização das ruas, das mentalidades, da cidade...
Em conversas segredadas asseveram que enquanto uns invadem os leitos das ribeiras e as encostas
e constroem bairros de barracas, outros ocupam a beira-mar e refastelam-se nas vivendas e outros
rostos recentes e antiquíssimos da capitalidade, remetendo os sobreviventes da cidade para a
insignificância e a amnésia, para a irrelevância de moradores antigos e primeiros da cidade-
capital, urbe cantada e vilipendiada como rochosa transfiguração da velha e antiga metáfora de
cidade santa, urbe reiterada e secularmente mal-amada por alguns forasteiros que nela e noutras
reinam e todavia reivindicam.…
Sentados no cruzeiro, os sobreviventes da cidade observam o mar e a sua possível transfiguração
em trilho para o além, em viagem ou suicídio desde que seja uma forma definitiva de fuga ao
corpo putrefacto da cidade.
Cidade despojada da praia negra e dos seus coqueiros e pic-nics, substituídos pelos dejectos da
fábrica de cervejas e pelo cheiro nauseabundo dos tanques onde vão sendo experimentadas novas
formas de energia renovável sem qualquer utilidade prática.
Cidade despojada da memória do verde, dos pássaros cinzentos e do canto do bico de lacre no
taiti e nas antigas florestas circundantes do bairro craveiro lopes e da fazenda, para sempre
extintas.
Sentados no cruzeiro, sob os auspícios e a ferrugem dos canhões antiquíssimos, os sobreviventes
da cidade são tomados de um imperecível desejo de evasão da cidade carregada de vento, pó, ruas
esburacadas e de insolentes animais, racionais e irracionais, domésticos e exóticos.
Sentados no cruzeiro os sobreviventes da cidade cogitam utópicos e visionários e ante os seus
olhos formam-se as imagens de uma longa avenida marginal estendendo-se, asfaltada e
movimentada, da gamboa, passando pelo porto, até à praia da mulher branca, com as devidas
e modernas bifurcações para um mais moderno aeroporto internacional e os remodelados bairros
de lém-ferreira, ponta-de-água e achada-grande-trás…
Pesarosos, os sobreviventes da cidade debruçam-se sobre as trucidadas flores da praça grande,
das pracinhas da escola grande e do liceu adriano moreira (os sobreviventes da cidade recusam-se
a pronunciar o novo nome, domingos ramos, comparsa semi-analfabeto de, imagine-se, outros
terroristas, ou de modo mais eufemístico, combatentes do mato, em boa hora neutralizados, como
amílcar cabral, josina machel, eduardo mondlane, chico té, che guevara, justino lopes, jaime mota,
ludgero lima e o ainda mais execrável kwame nkrumah) …
Crispados, os sobreviventes da cidade cogitam sobre a futura reposição da verdade dos lugares e
dos seus nobres e pátrios nomes, como craveiro lopes, alexandre albuquerque, andrade corvo,
serpa pinto, sem esquecer os heróis de mucaba…
Os sobreviventes da cidade rezam sobre as ruínas da cadeia civil e dos sobrados coloniais
amarelecidos pelo tempo e pela decrepitude, os quintais de algumas casas térreas de persianas
verdes, janelas envidraçadas e soalheiras meias-portas e outras casas típicas do planalto da cidade
da praia, urbe outrora chamada de santa maria da esperança e da vitória.
Os sobreviventes da cidade indignam-se com a transfiguração do planalto (recapitulam: capital
de facto das ilhas de caboverde desde o abandono da cidade velha em 1776 e capital oficial da
província ultramarina desde 29 de Abril de 1858) em reles e francófono plateau de uma
cinematografia na qual a cidade se transmutou em mero figurante numa vilã miríade de subúrbios.
Os sobreviventes da cidade continuam deambulando pelas ruelas e constatam com alívio, orgulho
e alguma vaidade que os moradores das casas mais modestas dos quarteirões mais pobres do
planalto-capital recusam terminantemente a deportação para o longínquo bairro da terra-branca
(branca de novos ricos indígenas e de cabelos loiros cooperantes, dizem sarcásticos) ou para
qualquer achada, achadinha ou ribeira, todas flageladas pelo cinzento, pelo abandono, pelo caos,
pelo despojamento de urbanidade, por todo tipo de carências, pela ausência de qualquer memória
urbanística e, sobretudo, pela irremissível circunstância de serem baxu-praia, abaixo da praia,
sub-praia…
Os sobreviventes periféricos e suburbanos da cidade preferem ser despejados. O cubículo ou a
casa térrea de dois ou três quartos e muita promiscuidade não se salva, mas ao menos salva-se a
honra. Ocupa-se a praça e abre-se escritório de conversador na esplanada central da cidade, no
restaurante avis ou no café cachito ou abanca-se como engraxador de sapatos na praça alexandre
albuquerque (arremetem os auscultadores da cidade: mas a polícia nega-se a fazer reluzir as
botas na praça “12 de Setembro”. Quando for o caso não há-de a polícia precisar de botas
reluzentes. Abaixo o boato e a paranóia!)

Os habitantes da cidade estão de nojo. Pelos sobreviventes da cidade ou por si próprios.
Milhafres e vampiros debicando o cadáver da cidade.
Persistentemente. Diligentemente.

Os habitantes da cidade estão de luto. Pela cidade e por si próprios.
Cadáveres futuros sobre o corpo arruinado da cidade.
Irremediavelmente.

Dizia eu, nós temos uma cidade.
A nossa cidade e os seus habitantes nem sequer chegam a ser nojentos.
A nossa cidade e os seus habitantes estão aparentemente de nojo.
Pela cidade e pelos sobreviventes da cidade.
Magnanimamente.

Lisboa, 2003/Julho de 2008
(versão refundida do poema homónimo constante do livro Á Sombra do Sol, volume II, Praia, 1990)

José Luís Hopffer Almada

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Milady, é perigoso contemplal-a...

1.
"Papas", não muito longe da Associação Cabo-verdiana e da Cinemateca de Lisboa, é um belíssimo restaurante. A compor a mesa: eu, o José Luís Hopffer Almada e o Mito. Quando estamos assim juntos, fico a matutar naqueles versos de Arménio Vieira sobre Lisboa que ali não estava para nos saudar. A conversa é variada: o José Luís a contar sobre o filme "W" e sobre "A Dolorosa Raíz do Micondó", livro de poemas da santomense Maria da Conceição Lima; o Mito a abordar sobre os vídeopoemas que irá apresentar na Semana da Cultura Cabo-verdiana, em São Paulo.
2.
No aeroporto, com a mala e tudo, não consigo viajar. Simplesmente, não há hoje voo da TAP para a cidade da Praia. Tanto que eu queria chegar a tempo de participar no Fórum Internacional sobre a Economia da Cultura! Felizmente, o meu quarto no Hotel Sana Metropolitan, ainda por fazer, estava ainda disponível. Tempo para aceitar ao convite de Sílvio Baptista...
3.
Foi um jantar interessante, num restaurante de Entre-Campos, cujo nome não retive. Estava também o casal que irá editar "Li Cores & Ad Vinhos" - Carlos Serra e Moura e Carla Serra e Moura, interessantíssimos. Recebi, de presente, uma excelente edição O Livro de Cesário Verde, desenhado por João Vieira. Milady, é perigoso contemplal-a...

Orçamento, PIB e We Can



A Cultura tem 3% do Orçamento Geral do Estado, algo a se louvar, mas sobretudo a suscitar uma reflexão mais estratégica e mais partilhada sobre as políticas públicas para o sector. A grande questão será como e em quê aplicar tais recursos para que a Economia da Cultura ocupe um percentual mais destacado e mais efectivo (em termos do impacto sócioeconómico) no PIB de Cabo Verde. Importa saber qual a massa financeira da Produção Cultural e qual o Rendimento Per Capita do Produtor Cultural. Importa, sem que se perca a alma, fazer as contas. Para além das áreas que, ainda nesta fase, precisam de fomento público, importa saber que incentivos junto ao mercado da criatividade e da inovação, sobretudo das artes performativas, para que as mesmas se autonomizem e passem a produzir Cultura não como "pedintes", mas como activos importantes (e sem complexos) da economia cabo-verdiana. Yes, we can...

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Com posição


Composition VIII
Wassily Kandinsky





"Alfa Pendular" rumo a Braga



Quem encontro no comboio? O jornalista Francisco Fontes que também se apeia no Porto Campanhã. As eleições na Guiné-Bissau, a antologia de poemas, o frisson em torno do poema de José Maria Neves e a necessidade de uma boa editora em Cabo Verde.



Os Deolinda



Sobre Os Deolinda alguém assim escreveu: Há uma longa série de clichés associados ao fado. Por exemplo, o fado tem que ter guitarra portuguesa. Os Deolinda não usam guitarra portuguesa. Ou, o fado tem que ser sisudo, sério, compenetrado, fatalista e triste. Os Deolinda não são nada disso. Ou ainda, o fado não pode ser dançado. E dança-se com os Deolinda. Ouço o disco “Canção ao lado” e gosto dessa química reconfortante.



Coup de foudre



Distante, há picardia, malícia e tacanhês. Esses bloguistas são como gladiadores. Ou mercenários. Matam-se uns aos outros. Tu sabes que isso é pouco saudável. Prefiro ler Les Mots e les Choses, de Michael Foucault. Tento de riso e de siso. Tempo bíblico de amar e de odiar. Mas, olha, novembrina esta solidão. Coup de foudre até com as horas que desandam no relógio...



Restaurante "Tia Matilde"



A convite de José Cunha, lá fomos jantar no restaurante "Tia Matilde". Não só porque fica ao pé do Hotel Sana Metropolitan, onde me hospedo em Lisboa, mas porque a canja de pato ali é divina e o coelho no forno mais que um poema. Eu, o Mito, o Zé Brazão e a companheira. E o Cunha, naturalmente. Amena cavaqueira que não dispensa os "estados gerais" da blogsfera crioula, a medíocridade das ofertas culturais da Praia e do Mindelo e o Fórum Internacional sobre a Economia da Cultura organizado pelo Ministério da Cultura.


domingo, 16 de novembro de 2008

Economia da Cultura

Women Running on the Beach
Pablo Picasso



1.
Aceitei participar, mas vou chegar com um dia de atraso, no Fórum Internacional sobre a Economia da Cultura, organizado pelo Ministério da Cultura. O evento, que ocorre na cidade da Praia, prova que as autoridades estão mais despertas para o impacto socioeconómico da produção, da circulação e do consumo de bens e serviços culturais no contexto da Nação Global Cabo-verdiana.

2.
Sempre vamos tendo, uns e outros, a percepção de que a participação da Cultura na nossa economia seja bem expressiva. Tornou-se lugar-comum dizer “Cultura é o petróleo de Cabo Verde”, um misto de orgulho com bazófia de crioulo. Entretanto, não haverá fumo sem fogo. Embora não tenhamos indicadores estatísticos, nem estejamos na posse do conhecimento sobre o PIB da Cultura Cabo-verdiana, estamos conscientes que a caboverdianidade lactu senso terá também a sua força dos números e, pela certa, o seu peso dos cifrões. Há que mensurar a Cultura, sim senhor…

3.
O Banco Mundial estimou, em 2003, que a Economia da Cultura respondia por 7% do PIB mundial e se projectava como o sector mais dinâmico da economia planetária. Qual o peso da Economia da Cultura, isto é qual o peso da criação artística e intelectual em Cabo Verde? Econometria…vamos a ela. Acima ou abaixo da média mundial? Qual o nível de crescimento deste sector criativo e inovador na economia cabo-verdiana?

4.
E, para tanto, valerá fazer diagnósticos, construir indicadores, colectar e sistematizar dados, estudar e pesquisar mais (e melhor) o sector cultural. Valerá juntar todos, nacionais (de toda a insularidade e da diáspora) e estrangeiros (de todos os quadrantes), para sabermos não só a quantas vamos, mas o que nos aponta a Economia de Cabo Verde. Sendo a produção cultural um dos seus activos, precisamos incentivá-la, fomentá-la e projectá-la. Mais riqueza e inclusão social, mais inserção mundial de Cabo Verde e, sobretudo, mais alma, como diria Orlando Pantera.

5.
Vamos, pois, partilhar, conversar e conspirar para que tal comece a acontecer…
Nota 1:
Em Lisboa, vou às livrarias, deambulo pela Baixa, onde me deparo com Juca Ferreira, Ministro da Cultura do Brasil, e Zulu Araújo, Presidente da Fundação Palmares, e assisto a um show de Nancy Vieira, no Teatro São Luís. Vejo que a minha luz, tal qual a música do Vadú, tem o seu lado sombra e que com ele, meu pássaro, posso ir ver o Tejo.
Nota 2:
Ergo-me pedrasta, apupado de imbecis, assim começa o poema Cena de Ódio, de Almada Negreiros. Mas eu me rio dos deuses pés descalços e dos duendes das esquinas. Reafirmo tudo fazer por convicção pura, mesmo quando, sem máscaras, nem dualidades, apoio uma determinada "causa perdida". Outrossim, certas birras são para se esquecer...

sábado, 15 de novembro de 2008

Imagine



Respostas


Qual é o mal de vir a Cabo Verde tentar a sorte? Se tem habilitações para tal, não vejo onde posssa estar o problema.


Mal nenhum, companheiro. Cabo Verde, tal como Portugal, Senegal ou Brasil, é terra da emigração e da imigração. Aqui, o companheiro vem de longe e se torna benvindo. Nesta roda concêntrica, em torno do sol, somos genuinamente multiculturais e, aos poucos, nos libertamos de um passado traumático que se não branquea com os rompantes da paridade monetária, da parceria especial e dos exercícios da NATO. É preciso mais, muito mais. Que muito mais gente tente a sorte pelo Mundo - esse wider spectrum de que falava John Lennon em "Imagine". Cabo Verde, Portugal, Senegal, Brasil, you may name it...


Despir-se de preconceitos, porquê? Por falar de barracas com pessoas a viver em condições desumanas ou por denunciar o comportamento de alguns políticos?


Despir-se de preconceitos, naturalmente. Pensarmos com as nossas próprias cabeças, como diria Amilcar Cabral. As barracas (e as Buracas) da vida são problemas de direitos humanos e devem ser denunciadas por todos e em todo o lugar. E o comportamento de alguns políticos, bem como de certos jornalistas, nacionais e estrangeiros, que lhes prestam servicinhos devem ser denunciados sempre. Pelo que li, a crítica postada no Blog "Os Momentos" não punha em causa o jornalismo crítico e acutilante, mas sim aquele medíocre e malidecente, a passar pela rama da deontologia e da ética. Convenhamos que há muita leveza insustentável por aí e há que investir em gente mais qualificada...


E um País que sobreviveu às secas, fome, miséria, escravatura e colonização é imune a críticas?


Críticas é o que se quer, companheiro! Críticas sérias, sustentadas e substantivas. Puras cantigas de escárnio e de mal-dizer não animam ninguém nem a nada neste terreiro. Valentias de pura afirmação, tomamo-las apenas e tão-só como liberdade de expressão, que é muito e importante, mas de modo algum como jornalismo, que tem cânones para outra freguesia. Há gente a querer matar amanhã um velho que morreu ontem. Aliás, e ainda bem, matamo-lo ontem. Era o velho das secas, das fomes, das misérias, das escravaturas e das colonizações.


Criticar é espartilhar o país? E silenciar, é o quê?


Espartilhar nesse caso merece ser entendido em sua semântica complexa. A rigor, um país com a endurance de Cabo Verde não se espartilha facilmente. Mordaças a um poeta? Ovídio Martins considerava isso amiúde o único impossível. De modo que silenciar não cola. Nem aqui, nem na China...


Glosa (ou o tal "Imagine", de John Lennon)


Imagine there's no heaven,

It's easy if you try,

No hell below us,

Above us only sky,

Imagine all the people

living for today...


Imagine there's no countries,

It isnt hard to do,

Nothing to kill or die for,

No religion too,

Imagine all the people

living life in peace...


Imagine no possessions,

I wonder if you can,

No need for greed or hunger,

A brotherhood of men,

imagine all the people

Sharing all the world...


You may say I'm a dreamer,

but Im not the only one,

I hope some day you'll join us,

And the world will live as one...


É mais ou menos isso, companheiro...

Ora sou água

Ora sou água, ora sou fogo,
E se me invento terra, ar
Que lhe leva o vento, ora
Sou nuvem, pura miragem.

Em verdade, nem por enfado
Ou por desafio, eu seria outro;
Mesmo que a vida, por um fio,
Preciosa, se remira em ouro.

Mais que a abelha à roda da rosa
Ou do mar lambido na praia
Ora sou prosa, ora sou poema.

Poente que sou, mirante de nada,
Cavaleiro andante, aventureiro,
Puro horizonte tudo o que sou…

Filinto Elísio

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Porque

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.


Sophia de Mello Breyner Andresen

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Nave de alabastros


manXtime
Mito
Hoje, amanheci nesta loucura: nave de alabastros, teus cerâmicos rostos e fulgentes olhos, ó cabalística cidade. Depois, à hora da higiene matinal, que é a seguir ao jogging e ao noticiário, ainda isto me foi dado: sementeira de alada fantasia, tumefacto ventre de eufonia – só tua. E não é que me visto ao espelho que mostra as rugas, alguns cabelos brancos e meia dúzia de estrias, também minhas. Tomo o pequeno-almoço nessa recorrência (eh, pá, preciso de ajuda, a sério): alfarrabistas e poetas, meretrizes e cães, rosas e musgos – todos os mucos – tu, cidade. O engarrafamento que me leva, como um rio parado, ao Plateau (há quem o chame de “Centro Histórico”), dá um close-up num relógio pendurado por um fio de nylon, suicídio que assim reporto: sílabas labirínticas, olha que tenho tua esfinge na mão, quantos liames são teus segredos, latejam-me teus becos, companheira – sem eterna idade. Sei que não estou imbecil, mas já não resguardo as certezas de ontem…

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Bienal

Começa amanhã, por nove dias, a 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará. "A aventura cultural da mestiçagem" é o grande tema de 2008. Na Bienal, estarão mais de 350 editoras e 140 escritores de mais de 20 países da América, da Ásia, da Europa e da África. Na curadoria do evento, Floriano Martins, mais uma razão para o primado da poesia. Alguns convidados: Alex Pausides (Cuba), Omar Lara (Chile), José Maria Memet (Argentina), Edwin Madrid (Equador), Marco Lucchesi (Brasil), José Angel Leyva (México) e José Luís Tavares (Cabo Verde). No evento de 2006, estava eu em travessias com o Poeta Dimas Macedo e falávamos das Mil e Uma Noites. Em 2004, a participação crioula teve a participação de António Leão Correia e Silva e Germano Almeida. À semelhança de edições anteriores, o evento deste ano promete ser “danado de bão”. Em prol da leitura pública…

Madrugada

Deu-me agora de acordar pela madrugada e ler poesia até que o sono me derrube. Às tantas, entre as três e quatro da matina, eis que me levanto da cama, sem saber exactamente o que me desperta. Tenho sempre a mão um livro de Fernando Pessoa e, como quem vai a um versículo da Bíblia, escolho uma ode, um soneto ou um verso livre. Os heterónimos pessoanos fazem as minhas madrugadas e leio seus versos diante do espelho. Faço gestos e trejeitos, treino entoações e tons de voz, tento até sapateados. Um solilóquio digno de ópera. Hoje, por exemplo, reli Alberto Caeiro ao som de “Bandera de Nhô Sanfilipe”, de Kim Alves. Uma mistura meio estranha, mas com todo o sentido dentro de mim. Dentro do meu quarto, sou uma espécie de Clown. Meio Charlot, quase Pierrot. Absurdamente romântico. Quando não abro a janela de par em par para ver a rua. Adormecida. Onde haverá, no vasto mundo, alguma mulher nua? Absolutamente nua. E eu, pecador, me confesso: sou um apaixonado pela lua…

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Pa Bô


Passa o Mito por uma rua de Lisboa e dá de caras com um muppy da PT Telecom: "30 min. por €5 pa bô". Em crioulo de Cabo Verde! Aliás, certos produtos não se vendem hoje em Lisboa sem estrategizar o segmento do mercado cabo-verdiano. Os cartões de telefone, por exemplo. Algumas ideias e projectos políticos. Cabo-verdianos, ucranianos, brasileiros e outros. Manuela Ferreira Leite deveria fazer um estágio na PT Telecom. Burro velho também aprende...

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Quase sketch

Igualdade
Leio no Blog "Igualdade na Diferença" que Eurídice já regressou às margens do Mondego. Vimo-nos esporadicamente duas vezes: uma, na conferência sobre a mestiçagem e, outra, num supermercado. Não falámos do género, da política e da Calheta de São Miguel. Tão pouco de Baraka Obama que, pelas compras no carrinho do supermercado, parecia ser motivo de uma comemoração dessa tarde novembrina...
Poema húngaro
No sábado passado, três amigas foram jantar lá em casa. O prato base era Calulu de Peixe, coqueluche da culinária santomense. Luar a escoar pelo quintal, a brisa vagarosa e o vinho encorpado. Falavamos das nossas viagens. E das nossas miragens. Dos poemas que li, o de um desconhecido autor húngaro me deixou pensativo. Poeisis...
Alto Cutelo
No domingo, o almoço foi em Alto Cutelo, Rui Vaz, a convite de David Hopffer Almada. A cachupada do Alto Cutelo, em brando fogo de lenha e vigiada pela dona da casa, superou tudo. O resto eram duas dezenas de convivas e uma neblina de montanha. Santiago, meu tudo, a perder-se de vista...
Sampa
Brevemente, participarei na Semana Cabo-verdiana em São Paulo, coordenada por Simone Caputo Gomes. Além de rever São Paulo, onde tenho gratíssimos "recuerdos" , queria declamar os meus poemas no Museu da Língua Portuguesa. Antes que me esqueça: vou falar sobre a literatura não-claridosa de Cabo Verde. Em certas igrejas (aliás em nenhuma, diga-se de passagem), não me ajoelho, nem rezo. Tão pouco faço coro...

Mamã África


Mamã África*

Myriam Makeba, a cantora sul-africana que queria estar no palco até aos 90 anos, faleceu esta segunda-feira, vítima de uma parada cardíaca. Makeba tinha 76 anos e estava em plena estrada, cantando a “alma de toda a África” e defendendo as grandes causas humanas. Ainda ontem, pouco antes de falecer, esteve num palco em Castel Volturno, na Itália, a cantar contra o Racismo, a Xenofobia e a Máfia. Eu tive o privilégio de assistir a um concerto de Myriam Makeba, aqui nesta cidade da Praia, oportunidade que só a Independência Nacional permitiria. Ela cantara “Malaika”, música preferida da minha saudosa mãe, dançara “Pata Pata”, com inédita sensualidade, e falara de Nelson Mandela, então encarcerado. E continua, em clave, chave e melodia, a me bater cá dentro Cabo Verde: a luta continua, a luta continua, continua

Yes, he could

Acompanhei, com algum sentido crítico, a festarola que se fez no Continente Africano devido à eleição de Baraka Obama a Presidente dos Estados Unidos da América. Enquanto, em todo o mundo, há círculos de reflexão e de debate sobre uma eventual “nova política americana” que, naturalmente, impactará o Mundo, em certos países africanos (não todos, felizmente), a questão deriva em festa, feriado e regabofe. Países como o Congo (onde o genocídio corre solto), a Nigéria (onde a corrupção fala mais alto), o Zimbabué (onde o abuso do poder é prato do dia), o Sudão (onde a fome e o racismo grassam) e o Quénia (onde o tribalismo se tornou letal), entre vários outros, precisavam de facto de abordagens mais críticas, assertivas e incisivas. Sem as orgias de uma carnavaleira alegria…

We really can

Igualmente, alguns, um pouco pelo planeta, perguntam “para quando o nosso Obama?”, como se isso, para além da enorme carga simbólica, fosse a panaceia das soluções reais para todo o lugar, inclusive a panaceia contra o racismo e a segregação. Obama nos parece ser uma história feliz, corolário de um processo histórico dramático e doloroso do povo americano, sobretudo do afroamericano. Os outros países devem construir os seus próprios percursos e buscar as suas próprias soluções, como, aliás, fez a África do Sul em determinado momento histórico. O parasitismo, que mais não é que andar na História como passivo ao invés de activo, só conta que nos falta entender que cada povo domina o seu próprio destino e que, como dizia Amilcar Cabral (um dos maiores líderes africanos de todos os tempos), temos de pensar com as nossas próprias cabeças

Palmas para JLT

O Poeta José Luís Tavares figura entre os nove premiados no II Concurso Literatura para Todos, do Ministério da Educação, no Brasil. A pré-selecção desse interessante concurso literário contou com mais de 600 obras, o que denota não apenas a qualidade da proposta do Poeta José Luís Tavares, como revela que o Brasil definitivamente “dá as cartas” no que toca à Arte da Educação (e vice-versa). Da minha parte, estou orgulhoso e contente…

Momentos

Dias atrás, escrevi um post sobre os meus “momentos existenciais” e uma dezena de amigos, dos quatro cantos do mundo, ripostou, revelando preocupação com o meu “estado de espírito". Cheguei a ficar comovido. Em verdade, não atravesso nenhuma cavada depressão, nem ando bem à míngua de colo nesta fase da minha vida. Preciso sim, como todos aliás, de mãos demoradas do afecto e de sentir a crepitação do fogareiro da amizade. Ao fim e ao cabo, neste lado da rosa, somos todos uns frágeis…

*Discografia de Myriam Makeba:

"Pata Pata", "The many voices of Miriam Makeba" (1962), "Miriam Makeba live in Africa" (1967), "The word of Miriam Makeba" (1968), "Miriam Makeba and Harry Belafonte" (1972), "Sangoma" (1988), "Welela" (1989), "Skylarks" (1992) e "Sing me a song" (1994).

sábado, 8 de novembro de 2008

Nadas

Dos que não gosto
Em verdade, eu gostaria de escrever mais sobre o que gosto. Dos meus desgostos, olha...queria-os guardados no baú deste meu silêncio. Já não tenho vinte anos. Mas, lá estás tu, a querer luz em tudo, mesmo nos abomináveis. Bem convenhamos: de George Bush a Manuela Ferreira Leite, passando pela malta nossa da deriva autoritária, alguma dessa gente não cabe no meu coração. Mas, é como eu dizia, o meu coração é esse "fiteiro" mimado pelos poemas de Neruda e pelos cantares de Mahalia Jackson.
Novembrino amor
Talvez não saibas, mas adoro Novembro. Uma brisa mais fresca. Refresco-me em Novembro. As plantas já maduras de chuva e de ventania. As nuvens, ora plúmbeas, ora brancas como algodão. A poesia, entre o querer aparecer e o ficar cá dentro. O amor novembrino na face de todos. Essas coisas...
E me dasafio
Ando a ler três livros em simultâneo. Um, é o Relatório da CIA. Outro, é a refrescante poesia de Paulo Leminsky. E, o terceiro, fala da milenar cultura persa. Dá-me imensa excitação e indescretível gozo ler assim, em tríplice acto. É como jogar xadrês em três tabuleiros. Olho-me ao espelho...e me dasafio.
Notícias do bloqueio
Deambulo por esta cidade. Não se consegue ter qualidade de vida nesta cidade tomada de assalto. Há o luxo do lixo, o esdruxulo bicho da política, a hiena solta e o fedorento lobo. Isto é uma fauna esquisita. Os triunfantes porcos grunhem nos jornais as suas razões. Se tiver paciência, mais tarde, mando-te "notícias do bloqueio"...

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

SOMEBODY BLEW UP AMERICA


(All thinking people
oppose terrorism
both domestic
& international…
But one should not
be used
To cover the other)

They say its some terrorist, some
barbaric
A Rab, in
Afghanistan
It wasn't our American terrorists
It wasn't the Klan or the Skin heads
Or the them that blows up nigger Churches,
or reincarnates us on Death Row I
t wasn't Trent Lott
Or David Duke or Giuliani
Or Schundler, Helms retiring

It wasn't the gonorrhea in costume
the white sheet diseases
That have murdered black people
Terrorized reason and sanity
Most of humanity, as they pleases

They say (who say?
Who do the saying
Who is them paying
Who tell the lies
Who in disguise
Who had the slaves
Who got the bux
out the Bucks

Who got fat from plantations
Who genocided Indians
Tried to waste the
Black nation

Who live on Wall Street
The first plantation
Who cut your nuts off
Who rape your ma
Who lynched your pa

Who got the tar,
who got the feathers
Who had the match,
who set the fires

Who killed and hired
Who say they God
& still be the Devil

Who the biggest only
Who the most goodest
Who do Jesus resemble
Who created everything

Who the smartest
Who the greatest
Who the richest
Who say you ugly
and they
the goodlookingest

Who define art
Who define science
Who made the bombs
Who made the guns

Who bought the slaves,
who sold them
Who called you them names
Who say Dahmer wasn't insane

Who/ Who / Who/

Who stole Puerto Rico
Who stole the Indies, the Philipines, Manhattan
Australia & The Hebrides

Who forced opium on the Chinese
Who own them buildings
Who got the money
Who think you funny
Who locked you up
Who own the papers

Who owned the slave ship
Who run the army
Who the fake president
Who the ruler
Who the banker

Who/ Who/ Who/

Who own the mine
Who twist your mind
Who got bread
Who need peace
Who you think need war

Who own the oil
Who do no toil
Who own the soil

Who is not a nigger
Who is so great ain't nobody bigger

Who own this city
Who own the air
Who own the water
Who own your crib
Who rob and steal
and cheat and murder
and make lies the truth

Who call you uncouth
Who live in the biggest house
Who do the biggest crime
Who go on vacation anytime

Who killed the most niggers
Who killed the most Jews
Who killed the most Italians
Who killed the most Irish
Who killed the most Africans
Who killed the most Japanese
Who killed the most Latinos

Who/Who/Who

Who own the ocean
Who own the airplanes
Who own the malls
Who own television
Who own radio

Who own what ain't even known to be owned
Who own the owners that ain't the real owners
Who own the suburbs
Who suck the cities
Who make the laws

Who made Bush president
Who believe the confederate flag need to be flying
Who talk about democracy and be lying

WHO/ WHO/ WHOWHO/

Who the Beast in Revelations
Who 666
Who decide
Jesus get crucified

Who the Devil on the real side
Who got rich from Armenian genocide
Who the biggest terrorist

Who change the Bible
Who killed the most people
Who do the most evil
Who don't worry about survival

Who have the colonies
Who stole the most land
Who rule the world
Who say they good but only do evil
Who the biggest executioner

Who/Who/Who ^^^

Who own the oil
Who want more oil
Who told you what you think that later you find out a lie

Who/ Who/ ???

Who fount Bin Laden,
maybe they Satan
Who pay the CIA,
Who knew the bomb was gonna blow
Who know why the terrorists

Learned to fly in Florida, San Diego
Who know why Five Israelis was filming the explosion
And cracking they sides at the notion
Who need fossil fuel when the sun ain't goin' nowhere

Who make the credit cards
Who get the biggest tax cut
Who walked out of the Conference
Against Racism

Who killed Malcolm, Kennedy & his Brother
Who killed Dr King,
Who would want such a thing?

Are they linked to the murder of Lincoln?

Who invaded Grenada
Who made money from apartheid
Who keep the Irish a colony
Who overthrow Chile and Nicaragua later
Who killed David Sibeko, Chris Hani,
the same ones who killed Biko, Cabral,
Neruda, Allende, Che Guevara, Sandino,
Who killed Kabila, the ones
who wasted Lumumba, Mondlane , Betty Shabazz,
Princess Margaret, Ralph Featherstone, Little Bobby

Who locked up Mandela, Dhoruba, Geronimo, Assata,
Mumia,Garvey, Dashiell Hammett, Alphaeus Hutton

Who killed Huey Newton, Fred Hampton,
MedgarEvers, Mikey Smith, Walter Rodney,
Was it the ones who tried to poison Fidel
Who tried to keep the Vietnamese Oppressed

Who put a price on Lenin's head
Who put the Jews in ovens,
and who helped them
do it

Who said "America First"
and ok'd the yellow stars

WHO/WHO/ ^^

Who killed Rosa Luxembourg, Liebneckt
Who murdered the Rosenbergs
And all the good people iced,
tortured , assassinated, vanished

Who got rich from Algeria, Libya, Haiti,
Iran, Iraq, Saudi, Kuwait, Lebanon,
Syria, Egypt, Jordan, Palestine,

Who cut off peoples hands in the Congo
Who invented Aids
Who put the germs
In the Indians' blankets
Who thought up "The Trail of Tears"
Who blew up the Maine & started the Spanish American War

Who got Sharon back in Power
Who backed Batista, Hitler, Bilbo,
Chiang kai Chek

who WHO W H O/
Who decided Affirmative Action had to go
Reconstruction, The New Deal, The New Frontier, The Great Society,

Who do Tom Ass Clarence Work for
Who doo doo come out the Colon's mouth
Who know what kind of Skeeza is a Condoleeza
Who pay Connelly to be a wooden negro
Who give Genius Awards to Homo Locus
Subsidere

Who overthrew Nkrumah, Bishop,
Who poison Robeson,
who try to put DuBois in Jail
Who frame Rap Jamil al Amin,
Who frame the Rosenbergs, Garvey,
The Scottsboro Boys,
The Hollywood Ten
Who set the Reichstag Fire

Who knew the World Trade Center was gonna get bombed
Who told 4000 Israeli workers at the Twin Towers
To stay home that day
Why did Sharon stay away
?

/ Who,Who, Who/

explosion of Owl the newspaper say the devil face cd be seen

Who WHO

Who WHO

Who make money from war
Who make dough from fear and lies
Who want the world like it is
Who want the world to be ruled by imperialism
and national oppression and terror

violence, and hunger and poverty.

Who is the ruler of Hell?
Who is the most powerful
Who you know ever Seen God?
But everybody seen The Devil
Like an Owl exploding

In your life in your brain in your self
Like an Owl who know the devil
All night, all day if you listen,
Like an Owl
Exploding in fire.
We hear the questions rise
In terrible flame like the whistle of a crazy dog
Like the acid vomit of the fire of Hell

Who and Who and WHO (+) who who ^

Whoooo and Whooooooooooooooooooooo!


Amiri Baraka

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

A poem for Barack Obama

Out of the turmoil emerges one emblem, an engraving —
a young Negro at dawn in straw hat and overalls,
an emblem of impossible prophecy, a crowd
dividing like the furrow which a mule has ploughed,
parting for their president: a field of snow-flecked
cotton
forty acres wide, of crows with predictable omens
that the young ploughman ignores for his unforgotten
cotton-haired ancestors, while lined on one branch, is
a tense
court of bespectacled owls and, on the field's
receding rim —
a gesticulating scarecrow stamping with rage at him.
The small plough continues on this lined page
beyond the moaning ground, the lynching tree, the tornado's
black vengeance,
and the young ploughman feels the change in his veins,
heart, muscles, tendons,
till the land lies open like a flag as dawn's sure
light streaks the field and furrows wait for the sower.


Derek Walcott

Vaca louca

A "desagradável" Manuela Ferreira Leite, Presidente do PSD, declarou que a aposta do Governo Português nas obras públicas pode ajudar a reduzir o desemprego em Cabo Verde ou na Ucrânia, mas duvida que tenha efeitos no emprego em Portugal. Interrogada se não considera que "as obras públicas ajudarão, pelo menos, ao factor desemprego", a presidente do PSD respondeu: "[Ao] desemprego de Cabo Verde, desemprego da Ucrânia, isso ajudam. Ao desemprego de Portugal, duvido". O blogueiro Tibério Diniz disse, com propriedade: “MFL colocou em causa a sua imagem e a do partido e poderá ter hipotecado o voto imigrante que decide eleições principalmente nos centros suburbanos”. Perante essa imprudência, claramente racista, torna-se necessário que as comunidades imigradas em Portugal, entre as quais a cabo-verdiana e a ucraniana, tenham respostas proporcionadas em relação à investida, por sinal não tão isolada, nem inocente como aparenta. Por trás de uma Vaca Louca, há sempre muitos bois armados em doidos…

O sonho de King: Free at last



“Change has come to America”
Baraka Obama





Mote


Quem não se lembra daquela negra (Rosa Parks, se estivermos lembrados) que se recusou a levantar do assento no autocarro para dar lugar a um branco? Deep South, nos anos sessenta do século passado! Que corajosa, para não dizer temerária, essa grande mulher! Atrever-se a mexer com os alicerces da segregação racial nos Estados Unidos era quase uma condenação à morte. Martin Luther King Jr sonhou em ver “os filhos de antigos escravos e os filhos de antigos senhores de escravos sentados juntos à mesa da fraternidade” e foi assassinado. Malcolm X, por expressar o direito dos negros à “revolta activa” também foi assassinado. Muita água rolou sob essa ponte. Hoje, a América provou ser uma Grande Democracia. Em primeiro lugar, a América ganha o seu primeiro presidente negro, concretizando assim o sonho de Martin Luther King Jr. e da geração dos direitos civis. Por isso, o simbolismo da vitória de Baraka Obama é maior, muito maior, do que a sua própria realidade. Só por isso, Obama representa "uma revolução mental enorme". Depois, a América passa a ser não o império dos capitalistas e dos especuladores, mas sim como o empório de oportunidades para todos. E, finalmente, aguarda-se uma viragem política e geoestratégica de grandes proporções, a nível mundial.

1.


Os Estados Unidos da América são uma Grande Democracia. Em primeiro lugar, o primeiro estado republicano dos tempos modernos, erigido com a independência, onde ficou instituído a separação dos poderes – os Government Branches – em Executivo (encabeçado pelo Presidente, conferindo o sistema político como Presidencialista), o Legislativo (diferenciado entre o Senado, representando o engajamento dos Estados ao Federalismo, e o Congresso, representando a vontade constitucional dos cidadãos, dos Commons) e o Judicial (enformado no topo pela Suprema Corte). Este sistema, desenhado por Thomas Jefferson e sancionado, primeiro pelos Founding Fathers e depois pelos cidadãos corporiza a constitucionalidade americana, cujo texto confere poderes sagrados à vontade do Povo. Aliás, o texto constitucional americano tem uma virtude de ter como matriz “We the People”: Nós, o Povo.


2.


Outro aspecto importante, é o liberalismo económico e a consagração do direito à propriedade, bem como o direito individual, que confere aos EUA o estatuto de país geneticamente capitalista. Aliás, a revolução americana, contrariamente à francesa e à russa, foi o triunfo da burguesia. A classe média e comercial, frustrada nas suas expectativas em relações aos ingleses, demanda e conquista a sua autodeterminação e a sua soberania. Tocqueville, que estudou bem a revolução americana, repara que não é uma revolução dos desesperados, mas daqueles que querem mais esperanças para um modelo de vida de sucesso e de bem-estar. Defina-se o bem-estar, a acumulação e a ascensão como o ideário, o sonho americano, que Max Weber, mais à frente, vem analisar como o corolário da Ética Protestante, baseada no trabalho, na acumulação e no estoicismo da produção.


3.


Aspecto não menos importante é que a América surge no começo do século XX, como uma das 5 potências económicas. Acontece-lhe a primeira crise financeira em 1929. A Grande Depressão. O intervencionismo do Estado não só salva a Bolsa de Nova Iorque do crash, como transforma-a em maior bolsa do Mundo. A economia americana, com salários baixos, devido à mão-de-obra imigrante e negra, e à bolsa revitalizada, torna-se pujante. Com o fim da 2ª Guerra Mundial, a América é a grande credora da Europa e do Japão – o Plano Marshall – que a permite gerir os juros e consolidar o seu poderio geoestratégico junto a esses países, tornando-se (ao invés da Inglaterra e Alemanha) na maior economia do Planeta. Igualmente, intacta do impacto da Guerra, a América lidera o confronto ideológico entre o capitalismo e o comunismo, assumindo a Guerra Fria que, aparentemente ganha com a Queda do Muro de Berlim e com a instauração do ideal neoliberal, baseado no capitalismo financeiro (bolsista, bancário e monetário), pós industrial, a nível planetário. Alguém chamou isso, devido ao impacto global dessa nova economia, de Globalização.


4.


Politicamente, a América é um sistema multipartidário. Há partidos (vários) da direita à esquerda, bem como organizações independentes e assumidamente radicais. Mas de há muito, se calhar desde os primórdios, que se conformou a prática da bipolaridade: Republicanos (os conservadores, os da direita e os do centro-diretita) e Democratas (os progressistas, os da esquerda e os do centro-esquerda). Esse campo que permite a bipolaridade se chama “Mainstrean” ou seja o principal fio condutor do sistema, onde há grandes consensos já institucionalizados sobre os fundamentais da política (inclusive a externa), da economia e da constitucionalidade. No “Mainstrean” da Política é que tem gerado a dinâmica da alternância governativa, tanto no Executivo, como no Legislativo (nas duas câmaras) e no Judicial. Os partidos ou grupos políticos fora do “Mainstrean” têm uma expressão mais cívica, cidadã e social do que propriamente governativa, considerando haver na sociedade americana a tradição da acção cívica alavancadora de petições, impugnações, referenda e re-calls (anulações e repetições eleitorais), previstas na legislação americana. Em verdade, apesar da força real dos dois grandes partidos, o enformar das vontades políticas decorre da vontade arregimentada da cidadania. Aliás, a América corrigiu a ideia-quadro, herdade da visão grega da democracia, de um regime da maioria para um regime da cidadania, num quadro legal e institucional bem definido, onde imperam os direitos. Vejamos o caso do processo histórico dos afro-americanos na América que, nos anos 60, assumiram os Direitos Civis (num afrontamento dramático) e, mais tarde, conquistaram plenos direitos políticos.


5.


No âmbito do “Mainstrean”, as eleições presidenciais e outras, à excepção das locais, onde os independentes e grupos de cidadãos têm tido notável protagonismo, a alternância afirma-se entre Republicanos e Democratas. O ciclo político das presidenciais têm sido de dois mandatos, salvo raras excepções, marcadas pela crise, escândalo e/ou impugnação. Há um padrão, baseado numa prática costumeira, de 10 anos de Republicanos e de 10 anos de Democratas, igualmente salvo raras excepções. O ciclo e o contra-ciclo políticos iniciam e findam, na lógica costumeira do “Mainstream, respectivamente entre republicanos e Democratas. Assim, depois dos 10 anos da Administração Clinton/Democrata, sucedeu-lhe os 10 anos da Administração Bush/Republicano. O Democrata Al Gore/Vice-Presidente de Clinton, apesar de comandar as sondagens e a quantidade dos votos expressos directos, não conseguiu suplantar a lógica do contra-ciclo, bem enraizada nos delegados que iriam convencionar a escolha do novo Presidente (Bush, no caso), já que quem elege, em última instância, o Presidente é um Colégio Eleitoral, expressando a vontade colhida da cidadania. Por conseguinte, a entrada de Bush na Casa Branca marcou, não apenas o regresso dos Republicanos, mas de um segmento mais conservador com ideias mais arreigadas sobre as principais agendas públicas no momento: a geopolítica em relação ao petróleo, o terrorismo, a droga, os direitos humanos, o Iraque, o Afeganistão, a NATO, a Rússia, a China e a Europa. A Administração Bush ficou marcada pelo recuo de alguns direitos sociais, gastos militares, 11 de Setembro, a invasão do Iraque e o intervencionismo no Afeganistão e nos Balcãs. A classe média americana, a grande força cidadã dos EUA, começa a perder o seu poder de compra, afoga-se na dívida (sobretudo dos investimentos imobiliários e da ruptura dos cartões de crédito) e ressente, pela primeira vez em muito tempo, a subida dos combustíveis. Gera-se o descontentamento devido à guerra, a inflação e a má administração da coisa pública.


6.


O contra-ciclo político era favorável aos Democratas. Em tese, era a vez dos Democratas. Os Republicanos, numa missão difícil, apresentam-se os seus candidatos às primárias. Ganhara o menos parecido com George W. Bush, aliás aquele que o desafiara nas antigas primárias e dele fizera duras críticas – John McCain. Os Democratas apresentaram, não só a proposta de alternância, mas, pela primeira vez, a ideia da alternativa no quadro do “Mainstrean”. Vão às primárias com uma mulher – Hillary Clinton – e um mestiço – Baraka Obama (filho de um queniano e de uma americana branca). As primárias americanas denotaram a necessidade não só da alternância, mas dessa alternativa, tanto que preferiram aquele menos próximo aos anteriores poderes: o Senador de Illinois, Baraka Obama. Cedo, tanto na mobilização dos cidadãos e dos delegados, como na recolha de fundos para financiar a campanha, Obama mostrou-se mais dinâmico e mais adaptado à vontade dos cidadãos na reinvenção do “Mainstrean”. Escolhido oficialmente pelos democratas, o afrontamento passou a ser entre John McCain e Baraka Obama. Tanto as sondagens, como os debates, bem como ainda as angariações de fundos, denotam a clara vantagem de Baraka Obama que, não só acentua a ideia do contra-ciclo, como aproveita, com forte capacidade de liderança, o cansaço dos americanos em relação da guerra em duas grandes frentes e a crise financeira que vem minguando o seu poder de compra. A crise é tão acentuada que McCain não conseguiu se descolar completamente da imagem de Bush (com baixíssimo índice de popularidade) e das opções desastrosas dos Republicanos.


7.


Entretanto, estas eleições que culminaram a 4 de Novembro exigem uma análise complexa, multipolar e cruzada. Uma análise crítica de poliedro, onde vários factores interagiram para além da crise económico-financeira e a insatisfação da classe média, que, além de ser força económica real nos EUA, determinam a vontade do Colégio Eleitoral Americano. McCain era um herói da Guerra do Vietname (outro grande desastre e trauma americano) e tem uma trajectória moral impoluta. Mas a escolha de Palim à tabela de Vice não foi bem aceite e tomada como uma adição de soma zero. A Governadora do Alaska é mais conservadora que o Presidente Bush e obrigou a opinião pública a “colar de novo” McCain aos “falcões conservadores”. Isso pode ser um factor evasivo para o Candidato Republicano, para não dizer agravante e penalizante. Quanto a Obama a sua condição de mestiço (negro, para muitos) é um pau de dois gumes: de um lado, lhe garantia voto étnico, mas por outro lado poderia polarizar o debate na cor e na raça. A realidade mostra que apenas 12% dos americanos são negros, 15% são hispânicos, 8% são asiáticos e a grande maioria é branca. O desafio de Obama era ser o mais inclusivo e transversal possível, mostrando-se como candidato da alternância com alternativa para toda a classe média americana, sem deixar o apelo aos menos favorecidos da sociedade (onde estão muitos negros, hispânicos, asiáticos e outros. Em verdade, Obama tinha de se apropriar cada vez mais a matriz da constitucionalidade americana, baseada não em regime de pura maioria, mas na essência da cidadania plena para os americanos.


8.


Regozijamo-nos com a vitória de Baraka Obama. A América, em crise, precisa mudar de paradigma para buscar soluções à crise. Não são os 700 bilhões de dólares injectados pela Administração Bush, periclitantemente aprovados pelo Congresso, a panaceia da crise que é profunda. A América precisa de um novo lidar, que para além de ser jovem e “diferente”, aborde questões globais da crise, em termos financeiros, económicos, ambientais, energéticos, sociais, morais e éticos. O Estado passa a ser interventor na economia e nas finanças, e isso não será tarefa dos Republicanos e dos neoliberais fundamentalistas. A América deve repartir a liderança mundial com a Europa e a China… e nos parece que Baraka Obama está preparado para o “Job”. Vem aí o Brasil, a Índia e a Rússia, só Obama está pronto, sem os estigmas imperiais, para lidar com os novos fenómenos económicos e as suas demandas políticas no cômputo das Nações. Naturalmente, que o Sistema Americano (económico, financeiro, industrial, tecnológico e militar, bem como o geoestratégico) imporá limites a Obama. Ele não será o Presidente das nossas vontades e ansiedades, mas acima de tudo um Presidente americano, ciente dos interesses dos EUA em continuar na liderança mundial.


9.


Acreditamos também que será um Presidente generoso para com a África. A América continuará a ser apoiante do NEPAD e de incrementar os fundos do Milénio. As áreas de interesse – Egipto, Nigéria e África Austral – serão alargadas, demandando um esforço dos novos países para uma focalização na África Ocidental. O mercado da CEDEAO, o petróleo off-shore da Mauritânia e a posição geoestratégica de Cabo Verde (luta contra o terrorismo, a droga e tráfico humano, bem como o posto económico avançado do Atlântico, como já o é a China, e a Parceria Especial com a Europa) podem ser factores atractivos para uma Administração Americana liderada por Baraka Obama. Outro aspecto de domínio bilateral é o incremento da Cooperação Internacional, baseado no reforço do MCA, do AGOA e da cooperação militar. Igualmente, no quadro da Candidatura da Cidade Velha a Património Mundial da UNESCO e da subsequente inserção na Rota dos Escravos, reconectar com os EUA para a afirmação de novos e criativos investimentos no quadro do Turismo e dos Direitos Humanos.


10.


Finalmente, importa analisar as eleições americanas, não apenas como a rotina democrática dos EUA, mas um fenómeno de dimensão global e planetário. Com Obama na Presidência, haverá subida nas principais praças financeiras do mundo: de Nova Iorque a Hong Kong, passando por Londres, Frankfurt e Singapura; de Helsínquia a Joanesburgo, passando por Lisboa, Roma e São Paulo. Inclusivamente, as Nações Unidas, o Médio Oriente, o Darfur, a Geórgia, o Irão, a Venezuela, a Coreia do Norte e Cuba conhecerão novos cenários, quem sabe com novas oportunidades de (re) negociação. O grande dilema, e a isso temos de ficar cientes e conscientes, é se no cair dos novos muros, irão beneficiar as agendas do desenvolvimento, do comércio mais justo, dos pequenos estados insulares, das mudanças climáticas e da Paz como o Grande Activo para a Humanidade. Por tudo isso, as eleições americanas são importantes para o mundo e têm a ver directamente connosco.


Remake


Free at last. Estas eleições mudaram, por isso, a face da América e do Mundo. Passou a haver o antes e o depois de Baraka Obama. Quem não se lembra de Rosa Parks? Yes, We the People…we can.


terça-feira, 4 de novembro de 2008

Obama piange per la morte della nonna


...um Presidente com rosto (e coração) humanizado. Não nos quedamos indiferentes a estas lágrimas.

I, Too





I, too, sing America.
I am the darker brother.
They send me to eat in the kitchen
When company comes,
But I laugh,
And eat well,
And grow strong.
Tomorrow,
I'll be at the table
When company comes.
Nobody'll dare
Say to me,
"Eat in the kitchen,"
Then.
Besides,
They'll see how beautiful I am
And be ashamed-
-I, too, am America.
Langston Hughes

Hoje é o Dia


I Have a Dream
Martin Luther King, Jr.
28 de Agosto de 1963, em Washington, D.C.

Quando os arquitectos de nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e da Declaração de Independência, estavam assinando uma nota promissória de que todo norte-americano seria herdeiro. Esta nota foi a promessa de que todos os homens, sim, homens negros assim como homens brancos, teriam garantido os inalienáveis direitos à vida, liberdade e busca de felicidade.
Mas existe algo que preciso dizer à minha gente, que se encontra no cálido limiar que leva ao templo da Justiça. No processo de consecução de nosso legítimo lugar, precisamos não ser culpados de actos errados. Não procuremos satisfazer a nossa sede de liberdade bebendo na taça da amargura e do ódio. Precisamos conduzir nossa luta, para sempre, no alto plano da dignidade e da disciplina. Precisamos não permitir que nosso protesto criativo gere violências físicas. Muitas vezes, precisamos elevar-nos às majestosas alturas do encontro da força física com a força da alma; e a maravilhosa e nova combatividade que engolfou a comunidade negra não deve levar-nos à desconfiança de todas as pessoas brancas. Isto porque muitos de nossos irmãos brancos, como está evidenciado em sua presença hoje aqui, vieram a compreender que seu destino está ligado a nosso destino. E vieram a compreender que sua liberdade está inextrincavelmente unida a nossa liberdade. Não podemos caminhar sozinhos. E quando caminhamos, precisamos assumir o compromisso de que sempre iremos adiante. Não podemos voltar.
Digo-vos hoje, meus amigos, embora nos defrontemos com as dificuldades de hoje e de amanhã, que eu ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho norte-americano.
Eu tenho um sonho de que um dia, esta Nação se erguerá e viverá o verdadeiro significado de seus princípios: "Achamos que estas verdades são evidentes por elas mesmas, em que todos os homens são criados iguais".
Eu tenho um sonho de que, um dia, nas rubras colinas da Geórgia, os filhos de antigos escravos e os filhos de antigos senhores de escravos poderão sentar-se juntos à mesa da fraternidade.
Eu tenho um sonho de que, um dia, até mesmo o estado de Mississípi, um estado sufocado pelo calor da injustiça, será transformado num oásis de liberdade e justiça.
Eu tenho um sonho de que meus quatro filhinhos, um dia, viverão numa Nação onde não serão julgados pela cor de sua pele e sim pelo conteúdo de seu carácter.
Quando deixarmos soar a liberdade, quando a deixarmos soar em cada povoação e em cada lugarejo, em cada estado e em cada cidade, poderemos acelerar o advento daquele dia em que todos os filhos de Deus, homens negros e homens brancos, judeus e cristãos, protestantes e católicos, poderão dar as mãos e cantarem com as palavras do antigo spiritual negro: " Livres, enfim. Livres, enfim.
Agradecemos a Deus, todo-poderoso, somos livres, enfim.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Site do Ministério da Cultura


...porque, navegar é preciso.

Yes...we can



Pablo Picasso
Man with a lollipop





Identidades



“Mestiçagens Socioculturais e Procura de Identidade na África Contemporânea: o Caso dos Países Africanos Lusófonos” é o título da conferência internacional, sob a égide da Universidade de Cabo Verde (Uni-CV) e o Conselho para o Desenvolvimento da Pesquisa em Ciências Sociais em África (CODESRIA), que acontece esta segunda-feira, 3, e na terça-feira, 4, na cidade da Praia. Hotel Praia-Mar, mais precisamente. A não perder…



Ode Marítima



Luísa Queirós, uma das mais consequentes e coerentes artistas plásticos em (ou de?) Cabo Verde, inaugura, na terça-feira, 4, “Naufrágios e Barcos Abandonados”, uma exposição de escultura e pintura dedicada ao existencialismo (dramático, quase sempre) dos nautas, das naves e das navegações (in) conseguidas. Esta preciosidade acontece na Réplica da Torre de Belém, no Mindelo. Neste polegar da ilha, como diria Corsino Fortes, imaginamos essa mostra com ansiedade pessoana: o cais é uma saudade de pedra…



Solidariedade com Cuba



Na sexta-feira, 7, Mário Lúcio vai apresentar, no Cine-Teatro Municipal da Praia, um concerto musical em solidariedade ao povo cubano devido aos furações que fustigaram Cuba, recentemente. Depois, o artista seguirá em digressão internacional, promovendo essa mesma causa humanitária. Eis a agenda: Luxemburgo (Eglise St.Esprit) dia 12; Lollar (Kirchbergforum) 13; Potsdam (Nikolaisaal)14; Zürich (Moods - im Schiffbau) 16; St.Pölten (Musikcafe Egon) 17; Wien (Szene Wien) 18; Prag (Baracnickarychta) 19; Stuttgart (Laboratorium) 21; Dornbirn (Inatura) 23; Lisboa (Teatro São Jorge) dia 29 de Novembro. Os fundos angariados serão entregues ao Grupo de Solidariedade com Cuba. Eu sou solidário com Cuba; também por isso (e por muito mais), estou com Mário Lúcio…



Quase bíblico



É tempo" - tempo, talvez, de votar naquele que diz "Eu sou o escolhido". Parecido a Abraham Lincoln, Martin Luther King Jr. e a Jimmy Carter, Baraka Obama exala a “grandeza interior” que a América resguarda para, de forma recorrente, surpreender o mundo. Não haverá milagres, mas pela certa redenção dos males que afectam esse país e o mundo. Assisti, ontem, a um debate pela TCV sobre a “complexidade” das eleições americanas. Oportunidade perdida para se analisar as coisas de forma mais substantiva. Entrementes, rezamos (por um deus qualquer) que os votos não se derramem…

domingo, 2 de novembro de 2008

XLV

Não estejas longe de mim um só dia, porque como,
porque, não sei dizê-lo, é comprido o dia,
e te estarei esperando como nas estações
quando em alguma parte dormitaram os trens.

Não te vás por uma hora porque então
nessa hora se juntam as gotas do desvelo
e talvez toda a fumaça que anda buscando casa
venha matar ainda meu coração perdido.

Ai que não se quebrante tua silhueta na areia,
ai que não voem tuas pálpebras na ausência:
não te vás por um minuto, bem-amada,

porque nesse minuto terás ido tão longe
que eu cruzarei toda a terra perguntando
se voltarás ou se me deixarás morrendo.

Pablo Neruda

sábado, 1 de novembro de 2008

Luto no sertão

Pelo sertão não se tem como
não se viver sempre enlutado;
lá o luto não é de vestir,
é de nascer com, luto nato.
Sobe de dentro, tinge a pele
de um fosco fulo: é quase raça;
luto levado toda a vida
e que a vida empoeira e desgasta.
E mesmo o urubu que ali exerce,
negro tão puro noutras praças,
quando no sertão usa a batina
negra-fouveiro, pardavasca.


João Cabral de Melo Neto

Kai

Mínimo templo
para um deus pequeno,
aqui vos guarda,
em vez da dor que peno,
meu extremo anjo de vanguarda.
De que máscara se gaba sua lástima,
de que vaga se vangloria sua história,
saiba quem saiba.
A mim me basta
a sombra que se deixa,
o corpo que se afasta.


Paulo Leminsky

Manhã

Canta (e como me encanta) o peregrino,
esse pardal que chilreia de quase música,
e nele medram não só a suave neblina,
mas o que se soletra neste amanhecer...

Tanto canta que - aos seus males espanta
-, embevecido, se me instala o pranto,
pois esteta tem disso: vê poema e ledice
seja no temprano, seja no engodo e prosa...

Desacordado, no (re) verso, eis que cioso
sei que é pura fala tão disfarçada melodia,
quão fingida a lágrima que ora me percorre...

Mas já lúcido, na plenitude a animar o dia,
rio-me do que se mascara. Ser seu canto:
sinfonia. E minha tristeza: mais que pranto...



Filinto Elísio