domingo, 21 de novembro de 2010

Salmo 136


Nem por abandonadas se calavam
As harpas dos salgueiros penduradas.
Se os dedos dos hebreus as não tocavam,
O vento de Sião, nas cordas tensas,
A música da memória repetia.
Mas nesta Babilónia em que vivemos,
Na lembrança Sião e no futuro,
Até o vento calou a melodia.
Tão rasos consentimos nos pusessem,
Mais do que os corpos, as almas e as vontades,
Que nem sentimos já o ferro duro,
Se do que fomos deixarem as vaidades.
Têm os povos as músicas que merecem.

José de Sousa Saramago

domingo, 14 de novembro de 2010

José & Pilar


Ficámos na primeira fila para o documentário "José e Pilar". Ele era o Nobel e ela o pilar. A Pilar del Rio. Ambos em tela, música magistral, a morte simplificando em seu lento mas certeiro relógio o que se pontifica vida. Depois saímos de mãos dadas para uma pizzaria do meio do caminho e pudemos estar à luz de uma vela vermelha. Estranha sensação - a mesma sentida em Paris, no Les Deux Magotts, sabe-se lá pelas razões que a Razão não explica. Lindo documentário, dizia-te.

O filme, a um tempo, conota à ficção e denota ao factual. As biografias têm essa ambivalência de subverter o que aparenta. Uma ilha de Lanzarote, ventosa e lunar, com o enorme vulcão para subir e a vida em alteridade com a morte. Miguel Gonçalves Mendes conseguiu captar a essência: amor, antes e depois de tudo. A humanidade do amor. Às vezes, sob o disfarce do ateísmo e do olhar materialista (e dialéctico) da vida; outras vezes, rendido ao altar dos cânticos e à fé nas coisas que não se explicam.

Por mistério (ou por falta dele) o Rei D. João III, de Portugal, presenteia o Arqueduque Maximiliano, da Áustria com um elefante. Enquanto a "Viagem do Elefante" se escreve e se corporiza em livro, o documentário desfia a história de Saramago em seus últimos anos de vida e a força de Pilar, que amando o homem, nos permite o José que havia em Saramago. O Nobel...

sábado, 13 de novembro de 2010

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Poema Começado no Fim

Um corpo quer outro corpo.
Uma alma quer outra alma e seu corpo.
Este excesso de realidade me confunde.
Jonathan falando:
parece que estou num filme.
Se eu lhe dissesse você é estúpido
ele diria sou mesmo.
Se ele dissesse vamos comigo ao inferno passear
eu iria.
As casas baixas, as pessoas pobres,
e o sol da tarde,
imaginai o que era o sol da tarde
sobre a nossa fragilidade.
Vinha com Jonathan
pela rua mais torta da cidade.
O Caminho do Céu.

Adélia Prado