segunda-feira, 11 de maio de 2009

O Imprescindível


1.
Levitam-se, nesta manhã de Maio, todos os espíritos bons e sábios. O que se furta à luz deste dia é o meu pai ter feito 80 anos. Anastácio Filinto Correia e Silva é um homem sábio, sereno e tolerante nesta matura idade. O imprescindível. Com inteligência e humor prontos a disparar. Em tudo o que, de paz interior, lhe consente a vida…

2.
A partir deste momento, o Albatrozberdiano está suspenso. Fechado para balanço. Quero ter tempo e vagar (calma, sobretudo) para escrever Os Apontamentos de Denise, um romance que me dá voltas à cabeça e quer ser livro ainda este ano. Também anuncio para Julho o fim das crónicas no Jornal A Nação. Quero escrever menos para escrever melhor. Tudo não passa de ponderada e lúcida postura. Há uma hora para cada coisa. Pode-se, sem tornar ninguém infeliz, mudar de rumo e de vida. Pode-se arrepiar este caminho e andar outra estrada que não esta. Pode-se dançar outra música, a mais inaudível, todavia melhor meditada. A partir deste momento…

3.
A rapaziada (yes, we can eat..Big Mac) há-de ficar mais confusa nas eiras e nas beiras. O entardecer da idade, já dizia Eugénio Tavares, trar-nos-ia o imorredouro sentimento de amor. No devagarinho, vaticinara-o com inusitada confissão de Poeta. E o que rebrilha ali, dir-se-ia o sol em estribilho, são leiras de nada e outras sesmarias. Basta esse despautério de idiota da aldeia. Artífice preguiçoso de verbo trapalhão era só o que me faltava. Basta de mariquices da pequena prosa. De resto, não há como aplainar o cânone sério. Precisaria, sim, de tempo útil para escrever de pulso aberto. Para cuidar do lume brando que a cozedura literária exige. Para fazer a tenra broa de côdea fina, esse melhor recheio que a metáfora determina. Fique, pois, confusa a rapaziada.

4.
Eis a cidade. Eis o labirinto, os esfíngicos becos desta urbe. Predicam-nos infernos, os desta paróquia. Predicam-nos também céus, mas pleiteiam-se em nós verbos para pintar seus homens. Eis a tinturaria com verdes diluídos em cabo magenta. O barroco tropical seco. Uns que envilecem, outros que envelhecem. Uns são como parra e dão em nada; outros, como tu, são uva boa e dão vinho maduro. Talvez fosses à frente franquear-nos a porta do velho casario. Ou a anunciar-nos o fim de um ciclo. E o começo de uma outra conjura…

quinta-feira, 7 de maio de 2009

O único impossível



0. Essencialidade
O que faz a poesia, no meu modesto encarar, é a essencialidade poética vis-a-vis a realidade. A realidade pode ser apaziguada e/espasmódica. Ela pode ser a sua própria dialéctica, a sua irrealidade. Ou, ainda, a sua surrealidade. É tudo uma questão do sensacionismo com que nos apercebemos dela. Por isso, “O único impossível”, de Ovídio Martins, tem a mesma essencialidade estética que “Saudade”, de Januário Leite.
1. O único impossível
Mordaças
A um poeta?

Loucura!

E por que não
Fechar na mão uma estrela
O Universo num dedal?
Era mais fácil
Engolir
o mar
Extinguir o brilho aos astros
Mordaças
A um poeta?

Absurdo!

E por que não
Parar o vento
Travar todo o movimento?
Era mais fácil deslocar montanhas com uma flor
Desviar cursos de água com um sorriso

Mordaças
A um poeta?
Não me façam rir!...

Experimentem primeiro
Deixar de respirar
Ou rimar...mordaças
Com liberdade

Ovídio Martins
2. Saudade
(À memória de minha estremecida mãe)
Alma mais simples do que a flor singela,
E coração de rola a mais sentida,
A minha santa mãe inesquecida
Era o ideal das mãis: tal era ela.
Não mais verei a luz da minha estrela
No céu caliginoso desta vida!
Que resta a [à] alma, pela dor vencida,
Nas trevas desta noite de procela?

Apenas mil lembranças! e, suspenso,
O éco da sua voz e a soledade!...
Ó mãe, se numa balança, tal qual penso,

Existe no teu mundo, a eternidade,
Mãe, põe dum lado o teu amor imenso,
E doutro lado põe: a minha saudade!

António Januário Leite
3. Poética
Houve do evadir das palavras
Como haveria, outrora, de fugir
Aos tempos verbais de jaez ou raiz
De um sol fulminado em fulminante,
Algo como poética…

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Boche é brom!


Foto de Xam


Logo eu que trocara, não os vês pelos bês, mas minaretes por minetes (mais por descuido que trocadilho), se calhar na calha de Alexandre O'Neill - Boche é Brom! -, fiquei ali, prostrado e demorado, a ver pela cara dos presentes. Mas este gajo ganha a vida a escrever poemas? Em verdade, este gajo ganha a vida a aturar quem atura, pondo no lugar a sintaxe toda e escondendo a semântica, onde cotovias, quanto não cucos, eram o que se via pela fresta das palavras. A vidinha afinal (e não há que se estar condoído com a sorte, se há tanta gente sem norte) resume-se a estes erros de paralaxe. Vamos, pois, ao Moamba animar o estômago, pois que as pretas estupidamente geladas entram lisas com os carapaus fritos e o resto será poesia. Queres saber para quando o fim do Albatrozberdiano, este blog que já vai longo. O meu irmão António, de todos o mais sábio, porque de racionalidade mais infinita, diria: Concentra-te para a literatura mais de monta, para o romance que de ti se espera. Talvez devesse eu ir às Conferências de Estoril ver Blair e Aznar, mas, nas horas que me sobram nesta Lisboa luminosa, ou poema ou nada. De resto, escreveria a sentença poética de Eugénio Melo e Castro: A poesia é um gozo/o leitor/deve sentir-se gozado. Estou a ver pela cara dos presentes, repito! Prometo ao escultor Moisés, que é vegetariano e esculpe menires que voam, uma cachupa de algas marinhas. Estou mais calhado para o vate poético, balbucio-me. Por isso, outro livro está já pronto: Diversa prosa de quase verso...

A Casa dos Budas Ditosos

A Casa dos Budas Ditosos - João Ubaldo Ribeiro

Poema à mãe

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe!

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos!

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais!

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura!

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos...

Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me? -,
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
"Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal..."

Mas - tu sabes! - a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu...

Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas...


Eugénio de Andrade

terça-feira, 5 de maio de 2009

Sob-notas

Violão de Lela

Faleceu ontem, aos oitenta anos, Manuel Tomás da Cruz, mais conhecido por Lela Violão, toada de seresteiro, ser humano bom, meu amigo. Em Lisboa, onde me encontro, choro a eternidade da sua ausência. Tocador nos bailes da boémia, desde os 14 anos. Ele deixou-nos um disco - Caldo de Rebeca - em parceria com o violinista Martin Schaefer. Em verdade, não faleceu o Violão. De Lela…


Aleluia pantagruélica

Deixei de ir ao espectáculo de Lenny Kravitz, no Pavilhão Atlântico, para jantar em casa do Mito e da Rita, no Bairro Alto. Para além dos donos da casa, somos eu, Abraão Vicente e José Cunha. Aleluia pantagruélica, regada a bons vinhos: Gambas ao Molho de Alho Francês e Pato no Forno e Arroz de Alho – um poema. Cunha, um dos grandes poetas cabo-verdianos a emergir, fez incursões dramáticas sobre a minha poesia.


Feira do Livro de Lisboa

Acordo neste dia 6 de Maio, em quarto de hotel, ouvindo Unforgettable, de Nat King Cole. A só (e sozinho, como me sinto), balbucio a frase de Jorge Luís Borges: “Que outros se gabem dos livros que lhes foi dado escrever, eu gabo-me daqueles que me foi dado ler.” Por isso, releio A Casa dos Budas Ditosos, de João Ubaldo Ribeiro, um romance obrigatório. Também por isso e antes de ir lançar Li Cores & Ad Vinhos, hoje às 18H00, ao Centro Cultural de Belém, passarei o dia no Parque Eduardo VII, na Feira do Livro de Lisboa.

sábado, 2 de maio de 2009

Alas de Mariposa


A Francisco Fragoso e João Branco, personas...


Campo de Concentração do Tarrafal

Naturalmente que não sou apologista de uma celebração inflamável, como se todos tivéssemos pavios curtos, do passado. Entretanto, não poderemos perder a consciência em relação à abominável condição humana em que se vivia no Campo de Concentração do Tarrafal. Nem deveremos permitir a lavagem da memória dessa tragédia, pois nem estaríamos a exorcizar os fantasmas (que elas existem, existem), nem estaríamos a construir um futuro saudável em temos dos Direitos Humanos. A História não se resume à interpretação dos dados documentais, pois estes também não são neutros, nem isentos, como aliás todos os testemunhos. A própria Ciência não poderá ficar imune às nossas abstracções e às nossas condições afectivas, sociais, históricas e culturais. A própria Ciência é produto histórico e, deste modo, a ciência com que olhamos o Campo de Concentração do Tarrafal…
Pathos nacional
Ainda que possa desagradar a gregos e a troianos (e a risco de melindrar cabo-verdianos), reafirmo, ou não serei eu pensador por conta própria, que a sagrada família política ficará mais enriquecida com o afrontamento político entre Carlos Veiga e José Maria Neves, duas pérolas políticas (prevaleçando este itálico) de Cabo Verde. Pelo dito e pelo visto, e só para confirmar o pálido exemplo destas palavras, atente-se ao famoso debate, mediado pelo jornal A Semana, indiciador aliás da "última fronteira"do pathos nacional. Não sendo as únicas soluções dos seus respectivos campos políticos, já que afinal (e ainda bem) o cenário se torna hoje mais complexo, creio gizarmos por esses dois cavalheiros a formatação de novas ideias e de outras vontades conducentes ao mainstrean político que anda a faltar ao País.
Chuva ácida
Não poderei ficar calado, nem deixar de expressar a minha indignação, diante do execrável artigo (encomendado e pago, diga-se de passagem), no Jornal Expresso das Ilhas, que se presta a uma desproporcionada tentativa de "linchamento moral" da minha irmã Benilde Correia e Silva e a de um maquiavélico "abuso psicológico" da sua filha Carine, de apenas 11 anos. A minha irmã, protegendo o bom-nome e a estabilidade emocional da filha, pesando ainda as responsabilidades públicas e sociais que tem, não poderá reagir nos mesmos termos e com as mesmas armas. Ademais, sabendo tudo não passar de um ardiloso plano de fugir aos tribunais e às responsabilidades (penais e civis) de "quem falsamente a acusa" e/ou de um desespero de causa em relação à justica que tarda, mas não falha, creio piamente estarmos aqui perante um demente a magicar "crónicas da morte anunciada". E, como diria o Poeta, as minhas dúvidas mais sombrias pairam no ar como nuvens de lixo tóxico prestes a desabarem sob forma de chuva ácida e corrosiva. Mas Deus tem...
Poësis, naturalmente
Claro que a vida continua, mesmo se os problemas imediatos são os homens-cães e vice-versa, desses que Arménio Viera espanta "não ladrarem". A realidade é esta e não importa chamar de monstros simples moínhos inertes, passe a metáfora quixotesca. Não há como fugir a metaforizar o discurso e chamar bois bravos às vacas loucas. O resto é ir vivendo, em poesia. Ou na Diversa Prosa de Quase Verso, livro que termino por estes dias. Os amigos, os verdadeiros amigos, terão entretanto a distrair com Li Cores & Ad Vinhos, ora no mercado. Prometi, sem arrogância e de coração aberto, dar autógrafos. Os Li Cores vão para os meus pais Hermínia Cardoso Correia e Silva e os Ad Vinhos para os poetas da minha geração José Luis Tavares, Valentinous Velhinho, José Luiz Hopffer Almada, Vasco Martins, Tchalé Figueira e Mário Lúcio Sousa.