sábado, 30 de dezembro de 2006

Cabo Verde a partir do Espaço

Casulo


Te amo sobretudo os lábios
e a resina viscosa dos teus seios,
pois a vulva dos teus olhos enlaça
a sedução invisível dos meus pêlos,
onde começo a viver e me embaraço,
porque me mato de amor quando te vejo.
Dimas Macedo

quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

A LUA (dizem os ingleses)

A LUA (dizem os ingleses)
É feita de queijo verde.
Por mais que pense mil vezes
Sempre uma ideia se perde.

E era essa, era, era essa,
Que haveria de salvar
Minha alma da dor da pressa
De... não sei se é desejar.

Sim, todos os meus reveses
São de estar sentir pensando...
A Lua (dizem os ingleses)
É azul de quando em quando
Fernando Pessoa

terça-feira, 26 de dezembro de 2006

Praia de Santa Maria, regimentar o Regime & Boas Festas

Mote


Em conversa trivial com um confrade a política veio ao de cima. Para variar. Nem sempre falamos de poesia, infelizmente. Mas isso não deixa de ser um exercício de cidadania. Até porque especular sobre as suas latitudes, sobretudo a jeito de “jogar conversa fora”, não é apanágio e muito menos monopólio dos arrogantes da praça. Discorrer sobre a política deve ser direito e dever de todos. Havendo por baliza apenas o cavalheirismo e a elegância. Até porque, como diria alguém que bem conheço: ordi mata ka tem…

A cidadania municipal

Chegou a hora de os cidadãos da Cidade da Praia almejarem mais direitos políticos. O Estatuto Especial não poderá ser meramente administrativo. Ele terá de ter consistência política. Poder de decisão e de barganha, sobretudo. É preciso complementar a democracia representativa, praticada actualmente, com mecanismos de democracia directa. A cidadania municipal deverá vir à ordem do dia. Assim os cidadãos, através de iniciativas populares, teriam direito a fazer petições e a convocar plebiscitos, a embargar realizações lesivas à comunidade. Os cidadãos estariam a intervir directamente em vários aspectos da gestão municipal. As mudanças de nome dos bairros, ruas e logradouros seriam realizadas com o aval e a aprovação prévia da população interessada, através de petições expressivas, por exemplo. Uma inovação e tanto, mas que significaria apenas o cumprimento da Constituição Nacional, a rezar que estes poderes emanam do povo…
Ombudsman para o cidadão
E a mudança poderia ir mais longe. Que tal a Praia passar a contarcom a figura de um Ouvidor Municipal (chamado noutras paragens de Ombudsman) para defender os direitos dos cidadãos municipais, cobrando providências e coerência às autoridades? Um Ouvidor Municipal com voz e vez na Assembleia Municipal. Um Ouvidor Municipal que não estivesse filiado a partido político durante o exercício da função e olhasse tão-somente para a Praia que começa a ganhar velocidade e já não pode parar…


Uma questão de regime

Neste século, ou a democracia é participativa, ou o regime democrático, como nos é servido, será cada vez mais esvaziado, posto que não passa de um jogo formal no qual a cidadania só tem acesso decorativo. Para já é preciso ir além dos partidos e permitir espaço real aos cidadãos. Ademais, mesmo no “framework” dos partidos, precisamos de novas realidades de política activa que não apenas o bipartidarismo instalado, um tanto subliminarmente entre nós. Não que o bipartidarismo não tenha sido testado, com relativo sucesso, noutros lugares e noutras circunstância. Todavia, entre nós ele é empobrecedor. Ele não configura virtudes, nem galvaniza os rudimentos do nosso modelo constitucional que demandariam um mosaico parlamentar mais diverso e colorido, mais compatível com a natureza do regime que se quer…


Boas Festas


Leitores, não seria redundante afirmar quantas felicidades e venturas, quanta saúde, vos desejo a todos neste ano que vem aí a começar?

segunda-feira, 25 de dezembro de 2006

I got you (I feel good)



(...)
I feel nice
Like sugar and spice
(...)

Numa manhã de Natal, morria Charles Chaplin, o Charlot, em 1988. Agora, neste ano de 2006, para mim o mais aziago de todos, faz das suas também no Natal. Morreu James Brown, o pai da soul music. Mister Dynamite. O homem que, sem perder a áurea do gospel e do rhythm and blues, dedicou a sua vida a sonoridades mais energéticas. Se Charlot fazia rir e chorar, Brown fazia cantar e dançar. Ele era considerado o criador do rap, do funk e do “disco”. Mas era sobretudo alegria e movimento. It´s a man´s world. Ou Sex Machine

domingo, 24 de dezembro de 2006

Praia Maria di Speransa bó ki é di meu

Natal na praia

Um Pai Natal com 30 metros de comprimento foi esculpido no areal da praia de Puri,
no estado indiano de Orissa.
Foto: Biswaranjan Rout/AP

sábado, 23 de dezembro de 2006

Santa Claus

Quis Deus
Que este momento
Fosse de ti apartado
E serenamente
Sonho
O dia
De
te olhar de novo
Aqui
, ali ou na morte
Assim
ou doutra forma
Tua
sombra ou fiapos de ti
Algo que me lembre outrora
Quando
Deus também quis e eu
Servo
de ti celebrava o dia soletrado…

sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

Boston Mood

Natal



Os Sinos de Natal
são cristalinos
testemunhos de Deus
e fazem bem.

Os Sinos de Natal
nas Torres de Belém
tocam matinas de luz
para um menino.

Nos Sinos de Natal
bronzes divinos
se fundem
e fazem hinos de amor
ao Santo Graal.

Nos Sinos de Natal
a minha infância adolesce
e em seus badalos de ouro
eu ponho a minha prece.

Ouço Jesus falando
em suas partituras.

Teço escrituras de luz
às notas musicais
dos Sinos de Belém.
Dimas Macedo

terça-feira, 19 de dezembro de 2006

Faltou luz em casa


Fotografia de Hélder Paz Monteiro
Mostra na Reitoria da Universidade de Cabo Verde
Dezembro de 2006

Notas soltas de Natal


0.
Em ocasião natalícia, o pessoal não devia fazer greve por tempo indeterminado. Há momentos que são de trégua. Há outros que são de paz e concórdia. Venham todos, familiares, amigos, afectos e desafectos, para a cristandade do momento. A Cidade da Praia já está cheia de luzes. O frenético das lojas, para o gáudio dos comerciantes, revela a dinâmica da hora. Ninguém ficará indiferente. E que ninguém leve as minhas coisas a mal. Sou sempre, mesmo na incapacidade, um ser de boa vontade. Mas estou triste, triste, triste…

1.
Este é um Natal onde não estás. A vida continuará, frenética e festiva, mas a tua ausência é triste e eterna. Jamais haverá Natal no meu coração, ainda que os feitos, tais como as orgias, reguem do melhor vinho outros encontros. As crianças brincam ruidosas. Os Natais têm a ver com elas de facto. E tu ficarás sempre ali, nas coisas que nunca digo, a velar por todos. Cada detalhe, és tu. Cada pequeno nada deste Natal onde não estás, é o teu desmedido amor…

2.
Herdei da minha mãe a ternura de ver as coisas. Com o meu pai, aprendi a duvidar do Verbo ser o primeiro acto. Soube que a Poesia é o Criador, a palavra, morfológica e concreta, é sua pura criatura. Com os meus filhos, vou aprendendo as malhas do mundo e vou deixando neles a minha marca indelével. Pressinto-os no latejar das minhas veias e queria que, um dia, me cerrassem os olhos. Sem liturgias, mas com perfumada poesia…

3.
Ajudei a organizar um Fórum. Falava-se ali sobre o Desenvolvimento Regional da Ilha de Santiago. Era uma coisa generosa, inclusiva e aberta. Era mais Cabo Verde. Tão diferente do sentido hegemónico de certos desacertos, que, ao longo dos anos, nos têm imposto elitezinhas levianas, desesperadas e bairristas. Tão à margem das conspirações regionalistas, e seus lobbies assombrosos, que desviam mundos e fundos para que não se desencravem os moradores de Santiago nos seus rincões e cutelos, achadas e fajãs, nossas leiras de terra enfim, sonho incisivo e visionário do poeta António Nunes. O Fórum de todos os cidadãos ciosos desta ilha maior e matricial, onde nasceu e tomou corpo a aventura crioula. Santiago, meu santo de todas as sementeiras, aqui me encontro. Estamos aqui. Por Cabo Verde…

4.
Com estas palavras vou sendo eu perante o mundo. Escrever, para mim, é deixar vestígios do pensamento e das andanças. É mostrar-vos as minhas máscaras, umas que levo aos bailes, outras que apresento nos velórios. Outrora, poeta pela contestação. Agora, contestatário ainda, mas pelas mais poéticas razões. Escrever, na alvura deste linha, é trazer pontos especiais do azul. E nesta solidão de mágoa sem cura, o azul da eterna idade é o que aqui desejo…

5.
Ficam, aqui e agora, os meus votos de Boas Festas. Aos familiares, amigos, afectos e desafectos…


sábado, 16 de dezembro de 2006

NATAL



Dou dos dados metáforas que tenho,
Até dava a larva que a vida trava,
Tudo soletrado em soneto, palavra
E o que me encrava, desde o antanho…

Dou também, como daria, verbos,
Interstícios e garbos, só vícios de mim,
Misérias sim, natalícios desencontros,
Outrora eras Musa, agora solstícios assim…

Se desse, já que algures darei, o corpo
À terra de estar contigo, Senhor permita
Que tramita em lacre meu pensamento…

E de tudo dado, e desse dar ali sobrasse,
Contentamento e, por ti, doce momento,
Errante nuvem, e eu aqui em viagem…


Filinto Elísio

sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

D I Á R I O




Na agitação dos dias
e nos dias que são gastos
a vida esvai-se
e a vida se faz tudo.
E a morte se fez medo
onde lancei os dados
e ofertei os dedos
e afaguei
o tecido polido destas rugas.
E a sensibilidade da vida se fez surda
e a metafísica do mundo se fez mágica
e a magia do sonho em mim se fez abstração
porque a expressão do corpo é a verdade
e a claridade da alma é a paixão.
O sentido da vida: a liberdade.
A arte: minha suprema realização.
Dimas Macedo

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

O Fórum da hora

O Fórum da hora

Chegou a hora de reflectir e debater Santiago. Sem complexos, mas com complexidade. Ver Santiago em números e pensá-lo à luz das suas potencialidades. Pressentir Santiago em História e projectá-lo para um futuro de desenvolvimento. Amar Santiago em perspectiva e levá-lo para o ponto (mais que necessário, ó céus) da regionalização. Chegou a hora de dar um passo em frente e esquecer os fantasmas do quotidiano. De fazer a catarse essencial, para não dizer a exorcização necessária. Um problema tão complexo não deve ser encarado com simplismo para não resultar em complicação. Por isso, o Fórum é mister. É must. É hora...


Praia imparável

Falando, mais de perto e mais frequente, com Felisberto Vieira (Filú), Presidente da Câmara Municipal da Praia, entendo a razão de haver optado pela Praia ao invés da liderança partidária. Em verdade, pouco tempo depois desse recuo temporário, mas estratégico, Filú apresenta uma nova dinâmica, aliás prontamente reconhecida pela imprensa. A Praia começa a ganhar pinta e velocidade. Uns aplaudem, outros reclamam. Estes e aqueles são necessários para aquecer a locomotiva, diga-se. A dialéctica é o tónico para avançar as coisas. E as prioridades parecem estar definidas. A prioridade das prioridades, é o Estatuto Especial, esperando que desta feita a classe política não venha apoucar, por tão poucas razões, a capital de Cabo Verde. E, almejando que a edilidade até então morna e apática face aos desafios autárquicos ora surpreenda a todos pela positiva, pergunto: Significa que vamos desengatilhar todos os projectos e fazer a Praia entrar na rampa do desenvolvimento? A expectativa é que 2007 seja o ano em que muita coisa saia do papel. Queremos, com sentido de causa e de consequência, uma Praia moderna, competitiva e imparável…

Paixão Atlântica

Prestes a deflagrar o que pretende seja um sistema municipal de excelência, Filú terá que conciliar a busca da modernização com a superação de alguns atrasos estruturais da Praia (e de Santiago) que beiram o descaso e o escândalo. Uma realidade incompatível com o século XXI, e que não cabe numa capital que se quer Paixão Atlântica.

Livros

O bom livro é aquele que me agrada. Não me interessa se é de consagrado ou de novato, literatura clássica ou contemporânea, prosa ou poesia, texto definitivo ou descartável. Estes predicados somente têm importância em relação à ocasião, com espírito de o degustar, folha por folha e a cada momento. Caetano Veloso diria amar os livros com amor táctil. Gostar de tocá-los, na fímbria com que se devota tocar nos maços de cigarros. Cada escrita tem a sua hora certa e quando isso é verdade, como agora que leio Zadie Smith, os livros são momentos inesquecíveis.

Discos

O que é válido para livro, também o é para disco. De repente, em surpreendente e positivo espanto, escuto em primeira-mão o disco de Frederico Hopffer Almada, arquitecto que responde aos amigos e conhecidos por Nhonhó Hopffer. Antes de mais, prevalece aqui o bom gosto das músicas seleccionadas (e dos compositores da mais fina estampa nacional). Depois, o arranjo impecável de Kim Alves que extravasa na música, o que não afirma no discurso (e nem tem de o fazer, diga-se de passagem). Finalmente, o próprio Nhonhó, afinadíssimo da silva, a introduzir uma toada rouca e lamentosa, dolência de um certo cantar nas profundezas de Santiago, ilha maternal e matricial. Sinceramente, gostei. E recomendo o disco a todos. Este foi o ano do “Navega”, de Mayra Andrade, “Ao vivo e aos outros”, de Mário Lúcio, “Traz di Son”, de Ângelo Barbosa, “Dança das Ilhas”, de Kim Alves, e “Fragmentos”, de Ricardo de Deus. Será que entrámos na espiral do bom gosto? Quem dera…

domingo, 10 de dezembro de 2006

quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

Beijo

Um beijo em lábios é que se demora
e tremem no abrir-se a dentes línguas
tão penetrantes quanto línguas podem.
Mais beijo é mais. É boca aberta hiante
para de encher-se ao que se mova nela.
É dentes se apertando delicados.
É língua que na boca se agitando
irá de um corpo inteiro descobrir o gosto
e sobretudo o que se oculta em sombras
e nos recantos em cabelos vive.
É beijo tudo o que de lábios seja
quanto de lábios se deseja.


Jorge de Sena

O Beijo...de Picasso

segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

Liberalização

A liberalização não se faz assim. Chegar com o mínimo e entrar no ar? Não devia ser assim, mas às vezes é. Não ponho em causa o mérito das televisões concorrentes. Todavia, estranhei que o processo se ajeite numa entrega de alvará a todas as proponentes, cabendo ao mercado fazer a regulamentação do sector televisivo. Parece-me haver alguma confusão nos espíritos, meus senhores. Uma meia dúzia de concorrentes alinha-se para a atribuição de licenças de televisão em sinal aberto, nomeadamente TV Record Cabo Verde, RTI, Media Press, Tiver, Nôs TV e TV Lacacan. Aparentemente é boa nova. Mas, pensando crítica e analiticamente, a liberalização deve ser mais processual e mais criteriosa. O concurso devia limitar, antes de mais, uma quota de entrada gradual e faseada, tendo como parâmetros as “máximas” e não as “mínimas” condições para operar. Assim como está sendo feito, prevaleceram todos, pois “Não deparámos com nenhuma irregularidade no processo. Todos cumpriram com os requisitos mínimos”. Ademais, democracia não é quantidade, mas qualidade. Ora, isto é empobrecedor e sub nivelado, deixando a impressão de que, em breve, haverá arrependimento por tanta pressa e alguma demagogia…

sábado, 2 de dezembro de 2006

Tamareira



Tristeza, minha Tamareira? Assim como “os frutos dos coqueiros não são só cocos”, o amor vai para lá das tâmaras. Não direi aqui das coisas veladas. Nem mostrarei o fio de Ariana no labirinto em que te encontras. Olha-te ao espelho, meu tudo. Acaricia-te até que o Narciso quede ali de quatro. Sacia-te da fome e sede, das coisas por dizer e por fazer. Lambuza-te das flores e dos frutos. Broas, vinhos, uvas, azeitonas e alcaparras. O pão saloio das mesas de vime e crepitem no pensamento os teus imortais pecados. Solta-te, do âmago, das profundezas de ti. Pródiga festa de ti própria. Fica nas dunas, em beleza tão-somente. Tu és bela, Tamareira. E fique tudo em melindre, inclusive as coisas que não digo. Inclusive, as noites de lua. As noites sem os dias indexados. E agora é Música…

terça-feira, 28 de novembro de 2006

Diversidades






Mote

Esta é a 600ª crónica. Um número histórico e redondo. Eis-me azafamado na recitara desta crónica, com a linha incisiva no linho da verdade. Não me faltam leitores a pedir para que eu republique uma ou outra crónica. Ou as minhas palavras fizeram-nos rir ou porque os comoveram até as lágrimas, estes amigos querem ler de novo o já escrito. Pode? Em verdade, as crónicas terão de ser irrepetíveis…

Elites

Falou-se por aí das elites. Elas são importantes, sem dúvida. Há que as ter de facto. Mas elas não nascem assim, acidentalmente e sem sustentabilidade, apenas porque um punhado de indivíduos ganhou algum rendimento ou fez determinada formação. As elites não podem ser mamonas bravias pelas achadas e fajãs. E muito menos, mamonas assassinas. Os países hoje em dia têm uma estratégia de formar e consagrar as suas elites. Fazem-no inscrevendo os seus quadros nas melhores universidades do mundo, tanto para a pós graduação como para a investigação. E as melhores, me perdoem esta informação categórica, estão na América e na Inglaterra. Vejamos os 10 melhores:

1
Harvard University
2
University of Cambridge
3
University of Oxford
4=
Massachusetts Institute of Technology
4=
Yale University
6
Stanford University
7
California Institute of Technology
8
University of California, Berkeley
9
Imperial College London
10
Princeton University



Homenagem

Um dia de homenagem a António Correia e Silva, não por ter sido nomeado Reitor da Universidade de Cabo Verde, mas por ter aceite este novo desafio com a modéstia e a sabedoria que lhe são próprias. Foi oportunidade para falarmos sobre os grandes desafios futuros. Como cruzar democratização com a qualidade de ensino? Eis a grande questão. O Pranchinha, que é parte da nossa gente, leu em voz alta um artiguelho no jornal A Semana. Hilariante. O pretensioso, frustrado de tanta fome política morrer na praia, indaga para quê da Universidade e numa recitara, que só Freud explica, se deslava em violência, revelando o pobre e o podre do seu pensamento.

Sem nome

Sem nome? Será que entendi bem? O António, que muito bem conheço, e que não foi educado às sopas dos poderes e às cunhas das fundações, nem foi facínora na política activa e muito menos desertor face às tempestades; esse meu irmão, de corpo e alma, que não vende o país a interesses universitários estrangeiros, nem paga manchetes nos jornais locais; esse, que combate pela História e pode saltar qualquer fogueira, tem nome sim. E currículo, ganho sem corrupção alguma…

Pela Marginal

Enquanto dirijo o automóvel, ouço pela rádio à sessão da Assembleia Nacional. O debate possível está longe do debate necessário. E mais longe ainda do entendimento que o País demanda. Sobra em bizantinice o que falta em bom senso. É rir para não chorar. E ainda por cima, às expensas públicas. Assim nau, nau, nau…

IVA

Sobre o quiproquó do IVA, é o que se vê. Na TV, ao invés do requentado para animar a malta, fazia falta os preços regressarem à decência. Mas isto parece uma grande brincadeira. De rir para não chorar. Muito barulho e pouca solução. E eu, na sexta que vem, como a maioria dos mortais, farei as minhas compras da semana. Que ódio…

quarta-feira, 22 de novembro de 2006

As contas de sempre




As contas de sempre

Antes de mais, as contas à vida. Fazê-las assim – à moda “fechado para balanço” –, obriga-me a ver o mundo com os óculos que ora disponho. Às vezes, com lentes para ler ao longe, diria mesmo aqueles de avista montes ou simplesmente a linha do horizonte. Quiçá para além dela. Outras vezes, com lentes para ler de tão perto, quase ao redor da minha própria sombra ou do zoom de olhar estas mãos. Quando não aqui dentro, onde as coisas fazem outro sentido…

A esquina rota

Demoro-me à esquina dos dias que a cidade concede. Queria vivê-la doutro molde, que não deste, e poder amar, de amores mesmo, os seus deuses rotos. Apreciar, como quem tragasse de um golo, o néctar venenoso da sua esquina rota. Os preços disparam, em efeito dominó, e as explicações não apaziguam a mesa do vulgo em polvorosa. No autocarro nº 10, do Blog SoPaFla, as pessoas estão indignadas com as novas tarifas. À porta do Mercado Municipal, uma vendeira balbucia vergonhosamente os novos preços. Na Praceta, o Conde de Silvenius fala-me da crase, ora detectada no Sintaxe do Desejo, de Dimas Macedo, amigo e poeta cearense. Já tenho idade para assumir todas as verdades. A de um faustino despeitado, a rir das vinhas. “Estão verdes”, diria a velha raposa das fábulas, para virar lesto e cioso face à ilusão das folhas caídas. E as vinhas da nova Universidade estavam ainda presas ao galho mais elevado. Agora lembrei-me de Mário Lúcio (a quem saúdo o nu artístico), cedo, logo no dealbar de as luzes se instalarem, a rir connosco no “Pirilampo”, não o botequim das madrugadas, mas o pasquim que, a bom ver de Valentinous Velhinho, descortinara rir da grande charada. Em vez de “um partido único”, teríamos doravante “dois ou três partidos únicos”, vaticinara o Poeta. E uma saudação revolucionária, como ao tempo do materialismo histérico, ao abusado do Pranchinha que pedia à garçota de serviço “uma cachupa guisada, sem IVA”…

Poesis

Meio à pressa, reagrupo os poemas do meu próximo livro. Trouxe-o à minha cidade, única que amo mais que a Nova Iorque, como prenda de Natal. Falando nisso, recolocar mais recursos e meios na cidade da Praia não é um investimento de fundo perdido, nem um ónus. Antes, pelo contrário, ela representaria um investimento lucrativo e um bónus para a economia de Cabo Verde. A fracção nacional precisa ser repensada. E devemos fazer isso com a máquina de calcular na mão. Os números falam por si e deles devemos não ter medo. Mas dizia da Poesis, meus amigos. Os poemas tratam dos meus dias, de sol e sombra, na culpa de estar na idade do lobo. A minha existência, na sua dimensão mesmo existencial, é o que move a minha poética. Sem pretensões desmedidas, nem narcisismos de trazer por casa. Concedo-me à poesia por já ter perdido o que tinha para perder e no destoante achar as coisas de molde não exacerbado. As musas já são cósmicas e destarte cómicas. As frutas, ditas serenadas, têm o acre e o ocre dos corpos. Não sei, se fome ou sede, o que a minha alma eternamente clama. As contas de sempre, enfim…

quinta-feira, 16 de novembro de 2006

As sem-razões do amor

Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.

Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.

Amor foge a dicionário
se a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.

Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

Carlos Drummond de Andrade

Rosebud*















*Rosebud do filme Cidadão Kane, de Orson Welles, é o enigma que morre com a personagem, fechando o círculo de uma vida privada - a única com existência real e profunda. Rosebud afinal é uma palavra, gravada num trenó, brinquedo da infância. Enquanto os deuses brincam com a Criação…

quarta-feira, 15 de novembro de 2006

CRÓNICA DO FILHO PRÓDIGO



Em terra

Mal refeito da dose intensiva de estudo – não só para adiantar os exames do semestre lectivo, mas sublimar a perda existencial aqui instalada –, regresso à terra. E isto é bíblico: o filho é sempre pródigo e seu regresso celebra-o a confraria. Não poderia deixar de assinalar os abraços dos familiares e amigos. O sol dos corações, apesar da frieza das horas, continua aquecido à minha chegada e dou comigo a navegar no dilema, onde o merecido e o compadecido jogam ao espadachim da sorte. Direi que tudo e nada tem a ver comigo nesta urbe, ora radiosa, ora inquinada, mas para mim sempre útero, incubadora e berço. Minha metáfora, se é que a tenho, roda o mundo, mas acaba no remanso e no regaço da Praia de Santa Maria. Meço-a pelas lágrimas vertidas e pelas gargalhadas sonorosas a cada novidade. Abomino os seus desuses de esquina, os seus palanqueiros e a meia missa dos seus fariseus, lá isso é verdade. Não morro de amores ao gado tacanho, não da boiada surrealista que atravessa a Praça do Palmarejo, mas dos senhores de antanho, hoje caducados e com manduco na mão. Mas sou sim de amores, quase todo paixão, pelo pulsar das coisas. Das nuvens brancas para lá do Ilhéu de Santa Maria às ressequidas plantas de seiva resistente, passando pela pracinha refeita e agora campus universitário, tudo me encanta no âmago. E faz-me pensar no vaticínio poético de Mário Fonseca, pois realmente…a vida nasceu.


Porto da Praia

Tomo parte do debate sobre o “Desenvolvimento do Porto da Praia”, no quadro de uma conferência organizada pela Comunidade Portuária da Praia. Esta iniciativa louvável foi uma grata oportunidade de sentir o pulsar da opinião pública em relação à problemática. A autonomização da gestão do Porto da Praia parece ser a grande demanda, algo que interpela à reforma institucional do sector dos portos e à reestruturação da própria Comunidade Portuária da Praia, para se capacitar a uma parceria efectiva e estratégica no quadro de tal desiderato. De resto, do ponto de vista da requalificação da cidade, o actual porto não nos serve da maneira em que está. Enfim, desafios para os quais temos de estar atentos e acesos – verdadeiras questões a ter em pauta, numa terra onde as opiniões perdem-se pelos cafés, diante da força provincial das bizantinices.

Claridade

Começo a dar corpo a uma pesquisa sobre Jaime de Figueiredo, intelectual da Geração Claridosa, mas nem por isso a ela alinhada, a fim de participar de uma jornada de reflexão sobre o Centenário do nascimento dos claridosos, que o Ministério da Cultura pretende para o próximo ano. Jaime de Figueiredo que, entre outras funções públicas e sociais, exerceu as de bibliotecário, antologiador e polemista, foi sem dúvida uma das mentes mais lúcidas, criativas e críticas do seu tempo. Em prol de uma análise mais estrutural que circunstancial do Movimento Claridoso, cuja matriz foi erigida por uma plêiade de grandes escritores como Baltazar Lopes da Silva, Manuel Lopes e Jorge Barbosa, importa sim dissecar o espírito dialéctico desta personalidade. Antes da obra “A consciencialização na literatura cabo-verdiana”, de Onésimo Silveira, que apontou a “primeira” grande crítica estrutural ao Movimento, Jaime de Figueiredo já perscrutava outras estradas dissonantes. Hoje, com as coisas vistas à distância, pode-se afirmar que a Claridade também foi grande pela geração do seu contrário. Que grande gente, que época pródiga…

& etc…

E, como dirá o Pranchinha, cáustico no seu eterno retorno, não falarei do aumento dos salários à classe política, nem da “carochinha” em torno do IVA aos combustíveis, lá o Super sabe das malhas com que cose. Dizia o Pranchinha, da dor dos seus fígados contra a fina mediocridade, que “Em tempos de farinha pouca, meu pirão primeiro”. Arre…

quinta-feira, 9 de novembro de 2006

quarta-feira, 8 de novembro de 2006

As margens

Dom Quixote de la Mancha
Pablo Picasso



Guardando as margens

O que acontece nas ilhas? Os apontamentos desta semana dão conta do fórum “Pensar o Município da Ribeira Grande de Santiago”, iniciativa com laivos de luz ao fim do túnel. Lura apresenta "M’ Bem Di Fora", em Lisboa, e Ricardo de Deus lança “Fragmentos” no mercado, na cidade da Praia, duas novas enriquecedoras. A Universidade de Cabo Verde inaugura-se nos próximos dias, para uma espécie de “terceira libertação”. Passando pelos Blogs, hoje cada vez mais dinâmicos, gosto do post sobre o Slow Food. Vale como uma chamada de atenção neste mundo globalitário. O Fast Food acaba por ser o pior do neoliberalismo. Bem, já nem sei, porque o aquecimento global acaba também por ser assunto muito sério. Ideologias à parte, por um mundo onde todos regressem ao Slow Food e assinem o Protocolo de Quioto

Que bonita manhã, em Massachusetts

Deval Patrick, candidato democrata, elegeu-se governador do Estado de Massachusetts, transformando-se no segundo governador negro da história dos Estados Unidos. Patrick, de 50 anos, advogado formado na Universidade de Harvard, foi subsecretário da Justiça para os direitos civis no governo do ex-presidente Bill Clinton e ocupou cargos executivos na Texaco e na Coca-Cola. A eleição de Patrick sublinha uma mudança social drástica no Estado, onde as crianças negras foram atingidas com pedras e garrafas ao entrar de autocarros nas escolas brancas de South Boston, há apenas 32 anos, cumprindo uma ordem judicial contra a segregação. Manhã, que bonita manhã…

À espera de Godot

Nenhuma manhã nasce tão saudosa como na Wollaston Beach, em Quincy. Nem mesmo as manhãs radiosas de Fortaleza, a Bela. Tão pouco o amanhecer em Ponta do Atum, no Tarrafal, onde a ilha do Fogo se declara linda, linda, linda. Em Boston, estou sempre à espera de Godot, porque de facto esse nada é tudo o que existe. A propósito, leiam o drama “À Espera de Godot”, de Samuel Beckett. Sim, meus amigos, sou sensível a tudo o que acontece na cidade de Boston e no Estado de Massachusetts. Os meus filhos – Denzel, de 14 anos, e Pablo, de 4 anos – nasceram no Bay State e são, de corpo e alma, caboverdianos-americanos. Motivos, tenho-os de sobra. Não posso ficar indiferente às manhãs bonitas em Massachusetts…

A saudade

Eu já não sinto a lusitana saudade, fado que desatina o coração e resguarda da alma a solidão em réstia toda. Talvez isto se resuma a uma espécie de exílio, nau à deriva para um regaço incontido, e saiba à boca como uma insaciável secura. Quem sabe, um deserto sem fim, feito só de miragem, nuvem e viagem. Ou nada disso, a loucura, voragem com que os pássaros vão e não mais regressam. Desde a tua partida, eu já não fui igual. Não sou igual, repito. Levanto-me a meio da noite. Ouço o barulho das ondas a espraiar na areia branca. Vou á janela e, em pior tormento, não há vivalma. O sábio do Chico Buarque de Hollanda compusera estes versos: A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu…

Penso em Bê (1)

Faz anos, por estes dias, o meu irmão António. Aparentemente facto insólito, faits-divers mesmo, este aniversário acontece há três meses do falecimento da nossa mãe, Hermínia de Aguiar Cardoso Correia e Silva, de todos conhecida por Dona Mindoca. Esta circunstância me faz recordar o António, aos quatro anos, quando aprendia as primeiras letras e as soletrava em parelha. B-a + b-a, dizia a nossa mãe, e o António respondia Babá, para o alarido festivo da família. E, se alguém dissesse “penso em Bê”, o mano mandava Bebê. E era Bê de Beto, de Bélgica, de barco e de batata. Tudo isso, no que tinha de inusitado, remete a um processo fantástico da aprendizagem que foi marcando a nossa família ao longo dos anos. Parabéns ao Tó, pelos anos, pela sabedoria, por tudo. Pelo amor, sobretudo. Alguém, noutra galáxia do amor, estará orgulhoso a este momento…

Penso em Bê (2)

A poética, de tanta neurastenia, empresta-me soluções minimais - Em hora substantiva/penso em Bê/e blogo existo…


domingo, 5 de novembro de 2006

Fundação Cultural Palmares


O amigo Zulu Araújo, Director de Promoção, Estudos, Pesquisa e Divulgação da Cultura Afro-Brasileira, manda-me um convite para a celebração do 18° Aniversário da Fundação Cultural Palmares. A Fundação chega pois à maioridade. Dezoito anos de luta, trabalho, valorização e empenho pela inclusão plena da cultura negra na sociedade brasileira. Presidida pelo professor Ubiratan Castro de Araújo, a FCP tem sido uma das matrizes da reformulação da política externa brasileira em relação ao Continente Africano. Infelizmente, não poderei participar do evento a ter lugar em Brasília, de 6 a 10 de Novembro. Tenho obrigações académicas e no fim-de-semana estarei de abalada para Cabo Verde. Mas desejo sorte e longa vida à Fundação Cultural Palmares…
Seeds of Transformation
Laura Baltzell

sexta-feira, 3 de novembro de 2006

Ao Sul do Realismo


Foto Omar Camilo

No Porto das Dunas





Ontem, Dia dos Finados, estivemos na Prainha, do Porto das Dunas. Ali vive o poeta Dimas Macedo, com o qual temos encontros de caudalosas conversas. Não apenas sobre Mia Couto e sua escrita “miacoutada”, que a gente grama até dizer basta. Mas da loucura que nos assalta, desta feita - eu, Dimas e Gerhard, um alemão, da Universidade de Berlim.

Falámos também de Ícaro, o filho de Dédalos (tirar o cavalinho da chuva), e da Ariana, a do celebrado fio. Ao pronunciado e elegante vinho – fora um Marquês de Borba (reserva), não é verdade? -, e declamámos alguns versos do Sintaxe do Desejo. Às tantas, Banquete, era assim:

(…)
Entre ostras e pêssegos eu bailo
e bêbedo
beijo o frutal das tuas algas.
Entre aspargos e vinhos
advinho o apelo dos teus lábios.
Carnais como os teus gestos
e os meus desejos
são os potros do sonho onde resvalo
(…)


Depois, o ver as dunas e as ravinas. E os veleiros malucos como uma canção plena de seiva. A balbuciar tal ária, uma bela moça, com ares de índia, inventava uma peixada na brasa. Dimas Macedo insistiu que eu declamasse algo do Das Frutas Serenadas, e queria que fosse Frutal:


(…)
Que é do corpo senão incêndio
Fogo crepitado no silêncio
Das algas e dos sais, no calor
Embriagado dos cristais
- Fogueira dos desejos –
E dos contidos frutos…
(…)


Deu tempo para o melhor da tarde. O nosso amigo alemão a declamar Patativa do Assaré, o poeta popular cearense, com mais de dez secas nas costas e mil poemas na cabeça. O berlinense mandava:

(…)
Saudade é um aperreio
Pra quem na vida gozou,
É um grande saco cheio
Daquilo que já passou.
(…)

O automóvel que nos traria de volta a Fortaleza rodou os vinte e tal quilómetros, entrecortando músicas de Renato Russo, Seu Jorge, Sara Tavares, Mayra Andrade e Joe Zawinul. Em tua lembrança, meu coração…

quinta-feira, 2 de novembro de 2006

Icarus

(…)
Estou agora diante do meu último cume. Tenho diante de mim o meu caminho mais duro. Começo a minha corrida mais solitária.
Acima da tua cabeça e além do teu coração. Agora a coisa mais doce em ti deve tornar-se a mais dura.
(…)


Texto de F. Nietzche, Assim Falava Zaratustra

Shine on you crazy diamond


Fractais

terça-feira, 31 de outubro de 2006

Ao Sul do Realismo


Foto Omar Camilo

Cada poema um epitáfio

Não me canso, como um asceta, de gritar Eis Fortaleza, a Bela. Faço-o não para ensaiar uns versos épicos, mas para repetir o escrito num outdoor que me rouba a vista. Desta janela vê-se a languidez do oceano. E quando um barco vai á linha do horizonte, sou um Albatroz. Sem nostalgias, pois não há tempo para estados da alma. Mas os meus desejos não têm sintaxe. Nem são coisas axiomáticas. Eles saõ plenos e autênticos. T. S. Eliot, o maior dos poetas, teria dito que cada poema é uma plenitude. E o mestre enunciou-se assim em “Little Gidding”: “Cada frase e cada sentença são um fim e um princípio, / Cada poema um epitáfio”…

segunda-feira, 30 de outubro de 2006

Ao Sul do Realismo


Foto Omar Camilo

Una, duna, trina, catari­na…

"Qual o cheiro das roupas lavadas com sabão de coco? Qual é o aspecto dos bolinhos de polvilho? Qual o perfume do mel de jandaíra? Que maleitascura o xarope de mastruço e malvaísco?"
Jorge Marmelo

Una, duna, trina, catari­na…

Ao tempo, a Escola Grande era um educandário que obrigava as crianças a estarem em fila e a cantarem o Heróis do Mar, que ao tempo nos soava mal, mesmo mal. O pior era não falarmos crioulo nem mesmo nos intervalos. Já imaginaram como seria jogar carambola, campanada e polícia-ladrão em português? Mas como a brincadeira era soberana, tínhamos de transgredir. E como era bom transgredir. Não só para falarmos a língua mátria, mas comermos rebuçados e pasteis com diabo dentro, bem como os bolos no tabuleiro da “desaforada Olímpia”. Transgredir tinha sabor às bolas-de-Berlim e aos pastéis-de-nata que a vendedeira baptizava com nomes eróticos e indecentes, para a alegria do pessoal. E por que não recordar aquele Professor que, em vez dos rios e dos caminhos-de-ferro de Portugal Continental, fazia a malta decorar e batucar na carteira ao ritmo de "Una duna trina catari­na barimbau são dez..."…

No Ranking da Liberdade

Um deus-nos-acuda só porque os Jornalistas Sem Fronteiras perfilaram Cabo Verde no 45° lugar no Ranking dos Países com Liberdade da Imprensa. Escândalo é estarmos à frente do Brasil (em 73°) e dos Estados Unidos (em 55°), onde o campo mediático é dinâmico e a cidadania consagrada. Não sejamos complacentes com a falácia, meus senhores, pois no âmago sabemos que isto é a pré-história mediática. Aquele 29° lugar era virtual apenas. Então não foi aí há tempos que os jornalistas foram ameaçados à saída de um tribunal, porque cobriam o julgamento de um caso narco-farinácio? Deixemo-nos de tretas, pois já temos todos os dentes na boca. Para comer e para morder. Eu até creio que os Jornalistas Sem Fronteiras nem sabem da missa a metade. Imaginem se desconfiassem desse jornalismo que nivela os leitores, ouvintes e espectadores pelos padrões de Homer Simpson, aquele simplório da banda desenhada?
O nome das frutas

Diariamente, e por recomendação médica, faço marcha pela Avenida Beira-Mar. Saio de casa cedíssimo: o sol mal nascendo e os prédios por amanhecer. Caminho, absorto nos meus pensamentos, até ao mercado de peixe do Mucuripe. Ali, conheço alguns pescadores pelo nome e regateio o preço na pedra bem composta. De vez em quando, regresso com peixe fresco: badejo, tilápia, cavala ou atum. O melhor seria arroz de cabeça de atum, com açafrão, salsa e alcaparra. À mistura, levo coentro, limão e macaxeira. Batata doce e batata inglesa, quando não banana verde. E no regresso a casa, nos meus pensamentos contigo, mal reparo nas frutas à margem da calçada amanhecida: açaí, maracujá, graviola, cajá e fruta de conde – todos as frutas que adoravas. Já pelos nomes, mãe...

Bónus ou Resolução 48/2005

O Governo, por proposta do Ministro da Cultura, deu um passo histórico na aprovação da Resolução sobre a Estratégia de Afirmação e de Valorização da Língua Cabo-verdiana. Em face isso, o reconhecimento jurídico do Cabo-verdiano como Língua Oficial depende estritamente do Parlamento. Os grandes consensos, ventilados tanto por José Maria Neves como por Jorge Santos, deviam agendar a plena oficialização do bilingüismo de Cabo Verde, em benefício da cidadania e da integração de uma Nação que já se afirma Diasporizada. A imprensa também poderia fazer da Resolução 48/2005, para que, uma vez mais, não adiarmos o debate da nossa mais profunda identidade, nem joguemos a nossa alma para debaixo do tapete. A sociedade civil tem uma forte palavra sobre esta verdadeira questão de Regime. Queremos ouvir uns e outros. Temos, aqui e agora, a oportunidade de fazer História, una, duna..

domingo, 29 de outubro de 2006

sábado, 28 de outubro de 2006

VDMaktub, Bom de Vera ou o que mais queiram


Busquei por horas um nickname maneiro para este Blog, www.vdmaktub.blogspot.com . Pedi inclusive o concurso do Pranchinha que, vez por outra, me aparece com algo mais criativo. É que tu, Vera-Lúcia, és uma esteta em pessoa – nada a ver com os “mais iguais” do Triunfo dos Porcos, de George Orwell –, motivo que me levou à parcimónia de renomear o VDMaktub. Andando pela Av. Dom Luís, dei de caras como o nome – Bom de Vera –, bem chapado no frontispício de um prédio. “Eureka, si n ka pruveta es nomi, ki n kreka”…pensei num neolatinório terra-a-terra e alupekadu.

VDMaktub, diga-se em abono da verdade, parece até nome de agente secreto, desses que brigam contra o nosso dilecto James Bond. Onde foi Vera-Lúcia buscar o raio deste nome? Fê-lo, como vaticina o Pranchinha, para espantar José Bouquinhas, Pasqualini Settebellezze e Dom Charles, o Chaplin? Em caso afirmativo, ela teria razão, já que o pessoalzinho, além de bera, rasca e inculta, tem muito de caprino e nós, nisto de ética digital, somos todos vegetarianos. E, nesta fase veggie, não há espaço para os PêCêDês, sigla que responde por Pacóvios, Covardes e Desistentes, vulgo “laranjinhas da net”. Pois será VDMaktub, eivado dos belos textos de Vera-Lúcia de Deus e acompanhado dos gostosos acordes de Ricardo de Deus, o pianíssimo e veríssimo da deusa, para os mais chegados.

Tudo isso, para vos dizer que doravante chamarei este Blog de Bom de Vera, nem mais. Personalizando-o, bem à minha maneira, serei dele leitor assíduo e atento. Este point, já no começo, indicia corpo e alma. Forma e conteúdo. Uma harmonia entre a palavra e o ritmo. Aqui, a intenção e o gesto são feitos um para o outro. Tipo Romeu e Julieta. Refiro-me naturalmente à goiabada com queijo ou, em sua ausência querida, ao arroz com feijão. O eterno e transcendente baião-de-dois…

Uma última palavra sobre o VDMaktub, aliás BDV (Bom de Vera), não queira o leitor esgotar a sua percepção a cada leitura. Entrar no âmago do Artista é como deambular pelo labirinto. E Bom de Vera é fogo, não se revelando todo. Vou das chamas aos fumos, passando pelos seus incensos, e fica-me a sobrar a maior parte do enigma. Os meus cinco sentidos nem dão conta das virtualidades veladas deste Blog. A expectativa é o seu maior trunfo, diria até a sua carta na manga. Vera-Lúcia, estou com vontade de ler mais. Feita uma fome mesmo…

Poema de Amor


O Poeta e o seu café
Foto Mito


Se o teu coração e o meu
fossem dois relógios batendo
a mesma hora, nunca chegarias tarde
aos encontros, e eu, no minuto exacto,
chegaria a ti como um rio
que entra no mar.
Gostaria de estar contigo
e fôra essa a minha sina, que anjo
ou demónio se lembraria de vir dizer-me
que todos os paraisos
são paraisos perdidos?
Amar-te sempre queria eu
até que a morte nos viesse cobrir
de flores. No entanto, que posso fazer
contra os semáforos indicando o vermelho,
com tantas curvas impedindo
que eu siga em linha recta?
De resto, quando menos se espera
acontece chover e a seguir à chuva
vem a bruma. Como se não bastasse,
surge um guarda a exigir o santo-e-senha,
porém não recordo nenhum,
apenas sei o número de um telefone
que alguém me deu
quando andava de espingarda e boina verde.
Adeus, meu bem e deusa minha,
quando eu morrer, se morrer primeiro,
cobre-me de rosas vermelhas e brancas
e canta para mim uma canção de amor,
não faz mal se for alegre.


Arménio Vieira, in MITOGRAFIAS (livro ainda inédito)

sexta-feira, 27 de outubro de 2006

Sodadi Guentis Correia - Caio e Djamila

Cortesia Isa Pereira

Café com pão

Há coisas que não devem ser esmiuçadas para os outros. São demasiado íntimas, tratando-se de lembranças de infância. Os meus pais a declamarem Trem de Ferro, de Manuel Bandeira, é um trevo e um travo neste meu destino. Café com pão


Trem de ferro

Café com pão
Café com pão
Café com pão

Virge Maria que foi isso maquinista?

Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
(trem de ferro, trem de ferro)

Oô...Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
Da ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!
Oô...(café com pão é muito bom)

Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
Oô...

Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matar minha sede
Oô...
Vou mimbora vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Oô...
Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...
(trem de ferro, trem de ferro)

(Manuel Bandeira in "Estrela da Manhã" 1936)

quinta-feira, 26 de outubro de 2006

! Mirabolante Miró


Nocturne
Joan Miró

"O mais surrealista de todos nós".
André Breton

1.

Ontem, aproveitei a tarde para assistir a exposição! Mirabolante Miró, no Centro Cultural UNIFOR. Trazer 178 gravuras e 28 cartazes dos últimos 30 anos da vida de Joan Miró, dos quais muitos inspirados nos poemas de João Cabral de Melo Neto, Jacques Prévert e René Char, é um sublime acto de cultura. Sem mais comentários…

2.

Conversei longamente com o curador da exposição sobre uma parceria para a criação de uma pequeno Centro Cultural em Cabo Verde, ideia que vem sendo amadurecida e que já conta com alguns promotores, dentro e fora das ilhas. Ele achou a ideia excelente e pediu um memorando sobre isso. Há tanta coisa para ser mostrada, disseminada e intercambiada. À primeira, ele defendeu que o pequeno porte do espaço não deverá conferir a exiguidade dos projectos. É preciso algo mirabolante. Thinking big...

3.

Voltando a Joan Miro, "o mais surrealista de todos nós", segundo André Breton, importa referir, numa rápida síntese biográfica, que ele nasceu em Barcelona, na Espanha, em 20 de Abril de 1893 e faleceu em Palma de Maiorca, Espanha, em 25 de Dezembro de 1983. Na década de 1930, os seus horizontes artísticos ampliaram-se pelo mundo. Fez cenários para ballets e peças de teatro, e os seus quadros passaram a ser expostos regularmente em galerias francesas e americanas. Está em Paris, no fim da década, quando eclode a guerra civil espanhola, cujos horrores influenciam a sua produção. Em 1954, ganha o prémio de gravura da Bienal de Veneza e, quatro anos mais tarde, o mural que realizou para o edifício da UNESCO em Paris ganha o Prémio Internacional da Fundação Guggenheim. Em 1963, o Museu Nacional de Arte Moderna de Paris realizou uma exposição de toda a sua obra mirabolante.
4.

Em termos de ficha técnica:

!Mirabolante Miró
Local: Espaço Cultural Unifor
Endereço: Av. Washington Soares, 1321 - Bairro Edson Queiroz
Período: de 29 de Setembro a 10 de Dezembro
Horário: das 10h às 20h, de terça-feira a domingo
Entrada Franca

Fragmentos...graças a Deus


Foto Omar Camilo

Leia mais sobre Ricardo de Deus e “Fragmentos”:

http://albatrozberdiano.blogspot.com/2006_09_01_albatrozberdiano_archive.html

http://multimerdia.blogspot.com/

http://www.sondisantiagu.blogspot.com/


terça-feira, 24 de outubro de 2006

Thoughts, feelings and poems

Retalhos nesta Fortaleza chuvosa




Quixote


(Sancho Pança e seus semelhantes são assim mesmo. Tanto os da esquerda quanto os da direita. Proliferam, dão explicações, razões, motivos. Fazem conferências de imprensa. Seminários, comunicados, entrevistas e não dizem nada)

Releio Dom Quixote de la Mancha, livro obrigatório. Todo o aspirante a belas letras deveria ler esta obra de Cervantes. De cada vez que a leio, fico pensativo, navegante. Da primeira vez, foi um frisson daqueles. Não fazia a menor ideia de quem era, mas a sua voz me admoestava os sentidos. Cá do meu lado, continuo quieto e navegante. Vou para onde os levam os meus passos. Se o real já não surte efeito, por que não deitar a mão à fantasia? O que ficará da Dulcineia são os seus assomos de dama. Alonjo Quijano de triste figura

No Olimpo da Cise

Embora alguns guardiães da verdade musical façam deus-nos-acuda ao mínimo da crítica, vou dizer estas palavrinhas sobre Isa Pereira. Não apenas porque o Blog So Pa Fla, que prezo e respeito, tenha feito loas e referências ao espectáculo Na musika, nos kultura, mas por eu ter sido quem a convidou pela primeira vez a subir ao palco. Isa Pereira entra, sem favor nenhum, no circuito das deusas crioulas – Mayra Andrade, Sara Tavares, Lura, Maria Barros e Teté Alhinho, entre outras inquilinas do Olimpo da Cise – e fá-lo com luz própria.

Urubu pintado de verde

Vejo o texto do meu amigo e fico emocionado com a sua crença. O gajo lembra-me os comícios de 75. Eu já não consigo acreditar nas manhãs que cantam, porque em verdade elas nunca cantaram. Vem, irmão, deixo-te com uma frase de Mário Quintana: "a esperança é um urubu pintado de verde". Por estas e por outras, o meu cronista cabo-verdiano é Amadeu Oliveira e o meu gado de estimação continua a ser caprino. Mau grado Freud…

Da janela, as eleições

As eleições excitam-me. As músicas, as bandeiras, as movimentações, a festa. Os debates e as sondagens, aqui permitidas. Bem como as bocas de urna. À americana, com jovens em cada esquina. Acompanho tudo da janela, equidistante como manda a lei dos estrangeiros, mas de coração arfante e nunca neutro. Corro os olhos pelos jornais e um cronista brasileiro escreve: "Nesta altura, Alckmin só vencerá as eleições se Lula for flagrado na cama com uma mulher morta ou um homem vivo. Se a mulher estiver viva ou o homem morto, dá-se uma explicação qualquer e ele se reelege." As eleições excitam-me…

A estrela

A estrela HD 141569A, a 320 anos-luz da Terra

I couldn’t resist


15 Zodiacs
Laura Baltzell

segunda-feira, 23 de outubro de 2006

domingo, 22 de outubro de 2006

Jazz has a sense of humor


Domingo é dia relaxado

Um rápido alô. Domingo é dia relaxado, não muito dado à escrita. Faxina geral, leitura dos jornais da terra (e riso de frases como “A pulsão totalitária”, de um colunista amigo) e audição de uma aula gravada sobre os empreendedores e o meio ambiente. Acabei de trocar o Gin´n tonic dos fins-de-semana pelas sessões musicais. Música e água mineral. Passando em revista os conselhos do Barão de Itararé, de Brinkerhoff Torelly, encontrei esta deliciosa frase: «O fígado faz muito mal à bebida». Coisas que o Pranchinha adoraria ter dito…Mas, dizia, troquei tudo pela música. Menos o vinho tinto, naturalmente, que alguém jurava não fazer mal à hipertensão. Jazz has a sense of humor, de Horace Silver, é o que recomendava agora aos mais novos…

Negócios com o Ceará

Escrevi um artigo para o jornal O Povo, de Fortaleza, sobre as relações entre o Ceará e Cabo Verde e quis mostrar ao leitor cearense as virtualidades em se relacionar com o nosso país. O incremento de negócios é um fenómeno real, sendo que muitos empreendimentos cearenses já se reestruturam para parcerias com Cabo Verde. A boa nova é que o Banco Mundial vai bonificar os empresários cearenses que abram negócios no Arquipélago ou ali arranjem sociedade com os empresários cabo-verdianos. Bom que se saiba – e importa dizê-lo sem papas na língua – que o pessoal no Ceará trabalha a sério no sector comercial, que se tornou no grande gerador de riquezas, empregos e tributos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), houve um crescimento de 40 mil para 127 mil estabelecimentos comerciais, entre 2000 e 2004. Aliado a esse fabuloso crescimento, o comércio, principalmente o de Fortaleza, está a tornar-se "cada vez mais complexo e completo". Uma das características do sector é o predomínio dos micros e pequenas empresas, que correspondem a 99% dos estabelecimentos existentes. Outra característica marcante é o elevado nível de informalidade, pois 56% dos estabelecimentos não são registados. Isso explica-se na medida em que são negócios que não exigem muito capital para iniciar e, mesmo assim, são capazes de gerar renda familiar. Em Cabo Verde ainda não quantificamos o peso das Rabidantes, os novos Lançados, para o equilíbrio das famílias. Esse marasmo não permite uma política bancária para o sector informal, nem uma política de crédito comercial que considere novas parcerias. Os nossos empresários, micros, pequenos e médios, precisam tomar tento a esta realidade, aprendendo a fazer joint-venture com os cearenses e a ampliar negócios não só na África Ocidental, como no Brasil. E porque não nos EUA, já que até esta nunca soubemos tirar o melhor partido do AGOA.

Os grandes pensadores

Dou mais uma gargalhada, às tantas, lendo o texto do meu amigo. “É a esperteza de Marx, que pensava ter descoberto as leis da História”. Não sendo marxista, nem marxólogo, tenho por mim que o grande pensador alemão mereceria outro tipo de tratamento e de análise. Assim como Adam Smith, Alexis de Tocqueville e outros. Em verdade, os grandes pensadores produzem teses e postulados, que não passam de verdades cujo Tempo cuidará de testar e ultrapassar. Todo o pensamento traz em si o lado jurássico, mas nem por isso perde a sua qualidade histórica e científica. Por isso, continuamos a amar, com devida e profunda vénia, homens como Leonardo da Vinci…

Nossos deuses de esquina

Soube do “bate-boca” na imprensa entre duas figuras da nossa praça. Pracinha, diga-se de passagem. O pitoresco provinciano. Assim, a cultura de maledicência, do murmurejo e da crítica infundamentada continua bem presente entre nós. Fazer o quê? O pessoal desconhece que a palavra é sagrada. Primeiro era o verbo. Depois viria a frase: olha o respeito! Esta não é do Barão de Itararé, pois que o Pranchinha continua aceso. E vai valendo pela gargalhada. Jazz has a sense of humor. E domingo é dia relaxadíssimo…

sábado, 21 de outubro de 2006

Para que o poema se faça, meu coração

Portrait II, de Juan Miró
As horas inexistem, posto que a clepsidra
Se escusa de vir em vidro e areia, olhos-relógios
Das palavras caídas e dos enigmas acesos
Que se aninham a desoras, meu coração…

Morreu a mãe, o cão e a esperança, morreu tudo
E mesmo o que resta sob a capa deste circulo,
Sendo o mundo circense em sua gargalhada,
É o despenhar das torres nessa decadente Babel….

Para que o poema se faça, meu coração
Em seu gosto de manga, seu aroma de rosa
Ou seu halo de mulher, de repente seja sina
Quando não suave vertigem ou
Portrait II

Nas palavras se estalam as dores e não me digas
Puras metáforas as lágrimas no trilho das veias
Nem me cantes esse prenúncio das catedrais…
Filinto Elísio

INTERVALO

Quem te disse ao ouvido esse segredo
Que raras deusas têm escutado
-Aquele amor cheio de crença e medo
Que é verdadeiro só se é segredado?...
Quem te disse tão cedo?


Não fui eu, que te não ousei dizê-lo.
Não foi um outro, porque não sabia.
Mas quem roçou da testa teu cabelo
E te disse ao ouvido o que sentia?
Seria alguém, seria?


Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
Foi só qualquer ciúme meu de ti
Que o supôs dito, porque o não direi,
Que o supôs feito, porque o só fingi
Em sonhos que nem sei?


Seja o que for, quem foi que levemente,
A teu ouvido vagamente atento,
Te falou desse amor em mim presente
Mas que não passa do meu pensamento
Que anseia e que não sente?


Foi um desejo que, sem corpo ou boca,
A teus ouvidos de eu sonhar-te disse
A frase eterna, imerecida e louca -
A que as deusas esperam da ledice
Com que o Olimpo se apouca.


Fernando Pessoa

Nas azáguas do amor e da vida

De Nova Iorque, Manuel Veiga agradece

Por VNN Staff / Manuel Veiga
Publicado Friday, October 20, 2006
Num dia de chuva, parti de Cabo Verde, numa das nossas aeronaves, rumo aos EUA.Após um intenso trabalho na azágua da cultura, programei umas curtas férias, nas terras do Tio Sam, na companhia da minha mui estimada família. Foi assim que cheguei a Nova Iorque a 16 de Agosto de 2006, com o propósito de regressar às lides da cultura a 5 de Setembro.
Para a minha surpresa, quando cheguei ao destino, a minha mulher tinha preparado um programa de férias, com deslocações a Orlando e a Miami (na Florida). Foram umas férias de sonho, inesquecíveis, diriam o nosso filho mais velho e a minha cunhada que nos acompanharam. Com efeito, valeu a pena a prenda e a surpresa.Porém, surpresa maior estava para acontecer. E o destino quis que a mesma tivesse lugar na noite do regresso a Nova Iorque, isto é, a 29 de Agosto de 2006. Eu que presumia ter uma saúde de ferro, o meu coração resolveu provar-me que, afinal, tudo nesta vida é frágil e relativo.
Foi assim que, batido e abatido pelo órgão que leva a vida a todos os tecidos do corpo, fui transportado, de ambulância, ao Hospital Lenox Hill onde o primeiro diagnóstico sugeria a probabilidade de um transplante (que felizmente não veio a ser necessário) e apontava para um quadro clínico que inspirava sérios cuidados.
A notícia espalhou-se de forma célere; a minha família ficou estarrecida, os amigos e patrícios de todas as latitudes e de todos os quadrantes sociais ficaram surpreendidos. Sensibilizou-me, de forma particular, a atitude de um grupo de rabidantes do mercado da Praia (no Platô) que, ao tomarem conhecimento do sucedido, foram ao Ministério da Cultura interpelar o Director de Gabinete para que lhes dissesse a verdade verdadeira do que estava a acontecer com o amigo e cliente Manuel Veiga.
Outra surpresa agradável foram as visitas do Chefe do Governo, do ex-Presidente Mascarenhas Monteiro, do Ministro dos Negócios Estrangeiros, do Embaixador de Cabo Verde em Washington, do Secretário Executivo da CPLP, da deputada pelo Círculo das Américas, dos Embaixadores de Portugal, de Angola , do Níger e do Sudão, do Representante de S.Tomé e Príncipe junto da ONU, do Presidente do Instituto Crioulo-Americano, do alto funcionário da ONU, Doutor Carlos Lopes, da assistente do Secretário Geral da ONU, dos funcionários caboverdianos da ONU e da Missão Permanente de Cabo Verde, do Conselheiro Diplomático António Lima, do Embaixador Manuel Amante da Rosa, dos médicos caboverdianos Júlio Teixeira e Manuel Fontes), das Embaixatrizes de Angola e dos Camarões, de representantes da Associação das Mães Africanas nas Nações Unidas (UNAMA), de membros da comunidade caboverdiana de Boston, Providence, New Jersey e Nova Iorque, da minha prestimosa madrinha e filhas que me dão o tratamento de filho e de irmão.
Os gestos de solidariedade, porém, não se resumiram apenas a isto. Por e-mail, por fax, por telefone chegaram várias mensagens de solidariedade e de conforto de vários horizontes, particularmente de Cabo Verde. Pude receber ainda visitas de familiares que vieram de Cabo Verde e de França, expressamente para me ver. Chegaram também poemas, orações, flores, sugestões de leitura, de dieta alimentar e até propostas de empréstimo monetário para as despesas, caso houvesse necessidade…
Sempre disse que tinha grande respeito e reconhecimento para com um Povo que me legou três coisas importantes: uma Língua, uma História e uma Cultura. Porém, hoje sei também que esse mesmo povo tem apreço pelo trabalho que fiz e faço. Talvez seja, em grande medida, por causa de tudo isto que a minha reabilitação foi e está sendo rápida. Daí que, ao recuperar as forças, o meu primeiro gesto seja de agradecimento: a DEUS, ao meu POVO, à ciência no EUA, ao Hospital Lenox Hill, aos médicos e enfermeiras que me assistiram, à minha Família, às Autoridades de Cabo Verde, aos funcionários do Ministério da Cultura, aos artistas e criadores que me enviaram poemas ou uma palavra de conforto, aos meus amigos, aos antigos colegas do Seminário, às Igrejas e Comunidades religiosas bem como à Comissão de Tradução da Bíblia que rezaram por mim, à Comunicação Social que espalhou o eco do meu estado de saúde. A todos uma palavra de profundo reconhecimento Diante de todos vai este meu compromisso: se ontem tinha um grande respeito para com o meu Povo, hoje esse respeito transformou-se em AMOR e ADMIRAÇÃO.
Por isso, quero pedir a todos que continuem a contar comigo porque o incidente cardíaco que me atingiu fez-me crescer em humanismo, em patriotismo, em espiritualidade. A todos um obrigado do tamanho de Cabo Verde e da grandeza do meu coração.
À minha família, particularmente à minha mulher e aos meus filhos, prefiro simplesmente dizer-lhes que me convenceram daquilo que já sabia. A todos um obrigadão e que contem sempre comigo nas azáguas do amor e da vida.

Nova Iorque, 20 de Outubro de 2006
Manuel Veiga

sexta-feira, 20 de outubro de 2006

Pablo...poesis


Foto de Omar Camilo

Sintaxe do Desejo

Sombras

Se me contento
com tudo o que não tenho:
uma sombra, uma concha,
uma praia em desalinho,
eu não terei o corpo
da mulher que sonho
nem os lábios da lua
e o sol entre os meus braços.
Se me afundo estou só
e tudo o mais suponho:
um jeito de partir
ou de ficar calado
ou a ânsia de viver
saltimbanco e feliz
entre as cores do mundo
e os caminhos de volta para casa.
Dimas Macedo*
*O meu bom amigo Dimas Macedo (da Academia Cearense de Letras) completou há dias, 30 anos de lavra literária, 50 de idade e já editou 30 livros. O "danado" tem mais duas novidades. Hoje, no Instituto Cultural Oboé, ele lança Sintaxe do Desejo, livro de poemas com a chancela da Omni Editora. E antes do fim-do-ano, sai A Letra e o Discurso, ensaio de crítica literária. Dimas Macedo é também Procurador do Estado do Ceará e Professor de Direito na Universidade Federal do Ceará.

quinta-feira, 19 de outubro de 2006

Esse Drummond...


Natureza Morta Com Frutas, Di Cavalcanti

Mulher andando nua pela casa


Mulher andando nua pela casa
envolve a gente de tamanha paz.
Não é nudez datada, provocante.
É um andar vestida de nudez,
inocência de irmã e copo d’água.

O corpo nem sequer é percebido
pelo ritmo que o leva.
Transitam curvas em estado de pureza,
dando este nome à vida: castidade.

Pêlos que fascinavam não perturbam.
Seios, nádegas (tácito armistício)
repousam de guerra. Também eu repouso.


Carlos Drummond de Andrade

Só pamodi bó


Mito
apresenta
Só Pamodi Bó
(um recordai pa Luís Morais)
26 de Outubro às 18:30
Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro - Antigo Solar da Nora, Estrada de Telheiras


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Só pamodi bó

Mergulho nos sons da tua paleta
para buscar no contrabando solar
a luz à solta no arco-íris da pauta
como quem pinta em sensoround
um sinfónico vitral technicolor.
Namoro o sopro destes sons
que me desenham nas lágrimas
pérolas negras e mornas lentas.
Confira:

quarta-feira, 18 de outubro de 2006

Empório

Obrigado por teres dito que o Albatroz está de cara nova. Está-se a metade da sua melhoria, houvesse ciência e tempo. Será um dia um blog de poesia e prova. Halo a um tempo leve e profundo. Incenso…

Igualmente vou escrever ao meu amigo em Paris. Sempre o achei lúcido e culto. Acima da manada. Conheci-o de perto em Nova Iorque. Empório. Bons tempos…Estou a vê-lo a rir das coisas do Pranchinha. O triunfo dos porcos faz rir. Para não chorar. O Jorge está em Nova Iorque também. O Manuel Veiga continua ainda ali, restabelecido graças a Deus. Hoje, Dia Nacional da Cultura, pensei nele. Com respeito e amizade.

Um barão não gostou do meu último post neste blog. Escreveu-me a dizer cobras e lagartos da minha escrita, exercendo a sua liberdade de opinião. Fiquei com a impressão de que lhe faltava espírito crítico, ironia sei lá. O pessoal leva-se demasiado a sério. Em resposta ao camarada, escrevi hehehehehehehe….

E como brinde, bónus track como dizíamos, deixo-lhe o “Empório celestial de conhecimentos benévolos” com que Jorge Luis Borges nos conta do sábio chinês. Este dividia os animais em:

a) pertenças do Imperador, b) embalsamados, c) amestrados, d) leitões, e) sereias, f) fabulosos, g) cães vadios, h) incluídos nesta classificação, i) que se agitam loucamente, j) inumeráveis, k) desenhados com pincel de pêlo de camelo, l) etc, m) que acabam de quebrar o vaso precioso e n) que à distância parecem moscas.

Aposto que o barão não entendeu. Mas por hoje basta. Passei o dia a estudar Cultura Organizacional. Como um eremita. Ninguém e de ferro…

Fui novamente. O Dimas convida para um lançamento. Sintaxe do Desejo. Diz que o livro vale a pena, o queijo é do bom e o vinho é o Douro Vinha Maria Teresa 2003. Da Quinta do Crasto…só pode!

terça-feira, 17 de outubro de 2006

Manhuaçu e bandeira branca



Pranchinha, meu camarada, o sol desce devagar pelo dorso da tarde e às vezes tenho a impressão de estarmos ali. A nossa alma. E o nosso destino…

Desta janela, não fosse um carro de campanha a repetir “Eu quero Lula de novo”, haveria de querer filosofar sobre a vida. Ou simplesmente a ouvir Love for Sale, de Cole Porter. Lindo de morrer. Mas tu insistes, meu camarada, em novas das ilhas. Não da música. Nem do verde. Nem das musas. Insistes nas “notícias do bloqueio”.

Meu caro, não responderia aqui às tuas colocações. Apenas diria que a paz se constrói com a liberdade, a equidade e o respeito. Não há, nem pode haver, uma relação de paz entre o abastado e o esfomeado. Entre o escravo e o senhor. Vejamos o filme Ultima Ceia, de Tomás Gutiérrez Alea, ou Viridiana, de Luís Buñuel. É que a realidade virou tão dramática quanto a ficção. E assaz hilariante diga-se de passagem…

O que me contas do rosário político lembra aquela anedota da rodoviária, Pranchinha. O diálogo mineiro, bem maneiro mesmo: ''Ocê tá dizendo que vai pra Manhuaçu pra eu achar que ocê vai pra Manhumirim, mas, ocê vai é pra Manhuaçu, mesmo''.

Os golpes e as mentiras que o pessoal nos prega são um grande “Manhuaçu”, meu camarada. Isso já vem do antanho: desde a geração “dos nossos avós” e se consolida agora com esse “vem irmão”. Tremendo “Manhuaçu”…

Dava até para rir. Desanuviar o ambiente, desopilar as ventas. O pessoal diz “que vai pra Manhuaçu”, Pranchinha. E já somos lúcidos, todos acesos, carregando o mesmo fardo. E nunca nos sentimos tão fartos desse “Manhuaçu”. Mas em nome de uma coisa maior, queremos paz e amor. Trégua, se quiseres. Por isso, bandeira branca, branca, branca.

E o dia já vai engolido pela boca da tarde. E o poente, numa antropofagia daquelas, come o sol incandescente. Somos nós em sentido figurado…

Fui, meu camarada. Já não está cá quem teceu estas linhas…

Lua, lua, lua