sábado, 31 de maio de 2008

Li cores e ad vinhos




Dados lançados



Vieram as eleições. E os dados são claros: o PAICV não tem hoje as praças autárquicas mais urbanas de Cabo Verde. Praia, São Vicente, Santa Catarina e Sal estão doravante sob a gestão municipal do MPD. Este partido, para além do Sal, tem também Boavista e Maio, ilhas consideradas "turísticas". Os dados, ora lançados, servirão para uma análise profunda e responsável da situação. Nem tudo o vento levou...




Poesia




Terminei mais um livro de poemas. Poemas ilustrados com fotografias de Omar Camilo. Ou vice-versa. São versos de meia-idade, com o pêndulo ora pela fogacidade, ora pela sagacidade. Cumprindo o preceito de João Cabral de Melo Neto, Mestre da Poesis, em que o fonema não derrama seu poema. O título: "Li cores e ad vinhos"...




Espectáculo do mundo




Sábio era Alberto Caeiro, apaziguado com o espectáculo do mundo. Cuidando dos seus rebanhos, ele fazia-se de bom pastor. Por vezes, é mesmo assim: fechar os olhos e deixar as coisas andarem. A apatia. A quase indiferença. Outras vezes, é nada disso: descer na arena e pegar a fera pelos chifres numa luta sem fim. A intervenção. O alinhamento às causas e às coisas. Sermos actores desse espectáculo do mundo. Ganhar e perder os dias, fodam-se, Deixar os livros de Caeiro na estante da sala...


sexta-feira, 30 de maio de 2008

Meta tempo




Tempo

Chove. Fria e mansamente. Com algum remanso. Com nuvens baixas e plantas bafejadas pela neblina.

O rio. O rio quase perto. O rumorejo do rio. E o ciciar de uma ave.

Avezinha di rapina, branka ki tem...London Mood.

Em Lisboa, "o pessoal declama poesia cabo-verdiana".

This mascarade.

Neve na alma. Neve aquecida de branco. Alvura.

Tempo. Palavras soltas, soltas, soltas...Le neant, porra.

Blank. Blind. Wild...

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Por ora

O meu velho faz anos
Tenho com o meu pai uma estranha relação de amizade e cumplicidade. Deixámos cair, há muito, o Muro de Berlim da idade. Falamos da arte, da ciência e da filosofia. Da cidade da Praia, que é onde gostamos e escolhemos viver. De Cabo Verde, que é nossa causa comum. Apesar de ser avô dos meus filhos, tenho por ele essa entrega de melhor amigo. A eternidade? Já não temos idade para nela pensamos. E o velho faz 79 anos, bem contados. É apenas e tão só uma nota pessoal, se me é permitido amar alguém…
Nossos jovens/adolescentes
Ainda há dias, eram frágeis criaturas e o tempo passou num ai. Hoje, saídas da moldura da infância, já não querem comer as refeições à mesa e passam boa parte das horas no telemóvel. Nem ficam felizes com os grandes almoços de família. Tão pouco somos os heróis do pessoal, já que nem somos tão digitais assim. Distanciaram-se daqueles que não sabem a criptografia do MSN e perderam o compasso do hip-hop. Começaram a namorar e não dão tréguas aos que amaram a seu tempo. São egoístas e parecem querer partir a cada amuo. Angustiam um bocado, mas gostamos deles. Continuam a ser a melhor parte de nós. São os nossos jovens/adolescentes
O Bicho
Na semana passada, escrevi sobre a escassez do arroz. A situação é gravosa e desumana. Está aí um problema sério (e cada vez mais real) dos Direitos Humanos. Conduzindo do Palmarejo para o Plateau, vi a cena chocante. Não era esse poema de Manuel Bandeira, referenciado há dias numa crónica de Airton Monte. Era um homem no contentor do lixo. Absolutamente, um homem. E, já agora, tomem lá os versos de Manuel Bandeira: Vi ontem um bicho/ na imundície do pátio/ catando comida entre os detritos/ o bicho não era um cão/ não era um gato/ não era um rato/ o bicho, meu Deus, era um homem.
Nobreza de ser
Acompanho, com interesse, a campanha autárquica. É importante que Cabo Verde saia sempre a ganhar, sublimando as eventuais crispações e os evidentes exageros. O pessoal precisa de alguma contenção verbal. Dizer tudo com modos. Ir mais no modo que na moda. Será a maledicência, tão vil quão habitual ultimamente, a única forma de fazer política? Em verdade, a política é ciência nobre e não esse território da canalha. Os cidadãos querem civismo e elegância como direito. A democracia não é o "laissez-faire" da maioria e da minoria, mas o ditame da cidadania. Talvez pareçam estas palavras exageradas para algum "deus das esquinas". É que importa exagerar na nobreza de ser…
Superfícies
Criativa e de bom gosto a exposição "Superfícies", de Omar Camilo, no Centro Cultural Português. Igualmente, interessante a exposição fotográfica do inquieto Baluca Brazão, no Centro Cultural Francês. Estas e outras iniciativas levantam um grande questionamento: não chegou a hora de uma grande galeria de arte na Cidade da Praia? Nem precisam responder. A hora é agora!

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Arroz


"E não adianta buscar esse caminho nos outros e nas coisas, pois a porta de acesso somente pode ser aberta por nós e por dentro. Cabe-nos simplesmente destrAlinhar à direitaavá-la, mas se estiver emperrada, o jeito é arrombá-la".
Aufifax Rios
Vianda básica
Leio, na revista Correio Internacional, um gravoso artigo sobre a eleição de Sílvio Berlusconi, algo que não me move como a escassez do arroz, e vejo que o mundo, para lá do triunfalismo globalitário, não passa de uma grande violência estrutural. Há uma clara eclipse da razão e da justiça. Os cosmocratas falam em crise do arroz. O Império da Vergonha prefere colocar os alimentos nos carros que nas bocas das crianças do mundo. Anda tudo ligado. E que não venham os nossos sabichões, armados em trepadores de coqueiro, fazer a defesa do indefensável. Parem a grande treta. Sem o arroz, vianda básica da nossa gente, a democracia resta empobrecida e inoperante…
Viciado em arroz
Em verdade, sou um viciado por arroz. Todos os meus pratos preferidos são acompanhados de arroz. Aproveito a oportunidade para esta nota pessoal, com devido respeito aos aficionados da alta cozinha (ou da "nova cozinha", como insiste o meu sócio e amigo Carlos Hamelberg), mas os meus predilectos são peixe frito com molho escabeche e arroz pintado, arroz de pato à Dona Mindoca, arroz de atum (atum de conserva cabo-verdiana!) e canja de galinha (com arroz "tupatupa"). Isto, para não vos falar do bolo de arroz e do arroz doce. Acompanhante dilecto e recorrente, expresso aqui a minha preocupação face à propalada crise do arroz. Vendo a geopolítica e esta insanidade dos especuladores de tudo, apetece-me dar viva ao arroz nosso de cada dia e um retumbante abaixo a cosmocracia que não interessa ao Planeta…
Agora falando a sério
Durante anos o Banco Mundial e o FMI disseram que um mercado liberalizado proporcionaria o sistema mais eficiente para produzir e distribuir alimentos, mas hoje os países mais pobres são forçados a uma intensa guerra de competição contra especuladores e comerciantes. Hedge Funds e outros capitais errantes estão a despejar milhares de milhões de dólares em commodities que fogem dos mercados de acções, colocando os stocks de alimentos fora do alcance das pessoas pobres. Segundo estimativas, os fundos de investimento agora controlam 50-60% do cereal comercializado nos maiores mercados de commodities do mundo. Calcula-se que a quantia de dinheiro especulativo em commodities futuras – mercados em que os investidores não compram ou vendem uma commodity física, como arroz ou trigo, mas meramente apostam sobre movimentos de preços – inchou de US$5 mil milhões em 2000 para US$175 mil milhões em 2007. A situação é indefensável. Um crime à escala mundial. Olhe-se para o Haiti, por exemplo. Poucas décadas atrás era auto-suficiente em arroz. Mas um pacote de 1994 do FMI, forçaram-no a liberalizar o seu mercado. O arroz barato inundou-o a partir dos Estados Unidos e a produção local foi arrasada.
Meio vegetativo
De repente, carro parado no meio do engarrafamento, sentiu-se completamente só. O mundo como um enorme armazém vazio de arroz. O turbilhão das pessoas à sua volta parecia nada. Ele já não tinha reunião marcada, nem criança ruidosa em casa. Agnóstico, não cometeu o pecado de ir ao confessionário e, nesta cidade, não era hábito ter psicólogo de serviço. Nenhuma rosa digital, nem mesmo um flirt virtual pela Internet. Deixou a meio um livro sobre Barak Obama e a cidade não tinha cinema. Olhou para a baía e percebeu que não era feia a paisagem, mas não se emocionou com o crepúsculo. Nem mesmo ouviu, à primeira, o buzinão dos carros atrás de si. "O senhor anda a dormir ao volante ou quê, seu vegetal", gritou-lhe um taxista sem consciência deste mundo sem arroz…