segunda-feira, 11 de maio de 2009

O Imprescindível


1.
Levitam-se, nesta manhã de Maio, todos os espíritos bons e sábios. O que se furta à luz deste dia é o meu pai ter feito 80 anos. Anastácio Filinto Correia e Silva é um homem sábio, sereno e tolerante nesta matura idade. O imprescindível. Com inteligência e humor prontos a disparar. Em tudo o que, de paz interior, lhe consente a vida…

2.
A partir deste momento, o Albatrozberdiano está suspenso. Fechado para balanço. Quero ter tempo e vagar (calma, sobretudo) para escrever Os Apontamentos de Denise, um romance que me dá voltas à cabeça e quer ser livro ainda este ano. Também anuncio para Julho o fim das crónicas no Jornal A Nação. Quero escrever menos para escrever melhor. Tudo não passa de ponderada e lúcida postura. Há uma hora para cada coisa. Pode-se, sem tornar ninguém infeliz, mudar de rumo e de vida. Pode-se arrepiar este caminho e andar outra estrada que não esta. Pode-se dançar outra música, a mais inaudível, todavia melhor meditada. A partir deste momento…

3.
A rapaziada (yes, we can eat..Big Mac) há-de ficar mais confusa nas eiras e nas beiras. O entardecer da idade, já dizia Eugénio Tavares, trar-nos-ia o imorredouro sentimento de amor. No devagarinho, vaticinara-o com inusitada confissão de Poeta. E o que rebrilha ali, dir-se-ia o sol em estribilho, são leiras de nada e outras sesmarias. Basta esse despautério de idiota da aldeia. Artífice preguiçoso de verbo trapalhão era só o que me faltava. Basta de mariquices da pequena prosa. De resto, não há como aplainar o cânone sério. Precisaria, sim, de tempo útil para escrever de pulso aberto. Para cuidar do lume brando que a cozedura literária exige. Para fazer a tenra broa de côdea fina, esse melhor recheio que a metáfora determina. Fique, pois, confusa a rapaziada.

4.
Eis a cidade. Eis o labirinto, os esfíngicos becos desta urbe. Predicam-nos infernos, os desta paróquia. Predicam-nos também céus, mas pleiteiam-se em nós verbos para pintar seus homens. Eis a tinturaria com verdes diluídos em cabo magenta. O barroco tropical seco. Uns que envilecem, outros que envelhecem. Uns são como parra e dão em nada; outros, como tu, são uva boa e dão vinho maduro. Talvez fosses à frente franquear-nos a porta do velho casario. Ou a anunciar-nos o fim de um ciclo. E o começo de uma outra conjura…

quinta-feira, 7 de maio de 2009

O único impossível



0. Essencialidade
O que faz a poesia, no meu modesto encarar, é a essencialidade poética vis-a-vis a realidade. A realidade pode ser apaziguada e/espasmódica. Ela pode ser a sua própria dialéctica, a sua irrealidade. Ou, ainda, a sua surrealidade. É tudo uma questão do sensacionismo com que nos apercebemos dela. Por isso, “O único impossível”, de Ovídio Martins, tem a mesma essencialidade estética que “Saudade”, de Januário Leite.
1. O único impossível
Mordaças
A um poeta?

Loucura!

E por que não
Fechar na mão uma estrela
O Universo num dedal?
Era mais fácil
Engolir
o mar
Extinguir o brilho aos astros
Mordaças
A um poeta?

Absurdo!

E por que não
Parar o vento
Travar todo o movimento?
Era mais fácil deslocar montanhas com uma flor
Desviar cursos de água com um sorriso

Mordaças
A um poeta?
Não me façam rir!...

Experimentem primeiro
Deixar de respirar
Ou rimar...mordaças
Com liberdade

Ovídio Martins
2. Saudade
(À memória de minha estremecida mãe)
Alma mais simples do que a flor singela,
E coração de rola a mais sentida,
A minha santa mãe inesquecida
Era o ideal das mãis: tal era ela.
Não mais verei a luz da minha estrela
No céu caliginoso desta vida!
Que resta a [à] alma, pela dor vencida,
Nas trevas desta noite de procela?

Apenas mil lembranças! e, suspenso,
O éco da sua voz e a soledade!...
Ó mãe, se numa balança, tal qual penso,

Existe no teu mundo, a eternidade,
Mãe, põe dum lado o teu amor imenso,
E doutro lado põe: a minha saudade!

António Januário Leite
3. Poética
Houve do evadir das palavras
Como haveria, outrora, de fugir
Aos tempos verbais de jaez ou raiz
De um sol fulminado em fulminante,
Algo como poética…

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Boche é brom!


Foto de Xam


Logo eu que trocara, não os vês pelos bês, mas minaretes por minetes (mais por descuido que trocadilho), se calhar na calha de Alexandre O'Neill - Boche é Brom! -, fiquei ali, prostrado e demorado, a ver pela cara dos presentes. Mas este gajo ganha a vida a escrever poemas? Em verdade, este gajo ganha a vida a aturar quem atura, pondo no lugar a sintaxe toda e escondendo a semântica, onde cotovias, quanto não cucos, eram o que se via pela fresta das palavras. A vidinha afinal (e não há que se estar condoído com a sorte, se há tanta gente sem norte) resume-se a estes erros de paralaxe. Vamos, pois, ao Moamba animar o estômago, pois que as pretas estupidamente geladas entram lisas com os carapaus fritos e o resto será poesia. Queres saber para quando o fim do Albatrozberdiano, este blog que já vai longo. O meu irmão António, de todos o mais sábio, porque de racionalidade mais infinita, diria: Concentra-te para a literatura mais de monta, para o romance que de ti se espera. Talvez devesse eu ir às Conferências de Estoril ver Blair e Aznar, mas, nas horas que me sobram nesta Lisboa luminosa, ou poema ou nada. De resto, escreveria a sentença poética de Eugénio Melo e Castro: A poesia é um gozo/o leitor/deve sentir-se gozado. Estou a ver pela cara dos presentes, repito! Prometo ao escultor Moisés, que é vegetariano e esculpe menires que voam, uma cachupa de algas marinhas. Estou mais calhado para o vate poético, balbucio-me. Por isso, outro livro está já pronto: Diversa prosa de quase verso...

A Casa dos Budas Ditosos

A Casa dos Budas Ditosos - João Ubaldo Ribeiro

Poema à mãe

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe!

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos!

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais!

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura!

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos...

Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me? -,
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
"Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal..."

Mas - tu sabes! - a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu...

Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas...


Eugénio de Andrade

terça-feira, 5 de maio de 2009

Sob-notas

Violão de Lela

Faleceu ontem, aos oitenta anos, Manuel Tomás da Cruz, mais conhecido por Lela Violão, toada de seresteiro, ser humano bom, meu amigo. Em Lisboa, onde me encontro, choro a eternidade da sua ausência. Tocador nos bailes da boémia, desde os 14 anos. Ele deixou-nos um disco - Caldo de Rebeca - em parceria com o violinista Martin Schaefer. Em verdade, não faleceu o Violão. De Lela…


Aleluia pantagruélica

Deixei de ir ao espectáculo de Lenny Kravitz, no Pavilhão Atlântico, para jantar em casa do Mito e da Rita, no Bairro Alto. Para além dos donos da casa, somos eu, Abraão Vicente e José Cunha. Aleluia pantagruélica, regada a bons vinhos: Gambas ao Molho de Alho Francês e Pato no Forno e Arroz de Alho – um poema. Cunha, um dos grandes poetas cabo-verdianos a emergir, fez incursões dramáticas sobre a minha poesia.


Feira do Livro de Lisboa

Acordo neste dia 6 de Maio, em quarto de hotel, ouvindo Unforgettable, de Nat King Cole. A só (e sozinho, como me sinto), balbucio a frase de Jorge Luís Borges: “Que outros se gabem dos livros que lhes foi dado escrever, eu gabo-me daqueles que me foi dado ler.” Por isso, releio A Casa dos Budas Ditosos, de João Ubaldo Ribeiro, um romance obrigatório. Também por isso e antes de ir lançar Li Cores & Ad Vinhos, hoje às 18H00, ao Centro Cultural de Belém, passarei o dia no Parque Eduardo VII, na Feira do Livro de Lisboa.

sábado, 2 de maio de 2009

Alas de Mariposa


A Francisco Fragoso e João Branco, personas...


Campo de Concentração do Tarrafal

Naturalmente que não sou apologista de uma celebração inflamável, como se todos tivéssemos pavios curtos, do passado. Entretanto, não poderemos perder a consciência em relação à abominável condição humana em que se vivia no Campo de Concentração do Tarrafal. Nem deveremos permitir a lavagem da memória dessa tragédia, pois nem estaríamos a exorcizar os fantasmas (que elas existem, existem), nem estaríamos a construir um futuro saudável em temos dos Direitos Humanos. A História não se resume à interpretação dos dados documentais, pois estes também não são neutros, nem isentos, como aliás todos os testemunhos. A própria Ciência não poderá ficar imune às nossas abstracções e às nossas condições afectivas, sociais, históricas e culturais. A própria Ciência é produto histórico e, deste modo, a ciência com que olhamos o Campo de Concentração do Tarrafal…
Pathos nacional
Ainda que possa desagradar a gregos e a troianos (e a risco de melindrar cabo-verdianos), reafirmo, ou não serei eu pensador por conta própria, que a sagrada família política ficará mais enriquecida com o afrontamento político entre Carlos Veiga e José Maria Neves, duas pérolas políticas (prevaleçando este itálico) de Cabo Verde. Pelo dito e pelo visto, e só para confirmar o pálido exemplo destas palavras, atente-se ao famoso debate, mediado pelo jornal A Semana, indiciador aliás da "última fronteira"do pathos nacional. Não sendo as únicas soluções dos seus respectivos campos políticos, já que afinal (e ainda bem) o cenário se torna hoje mais complexo, creio gizarmos por esses dois cavalheiros a formatação de novas ideias e de outras vontades conducentes ao mainstrean político que anda a faltar ao País.
Chuva ácida
Não poderei ficar calado, nem deixar de expressar a minha indignação, diante do execrável artigo (encomendado e pago, diga-se de passagem), no Jornal Expresso das Ilhas, que se presta a uma desproporcionada tentativa de "linchamento moral" da minha irmã Benilde Correia e Silva e a de um maquiavélico "abuso psicológico" da sua filha Carine, de apenas 11 anos. A minha irmã, protegendo o bom-nome e a estabilidade emocional da filha, pesando ainda as responsabilidades públicas e sociais que tem, não poderá reagir nos mesmos termos e com as mesmas armas. Ademais, sabendo tudo não passar de um ardiloso plano de fugir aos tribunais e às responsabilidades (penais e civis) de "quem falsamente a acusa" e/ou de um desespero de causa em relação à justica que tarda, mas não falha, creio piamente estarmos aqui perante um demente a magicar "crónicas da morte anunciada". E, como diria o Poeta, as minhas dúvidas mais sombrias pairam no ar como nuvens de lixo tóxico prestes a desabarem sob forma de chuva ácida e corrosiva. Mas Deus tem...
Poësis, naturalmente
Claro que a vida continua, mesmo se os problemas imediatos são os homens-cães e vice-versa, desses que Arménio Viera espanta "não ladrarem". A realidade é esta e não importa chamar de monstros simples moínhos inertes, passe a metáfora quixotesca. Não há como fugir a metaforizar o discurso e chamar bois bravos às vacas loucas. O resto é ir vivendo, em poesia. Ou na Diversa Prosa de Quase Verso, livro que termino por estes dias. Os amigos, os verdadeiros amigos, terão entretanto a distrair com Li Cores & Ad Vinhos, ora no mercado. Prometi, sem arrogância e de coração aberto, dar autógrafos. Os Li Cores vão para os meus pais Hermínia Cardoso Correia e Silva e os Ad Vinhos para os poetas da minha geração José Luis Tavares, Valentinous Velhinho, José Luiz Hopffer Almada, Vasco Martins, Tchalé Figueira e Mário Lúcio Sousa.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Hora dos Bravos



0.
Esta crónica não pretende fazer análise da conjuntura política nacional. Tão pouco, pretendo, através dela, exercer uma valentia de afirmação com causa, mas sem consequência. Cronista bissexto, as minhas opiniões são apenas marginais e fazem parte de um “imprinting cultural” da minha cidadania. Por conseguinte, aos abutres de opinião, alguns dos quais parasitam as praças municipais e on-line com sórdidos comentários de trazer por casa, não haverá razões para a ira. Esta crónica pretende tão-somente rir dos mitos escondidos sob a couraça das verdades. O gozo enorme das desmistificações. Dar, com os leitores, a sonante gargalhada da dúvida contra a ideia-fixa e a ideia-força

1.
Aquando o regresso das férias do A Semana (férias que melindraram alguns, diga-se de passagem), esse Jornal estampava uma grande entrevista, à guisa de debate, entre Carlos Veiga e José Maria Neves. Os meus amigos especularam à larga sobre o cenário que se montava. Uns, mais cartesianos, falavam que esses dois grandes actores da política fizeram um frente-a-frente presidencialista. Outros, menos cartesianos, admitiam um acordo tácito de coabitação política em que José Maria Neves faria o terceiro mandato governativo e Carlos Veiga finalmente chegaria a Presidente da República. Em verdade, todos afrontaram o arquipélago das incertezas e, a riscos enormes, não analisaram outras variáveis políticas e sociológicas que, no subliminar caos da existência, determinavam o curso dos acontecimentos.

2.
Ultimamente, ainda na mesma linha especulativa, os analistas, tanto analógicos como digitais, já falavam da possibilidade de Carlos Veiga e José Maria Neves afrontarem-se, primeiro, nas legislativas e, depois (se calhar por expedientes de delfinato), nas presidenciais, como se a opinião pública e o sistema político fossem apenas agentes da passiva. Uma vez mais, as coisas não parecem tão lineares à fala dos doutos e os veredictos autoritários das ideias parecem fadados a um rotundo fracasso. Carlos Veiga e José Maria Neves afirmam concorrer, por ora, à liderança dos seus partidos nos respectivos congressos no decurso de 2009. E a premissa de tais afirmações, ela mesma, comporta a sua incessante dialéctica.

3.
Confesso que me apraz assistir ao duelo entre Carlos Veiga e José Maria Neves, ambos determinados a nos governarem depois de 2011. Será um duelo dos bravos. Apraz-me assistir, uma vez mais, que os grandes acontecimentos fazem parte da incerteza destes tempos. Aliás, fazem parte da incerteza de todos os tempos. O poeta grego Eurípides dissera que “O esperado nunca se cumpre e para o inesperado um deus abre a porta”. E como é bela a aventura humana pelos insólitos…

4.
Quero apenas dizer aos confrades de opinião que as nossas ideias (as minhas à cabeça), às vezes, axiomáticas e absolutistas, precisam passear por meta pontos de vista e importar variáveis dos mais improváveis. Poderemos, nesta hora dos bravos, estar erradíssimos da silva. E isso também, meus caros, era um gozo enorme…

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Começa a haver flores a mais

começa a haver flores demais
flores cromáticas, umas mais plásticas
que outras, mas todas doidivanas,
a crescerem como um cancro
na Primavera.

começa a haver excesso de luz,
exagerado diurno e a faltar sombra,
becos íntimos para os beijos, fiapos
de nuvem e de lua para a primeva
nudez da aurora.

falta a cambraia das noites frias,
a ventania com que nos refugiamos
sob os cobertores de outrora, falta
calar o chilreio dos pássaros, começa
a haver canto a mais.

os interstícios de tantas falas,
os tules, ora sem cor, nem dor,
o caule das alas e o coice dos alados
cavalos, ora o reduzir poesia à prosa
e (as mulas) à metáfora.


Filinto Elísio
in Diversa prosa de quase verso

sábado, 25 de abril de 2009

25 DE ABRIL

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo


Sophia de Mello Breyner Andresen

quinta-feira, 23 de abril de 2009

O que me acontece

Evades-me, ora de contente, ora de padecida,
Perdendo no que me eras enleio, só devaneio,
O seres-me sêmea, se sendo fêmea não bastarias
Para que me afoitasses, cá dentro, poesia…

Desfiava-te as tranças e esvoaçava-te os pêlos,
Sodomizava-te a cada milímetro, a música
De ti que ouvia, teu certo respirar, arfante,
De quase gemido, nau perdida que derivas…

Evades-me sempre, tão que de modo leve,
Se me escapas das mãos, quão fresca água
De matares minha sede, a dos desertos meus…

A de minha vida breve, eis que me anoitece,
Ave que vai e vem, voa e povoa de imagem
O soletrar de amanho com que me foges…


Filinto Elísio
in Diversa prosa de quase verso

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Kriola Enkantu


Cronista Desesperado, Poesia & Moonlight Serenate






Poderia começar por intuir que a lua é uma mulher linda, lindíssima. E, já agora, que tanto se me dá, instituir que sou louco, o que é pouco diante do que se vê ao espelho. Poderia, em segundo, continuar a fazer loas à lua, ouvir dela uivos de loba e berrar à quietude do monitor do meu portátil. Às vezes, questiono-me se não seria mais interessante parar de escrever crónicas. Deixar de ser inspirado. Dar um desesperado basta ao Albatrozberdiano. Fazê-lo, não para transpirar a Bloga incauta, mas parar tão simplesmente. Radondu sima riloje. Questiono-me se não seria até mais ecológico se, num rasgo filosófico mediano, merecido à pasmaceira de resto, acabasse de vez com o Entre-Nós e fosse à lua cheia na rua. Assumir o penso, logo desisto. Outras vezes, admito que o pessoal terá de aturar as minhas impertinências, engolir o sapo das minhas agruras e aceitar que eu seja ovelha desgarrada. No dizendo, fazendo, se ajoelho não digo ámen. Rezar também não. Admito também compartilhar o oxigénio e o carbono com todos, e mesmo cometer pecados de amar, acarinhar, doar, verbos não muito regulares e, na paróquia, tidos por levianos. Como despiciendo o discorrer sobre os amores passados, tardios e reciclados -, uns em boas amizades, outros em ódios de lume brando. Admito ainda não poder ser outro, mas tão-só só este poeta, exagerado, pé feio, aquilo torto, olhos mortiços, andarilho…E leio, com entusiasmo, que os cientistas descobriram que recitar poesias ou ler poemas em voz alta diminui o stress, normaliza os batimentos cardíacos e a frequência respiratória. Será que a poesia começou a ser útil? Descobriram que, tal como a marcha matinal e/ou vespertina, vale recitar e eu, modéstia à parte, confesso que já andava desconfiado disso. Todavia, não será por utilidade a razão de haver escrito Li Cores & Ad Vinhos, livro que, em breve, estará à disposição da recitara local. Este é um livro inútil nos escaparates. De alguém a beber as palavras para além da conta e a desejar compartilhar a sua embriaguez com todos. Inútil como os olhos esverdeados dessa morena para o trigueiro e que passa também pela rua, alheia à lua. Se quiserem provar o cálice, tê-lo-ei à mão de todos. Confesso que este livro não marca uma nova fase, nem aponta novos caminhos. Não exageremos. Já não tenho idade de entreter a canalha. Tornei-me simples, assumidamente simples. Até por ter percorrido o território da complexidade. Simples, mas não ingénuo, como ditaria a própria desconstrução da complexidade. Como downgrade…Pela rádio, ouço a cantilena dos cretinos da terra. Têm a prerrogativa do Estado da Nação. Os melhores filhos desta democracia que também têm de mediocridade o que lhes sobra de milagrosa bênção. Enquanto não me chega o dia de pensar para desistir, saio à rua pensando no cão que me guarda, na estrela que reluz, na brisa que bole a copa das acácias, essas coisas…Lua, vagem, viagem. Uma carruagem de coisas. Sou assumidamente sartreano em que o homem encontra em toda a parte a projecção de si próprio. Os meus poemas repetirão isso. Tudo – pedra, flor, água, ar, terra, vento, gemido, fala, Deus – é reflexo do homem. O homem reposicionado em tudo, inclusive na sua própria transcendência. Acho até que a lua cheia, assim cheia de graça e de luz, me persegue. Saio a deambular, com a mão na algibeira, esquecido dos assaltos e dos meus inimigos de estimação. Moonlight Serenate. Eis que também a lua é inútil. Será? Assim (permitam-me esta confidência), a lua é uma mulher linda, lindíssima…

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Tudo incluído



1.
Chego ao grande empreendimento turístico e o porteiro, que faz as vezes do segurança, não me deixa entrar. Ele explica-me que posso ver o pôr-do-sol ali mesmo à entrada, mas que o hotel não aceita não hóspedes. Eu sou um não hóspede. Tanto que me contento com o sol a pôr-se no mar como uma melodia que enternece. Um sol alaranjado e oceânico. De um lado esse sol enorme, redondo e esmaecendo-se ao crepúsculo. Doutro lado, o porteiro pensativo entre as minhas razões e as razões do hotel. Entre o meu bilhete de identidade (cidadão cabo-verdiano, pois com certeza), que me deixa à porta, e a ausente pulseirinha (jura-me o porteiro nas vezes do segurança), que me faria entrar no portentoso hotel…

2.
No aeroporto, já uma vendedeira me informara das suas vendas nulas. Os turistas que chegam ou partem, tendo pago à origem o tudo incluído, não têm dinheiro para comprar um souvenir da terra sequer. O t-shirt, o bibelot de casca de coco ou de pedra, o CD, o cartão postal, a garrafa de grogue, o ponche de mel e de coco, o atum de conserva…tudo fica literalmente às moscas. Na esplanada do aeroporto, a balconista também tem queixas: “Nem uma garrafinha de água!” Os turistas chegam e partem, liderados por um tour manager, sem terem espaço para conviver com as pessoas da terra. É-lhes desenhado um cenário exótico da ilha – as suas dunas de areia, as suas praias intermináveis, as suas estradas entre ravinas -, cujo pacote deve ser comprado à priori na agência de viagens…

3.
De repente, consigo falar com um turista acidental. Um que foge da muralha do grande hotel e vem ver o pôr-do-sol cá fora. Este quer saber da língua, da música, da poesia e da culinária de Cabo Verde. Sabe que temos um país de rendimento médio e em cumprimento dos objectivos do milénio. É um evadido, um subversivo. Não se contenta com sol e praia, com os passeios pela ilha nos autocarros alugados pela operadora turística. Diz-se farto de comer pasta e pizza em Cabo Verde. Cioso de sentir o Petit Pays que Cesária Évora canta, diz ele. De repente, consigo falar com um turista incidental. Um que rompe o circuito, o bloqueio que o circuito cria. Um perigoso, amante fervoroso do pôr-do-sol cá fora…

4.
Não deveria haver um sistema híbrido, alternativo ao all inclusive dos hotéis e das aldeias turísticas, de Cabo Verde? Algo que, sem perder a selectividade, contornasse (e controlasse) a versão de turismo da pulseirinha? E que permitisse maior interacção do turista com a comunidade? Naturalmente que, sendo criativos e inovadores, não nos faltarão ideias originais ou soluções, como agora é moda dizer, para humanizar (se não mesmo crioulizar) o circuito turístico cabo-verdiano. Tão pouco nos faltarão engenho e arte para acrescentar a tais soluções a cabo-verdianidade com os seus ingredientes da arte e do folclore. Ademais, não nos dispomos a mostrar a cor da pulseirinha diante um Cuba Libre, já que Grogue de Santo Antão e Vinho do Fogo não estão no cardápio. Enfim, é tudo incluído…menos Cabo Verde!

segunda-feira, 6 de abril de 2009

A Sense Of Humor




Kriol Jazz Festival

Não sei a quem realmente agradecer pelo maravilhoso fim-de-semana de Kriol Jazz Festival. Antes de mais, à Câmara Municipal da Praia pela ousadia de transformar em festival a “outra música”, a inumerável música de qualidade que a elasticidade da semântica chamará de “jazz”. Igualmente, pela Produção Harmonia, vê-se que coisa fina, da melhor cepa e estampa. O palco, a Praça Luís de Camões (ora Praceta Dr. Lereno, ora Praça da Reitoria da Universidade), o público que vibra com Lenine e pede bis, tris, parou porquê, porquê parou, e que dança com Jorge Reys e Banda pela madrugada, os aficionados que cantam com Yuri Boanaventura, tudo muito mágico, com tanta metáfora. Ver e ouvir Mário Lúcio, com uma banda híbrida e boa, a estilizar a ladainha é momento raro que a recordação irá resguardar aqui no chip. Sentir o pulsar reinventado de Tcheka, ele todo mais que artista, mas Arte em pessoa. O som pesado de Meddy Gerville, o kora de Ba Cissoko, que lembra, mas com genica de um Richard Bona, Andreas Vollenweider. Para continuar…

Horace Silver

Como munícipe desta cidade, não estarei desautorizado a fazer propostas. Que a edição do próximo ano seja em tributo a Horace Silver, o maior jazz-player cabo-verdiano-americano, felizmente ainda vivo e sem a ventura de conhecer Cabo Verde. Silver foi o criou o hard bop, estilo mais influente do jazz desde os anos 80. Ele tocou com Stan Getz, Miles Davis, Coleman Hawkins e Lester Young. Com Art Blakey, ele criou os Jazz Messengers. Mais: tem duas músicas com reminiscências cabo-verdianas – The Capeverdean Blues e Song For My Father. Vamos, minha gente, homenagear Horace Silver. Passaporte Diplomático, Chave da Cidade, Doutor Honoris Causa, essas coisas. Como diria Silver, Jazz has a sense of humor

Modo de preparo

O segredo está no tempero à minha moda. Seja pernil de porco ou badejo no forno, seja Molho de São Nicolau, seja Djagacida, a chave do enigma começa no fogo lento, alho, limão, gengibre e coentro. Juro que vou escrever um livro sobre os temperos. Dos pratos aprendidos em Providence. Dos experimentados em Marraquexe. Da cavala frita ao molho escabeche. De como acompanhas as medidas e cronometras o tacho de feijão. De como o azeite extra-virgem e o azeite balsâmico se acasalam. De como marinar esse carpaccio de atum. Sem cardápio, sem salamaleque. Slow food. E que tal um festival de slow food crioulo? Salsa, agrião e sal grosso. Sobrando-nos apenas e tão-somente o modo de preparo…

Vela para Nossa Senhora da Graça

Hoje, estou mais calmo. Dirás que acendi uma vela para Nossa Senhora da Graça, minha padroeira. Dir-se-ia que bate em mim um remanso qualquer. Será da voz de Yuri Boanaventura que nem cantou Ne Me Quite Pas? Será do texto sobre feng shui que me torna, a par e passo, crente do Oriente e das montanhas do Nepal? Será dos olhos dos meus filhos escuros e grandes com a noite? A noite me apazigua o pensamento, não sei se devido ao vento ralo ou à sombra que se desprende dos beirais…

sábado, 4 de abril de 2009

1. Kriol Jazz Festival. Quem não foi, perdeu. A edição de ontem elencava três grandes nomes. O primeiro convidado era um filho da terra: Tcheka. O seu nome é referência absoluta da música cabo-verdiana. Nesse mesmo palco, actuou depois Meddy Gerville, da Ilha Reunião, um dos maiores virtuosos do moderno jazz instrumental . Finalmente, a chave de ouro Ba Cissoko, da Guiné-Conacri, com os códigos todos do kora ancestral e o virtuosismo de quem aprendeu o "ruído" de Jimmi Hendrix...

2. Instituir Kriol Jazz Festival, anualmente, significará agregar valor à Cidade da Praia, pelo que merecem aplausos os promotores do evento. Aos poucos, a oferta cultural será plural e internacional, havendo espaço também para outras formas e outros conteúdos, para outras soluções espirituais. Longa vida ao Kriol Jazz Festival...

3. Praia já teve Fesquintal de Jazz e Festijazz, assim como já teve dois festivais de cinema. Vamos, pois, recentrar esta cidade pela Arte e pela Cultura. Comecemos pela animação, pelo patromónio, pela reflexão, pelo debate. Comecemos pela atitude. O striptease necessário. Despir a canga da mediocridade, da mesmice e da dominação. Mental slavery. Nu moooooooooooooonda...

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Minuendos




1. Nota máxima para o workshop, ontem, na UniCV, com os músicos Jorge Reyes, Changuito e El Panga. Como diria Jorge Mermelo, foi um fim do dia perdido para as coisas do espírito. O apreender a música...lentamente.


2. Nos próximos dias 3, 4 e 5 de Abril vai se realizar o Kriol Jazz Festival, na Cidade da Praia. A conferir:


3 Abril


Tcheka - Praia - CV
Meddy Gerville - Réunion
Ba Cissoko - Guiné Conakry


4 Abril


Mário Lúcio - Praia - CV
Lenine - Brasil
Mário Canonge & Ralph Thamar - Martinique


5 Abril


Baú & Voginha - S.Vicente - CV
Regis Gizavo - Madagáscar
Jorge Reyes
Orestes Lopez, Cachão & Chano Pozo - Cuba
Yuri Buenaventura - Colômbia


3. Lá estava a treta ultraliberalóide e socialeira, a fingir-se por dentro de tudo e de nada. Uns de portáteis a luzir, outros de pose art-deco, todos na desdita do verbo "estar". A Fábula do Esopo, creio, começava nesses termos...


4. Chego a casa, já com o relógio sem cucos batendo as 21H00, a tempo ainda para detonar uma omelete de queijo da Boavista e cogumelos enlatados. Com chá verde gelado. Cansado...

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Chalk drawings and messages

New York, circa 1971-early 1990s, © Helen Levitt.

A Way of Seeing Morreu a fotógrafa Helen Levitt, a diva dos instantâneos de Nova Iorque. Os insólitos, as loucuras, o mood da cidade mais cool do planeta não escaparam às lentes de Levitt que clicava com genica de artista plástica e com embriaguês de poeta. A minha alma triste, que é também de crosstown, andarrilho que sou das esquinas, testemunha das ruas fechadas, dos Dead End Streets, dos baixios que os viadutos concedem, do Harlem e do Bronx às 3:00 A.M., dos vagabundos que recolhem latas de alumínio e garrafas de plásticos em carros roubados nos supermercados, de tudo. Dos pintores das pontes, dos cabo-verdianos nos andaimes das pontes suspensas, de quando os aviões embateram nas torres gémeas da World Trade Center. De tudo tão fatídico. A way of seeing...O Paraíso tropical de Humboldt (...) Em menos de uma semana, o Beagle chegou à costa ocidental de Santiago e ancorou na baía da Praia. Com FritzRoy, fez visitas sociais, encontrando-se com o governador português e o cônsul americano. Depois, passeou pela cidade, como turista, passando por soldados com armas de madeira, crianças castanhas de tronco nu e currais de cabras e porcos. Chegou a um vale profundo, nos arredores, e aí, finalmente, encontrou o Paraíso de Humboldt (...) Tempo & Paciência O jornalista e amigo Francisco Fontes nos dá conta da impossibilidade da antologia poética Destino de Bai, lançado desde Julho de 2008, em Coimbra, chegar a Cabo Verde. A ONGD Saúde em Português não diz nada ao coordenador da antologia. Em relação aos exemplares a que temos direito, devo assumir que me falta Tempo & Paciência para mendigar tal obra aos donos do mundo. Fuck them all...

Monday in B-Flat


I can pray
all day
& God
wont come.
But if I call
911
The Devil
Be here
in a minute!
Amiri Baraka

DESTE CAUTELAR PENSAMENTO




(Da Arte, dos Partidos e das Verdades)




Pretensos críticos


Antigamente, ou talvez não tão antigamente assim, reinavam os pretensos críticos da Arte, esses todo-poderosos. Com os seus critérios herméticos e estafados. A determinarem que o borrão de fulano era melhor, mais bem conseguido ora, que o de beltrano; que a metáfora de beltrano superava a de sicrano e por aí além. Mau grado o arcaboiço estético, quase sempre de reboco epistemológico, a cerne de tudo se resume aos ditames do gosto individual ou colectivo. A obra-prima de hoje pode ser, amanhã, uma obra marginal. Por isso, rogava aqui que não se nos aprisionasse a fruição artística. A gaiola da crítica, da pretensa crítica, por competente que pareça ou se aperceba, poderá, em muitos casos, conter riscos de lesa Arte. Entrementes, reinam ainda entre nós os pretensos críticos da Arte, esses todo-poderosos…


Pretensos militantes


Leio, sem qualquer entusiasmo, o elogio (que a mim soa a falso e a exagerado) que o meu amigo faz a um terceiro, pelas suas virtudes de militante partidário. Fá-lo, como se o mundo se esgotasse ali e se as galáxias de preencher com o nosso existencialismo se encaixassem, como um todo, nesse vão dos partidos políticos. Para mim (sem querer ferir susceptibilidades de uns e de outros, nem ousar perturbar deuses de esquina com vara curta), os partidos são de facto importantes para o desenho político vigente, mas, pensados a fundo, não passam de variáveis marginais da grande equação social. Podemos, se quisermos, exercer cidadania e ter vida pública à margem dos partidos e, de tal prática, podemos induzir e quiçá alterar o nosso sistema constitucional. Não haverá determinismo, nem fatalismo tão pouco, que impeça que todo esse aparato afinal se aparte de ser, como diria Caetano Veloso, uma “vaca profana”…


Pretensos donos da Verdade


Ou mesmo das Verdades. O sinal cognitivo da filosofia é sempre o ponto de interrogação. Quem no-lo diz é o Poeta Salah Stétié. Os que por aqui exclamam, sendo donos da Verdade na imprensa e nos palanques locais; os que por estas e outras bandas se afirmam sabedores do caminho das vinhas (e das verdades do vinho), mais não são que fracassos em pessoas, teses fugazes, frágeis, fragilíssimas, como todas e, de pronto, degradáveis (posto que, de primeiro, já eram degradantes). Assim todo aquele que afirma e que exclama nesta arena, afirma e exclama a relatividade e a debilidade do exposto, e encaramo-lo com o sinal cognitivo da filosofia, isto é com o ponto de interrogação. Poeta, a Verdade é pouca; as verdades são dúvidas…

sexta-feira, 27 de março de 2009

Shakesperience


Saúdo toda a gente do Teatro. Essa gente esquecida nos momentos bons e recordada nos maus. Essa mesma gente esquecida quando estão em maus momentos e solicitada quando em seus melhores momentos. Essa mesma gente de circunstâncias para a curta visão e de perseverança para os de visão profunda. Essa gente que trabalha com as dificuldades sempre a favor e que choram para fazer rir e riem para não chorarem.

Os dias de qualquer coisa devem servir para qualquer coisa. Porque nem todas as coisas têm um dia, embora hoje haja um dia para quase todas as coisas, o que quer dizer que todas as coisas são importantes. Deste modo, se o Teatro não fosse importante seria uma coisa qualquer. E se é importante, isso já é qualquer coisa, nesses tempos e nesta terra em que tudo tende a perder importância se não for político ou industrial. Que ainda haja teatro em Cabo Verde é um sinal de que são uns sãos loucos que fazem este país. Mas para que haja sempre Teatro em Cabo Verde é preciso desconfiar dos doutos de ocasião, esse que fazem teatro onde não devem. As ajudas festivalescas e as palmadas em cima do chumaço não constituem políticas nem visão estética. Nem uns devem pensar que isso é suficiente, nem outros têm com que agradecer. Deve ser um imperativo de Estado o investimento no Teatro, que deve constituir a sétima arte nacional, até que o próprio teatro, prenhe como está, gere nas suas entranhas um cinema latente. Mas tendo em conta as experiências do Mundo e os recursos de que dispomos, o cinema será sempre uma visita, e o teatro, um severo inquilino.

Saúdo novamente em nome dos ausentes a todos os presentes no teatro, dos figurinistas aos actores, dos directores aos iluminadores, dos cenógrafos aos músicos, dos dramaturgos aos contra-regras, dos anotadores às bilheteiras, do público inocente ao critico aprumado, da criançada inteligente aos mecenas reticentes.

E rogo pragas para que Março seja um mês gago, e fique truncado no dia 27 para a fortuna dos anos vindouros.

Mário Lúcio, 27 de Março de 2009
Extraído do Blog Café Margoso

quinta-feira, 26 de março de 2009

Kriol Jazz Festival


Vamos todos apoiar esta "movida"...

quarta-feira, 25 de março de 2009

Crónica a ser


Crónica a ser

Às quartas-feiras, tenho a obrigação de entregar a crónica ao Jornal A Nação. Ao arrancar o dia, geralmente saído do king size, enormíssimo para homem só, e indo directo para o chuveiro frio, começo a matutar sobre o tema a escrever. Já escrevi sobre tanta coisa! Dos bairros degradados na cidade da Praia ao festival de cerveja num dia das “quentinhas” em Munique, passando pelo sorriso fugaz num elevador de Nova Iorque, tudo isso já foi matéria da mais ou menos fantástica e da irreal das minhas crónicas. O meu Editor, pelo MSN Messanger, diz: Aguardo... Força e boa inspiração. Té Já!!! Cada vez mais, com denodo e algum esquecimento, estou a me tornar velho que nem a intocável vodka lá em casa. Caquéctico. Imaginem que até escrevi sobre os metrossexuais, os politicamente correctos, esses modismos que não valem um corno. A como é bom não cumprir um dever! Mas não sou Fernando Pessoa, palavra. Ter uma crónica e não a fazer. Afazeres…

E de tais escritos

E se escrevesse sobre os prazeres da mesa e da cama? Se, despido dos cuidados, vos convidasse a não interpretarem, pela rama e pela esquerda, a semântica das palavras do Papa, em Yaoundé? Se a sotaina, vez por outra, não ilumina outros caminhos para as 22 milhões de pessoas infectadas na África Subsaariana, três quartos das vítimas de Sida no mundo inteiro? Se, ciente da primeira, segunda e terceira das vossas pedras, escrevesse aqui que as certas verdades de hoje já são zero à esquerda ao tempo de um ai e que, de repente, Marx retorna à sua razão e Micheal Jackson quer, desesperadamente, voltar a ser preto? Se assumisse, mandando Brito Semedo à fineza de rever o canhenho, que oficializar o Crioulo não configura mosca na sopa desta ou daquela região? Estou aqui a ver a cara dos leitores e não deixo de rir sempre que, revoltados, uns desgostem dos meus escritos ou, entusiasmados, outros apreciem as minhas bacoradas. O poeta brasileiro Mário Quintana afirmaria que: “Há leitores que acham bom o que a gente escreve. Há outros que sempre acham que poderia ser melhor. Mas, na verdade, até hoje não pude saber qual das duas espécies me irritam mais”.


Abençoado tempo nosso

A ditadura com que, de modo melífluo e subliminar, nos impõem a televisão e o telemóvel, entrando na onda também o computador portátil, nos revela que, não adianta, por mais revisão constitucional feita, haverá sempre este hiato em matéria de direitos, liberdades e garantias. O nosso precioso tempo (em verdade doado pelo divino para amarmos, educarmos os pequenotes e degustarmos as maravilhas do mundo, para a “joie de vivre”, convenhamos) estará cada vez mais desviado pelos engenhos de agora que, mais do que aqueles de outrora, nos fazem escravos das coisas.

Bom mesmo

É ser “gauche na vida” e de assistir ao espectáculo do mundo com retumbante deboche. Fazer coro ao Heavy H, dos poucos saudáveis da praça: Chouchou, ratcham bisou, para o gáudio das Pirilampas. Dizia o Pranchinha, o mais desabrido dos saudosos, que não se pode aguentar a lida sem um bom grogue da Cidade Velha e um divino guisado de cabrito, a vinho branco, com mandioca sumarenta. Ou um arroz de lapa e percebes no restaurante da Marilena (Bila Baxu, para os sem GPS), milagre que faz pecar qualquer brocado. Compadre, posto estar crónica já feita, são dois dias esta vida. Sem palavrões…

segunda-feira, 23 de março de 2009

Cais de Pesca


Uma das coisas que adoro é o Cais de Pesca da Praia. Não à sua estrutura, que bem poderia ser melhor que aquela. Mas o frenesim. A azáfama da chegada das traineras, da descarga dos peixes, da diligência das vendedeiras. Do espírito marítimo, como se te ouvisse a declamar Ode Marítima, de Álvaro de Campos. O cais sendo, cá dentro, uma saudade de pedra. O frenesim do amanhecer no Cais de Pesca que integra a Baía da Praia, o recorte da orla, a silhueta das achadas, o portentoso dos montes, o uterino dos vales. O imprescindível ilhéu de Santa Maria, felizmente ainda não transformado em casino. O ilhéu de Santa Maria, outrora pensado em porto carvoeiro. Charles Darwin desembarcando no ilhéu de Santa Maria e na Praia Negra. O navio Beagle ali ao largo. A visão que não tivera Vasco da Gama quando por cá passara? Ainda antes de chegar à Índia, o mundo sendo o cais de São Januário entregue à sorte da ignorância. Esse Cais de Pesca, assim farto de peixe e de vida, adoro-o...

domingo, 22 de março de 2009

Magnífico

As arraias são criaturas magníficas. Magnífico é também o liceu de Chão Bom, pertinho da antiga Colónia Penal do Tarrafal. Com a Casa do Cidadão e tudo. Magnífico ainda o Monte Graciosa que encima a Praia do Mangue, na Vila do Tarrafal, onde a minha saudosa mãe nasceu. Março é magnífico. Abril mais ainda. Lembra-me a Revolução dos Cravos, eram os anos do vosso casamento e da prisão de 61, tu a cumprires anos também (das contas que já perdi) e eu a descair-me para a poesia de novo. Maio, maduro Maio. Magnífico é não me convidarem para a festa dos poetas no Dia Mundial da Poesia. Declamei Sei os teus seios/Sei-os de cor, de Alexandre O´Neil, no 5al da Música, entretanto. Ntoni Denti Doru, Nácia Gomi e Codé Di Dona são os magníficos pilares que nos amparam a alma. Magníficas as arraias quando migram (vejam a foto) para o Golfo do México...

No Inferno*



A angústia da criação. Não há maior angústia, assim como não há dor como aquela que resulta do nascimento de um novo ser humano, e sobre isso são as mulheres as melhores testemunhas. Não há parto sem dor. E com a angústia e a dor chegam os fantasmas, as vozes, as imagens e sobretudo, o peso do passado, as referências de tudo aquilo que já vimos e lemos, a memória como inimigo do novo, a balança empanturrada com todas as criações anteriores da Humanidade. Que posso eu escrever, pintar, encenar, compor, fotografar, esculpir se (quase) tudo já foi experimentado? Como posso eu preencher a folha em branco, a tela vazia ou o palco despojado de objectos, de movimentos, de vida? Sem procurar respostas, esta peça vive do que se ouve e vê – como qualquer peça de teatro, em suma. Mas quase tudo o que se ouve e muito do que se vê, tem uma forte carga simbólica, no cenário, no registo interpretativo dos actores, na música e, claro, no texto. As asas, os cacifos, o leito, as sombras, os ossos, os livros gigantes que imanam luz, as diferentes formas que assumem os fantasmas que povoam o dia-a-dia do poeta, são tudo símbolos de um estado de espírito impossível de descrever de forma racional e objectiva, porque neste Inferno da criação, o caos é um ponto de partida e será, provavelmente, o ponto de chegada. Somos todos joguetes do destino. Não há como arrumar o caos, ordená-lo sem acabar com a sua própria natureza. Então o melhor é, como diz o poeta no final, “a gente retirar-se para um lugar onde haja flores – sobretudo rosas – beber vinho e morrer.”

Texto do programa

Estreia dia 28 de Março, na cidade do Mindelo

www.cafemargoso.blogspot.com

*Arménio Vieira

sexta-feira, 20 de março de 2009

Fuckin' Friday

Lendo New York Times
Pretenda-se serem criminosos de guerra apenas aqueles que não bombordearam Bagdade, Belgrado ou Gaza City. Pretenda-se serem julgados pelo Tribunal Penal Internacional os genocídios que não foram em Chechenia, em Mongólia ou em Mexico-USA Border. Os maus são os outros: iranianos, cubanos, norte-coreanos, venezuelanos. O pobre tresanda! Nós somos os melhores. We are the best. WASPs e seus afluentes. A Hollywood faz filmes. A Disney Production faz bonecos. Acarneiramo-nos à vista desarmada. Vamos sendo filhos da puta a passo de ganso. Mata-se no Tibete, em Darfur e no Curdistão. No Afeganistão aquilo está um horror. Aqui ao lado, na Guiné-Bissau, um Presidente é esquartejado e o cinismo internacional fica silencioso. Nem todos os antigos camaradas têm ombridade para estar no cortejo fúnebre. Tão amigos que nós éramos. Terminei de ler Gomorra, de Roberto Saviano. A virgindade não existe e não será uma questão de hímen, baby. Março. De Teatro e Mulher. Incomodo? Não seja por isso. A reacção de um artista cabo-verdiano ao comentário de um outro artista cabo-verdiano. Who cares? A nuvem a passar vale mil bizantinices. Prefiro contar as ondas. Em cada sete, uma viria para mim. Era assim na minha infância...

Cidade Velha

Cidade matricial, mater dolorosíssima. Primordial. As minhas escolhas trazem outros óculos de ler Cabo Verde e estes não têm lentes exógenos, nem aros sapientes de uma elite a quer fazer o branqueamento, se não a lavagem de um activo histórico, que é o afrontamento cultural, literário e identitário dos cabo-verdianos. Escolhas que questionam um país crioulo que não oficializou ainda a língua cabo-verdiana, em paridade estatutária à vigorosa e importante língua portuguesa, nem consegue descortinar que a identidade cabo-verdiana nasce, não com o chamado Nativismo, e muito menos com o Movimento Claridoso, mas com a aventura antropossocial e cultural que se configura já no século XVI.

Pelas águas dos Blogs
A propor a repactualização dos olhares sobre a poesia cabo-verdiana que, a par do telurismo, muito arreigado durante o período Claridoso, está hoje eivado de deriva existencial. Tempo circular, espiral. Palimpsesto, de não piche o grafite. Há que passar pelas novas águas dos Blogs, dos vídeos poemas e das linguagens com outras gramáticas, sintagmas e sêmeas. Pelas águas tão-somente.

Do zil ao zip & vice-versa



Não me faltam voyeurs. Já nem digo leitores para não parecer pedante. O meu amigo Dimas Macedo falaria em leitorado. Meu leitorado para cá, meu leitorado para lá. Mas ele, poeta do Sintaxe do Desejo, é um peso pesado. Eu, simples escrevinhador, cada vez mais bissexto, diga-se, tenho os meus voyeurs. Acompanham-me os sintagmas todos, escaneam-me os sintomas, a minha sintaxe desvirtuam-na e fazem ressonância magnética à semântica dos meus textos. Fecham-me o cerco e tratam-se de marear as minha viagens criativas. Arre, que tudo isto às vezes cansa e, quando não cansa, chateia. Logo agora que não me sobra tempo para depressão, apatia, essas coisas que, vez por outra, servem de húmus para medrar a poesia. Logo agora que, tivesse eu engenho e arte, juntava os fragmentos de mim e me formatava em força e resistência e, like a sex machine, como vaticinara James Brown, me reproduziria em 10, 100, mil, zil. Ou em tudo o zil, mil, 100, 10, que sou eu, compactado em 1. Ou em zip. Estou quântico? Cuidado que os voyeurs, não por serem hackers, mas invejosos de primeira apanha, cotovelosos do caraças, são maus de pensamento e de gesto. Indigestos, de resto. Quanto valeria o cêntimo jogado à Fonte de Trevi? O que pensaria Nero antes de queimar Roma? Ou haverá cumplicidade sideral em tudo isto, a tal de Vesúvio que, há 3.800 anos, arrasou Pompeia? Outrossim, porque nada é tão belo como o Vulcão do Fogo visto, ao por do sol, na Cidade Velha; de resto, porque eu começara a escrever sobre os meus voyeurs e me fui perdendo; destarte, fico ora por aqui...em perdido.

terça-feira, 17 de março de 2009

Lançados


On the road

1. Os leitores do Entre-Nós e, por tabela, os do Albatrozberdiano, sabem das minhas novas literárias, em primeiríssima mão. O lançamento do “Li Cores & Ad Vinhos” (poesia) acontece no dia 22 de Abril, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. O itinerário inclui também Paris, ainda no mês de Abril, e Praia, no mês de Maio. Capa do Mito e do Sílvio, big joint. O livro tem prefácio de Pedro Tamen, poeta português de referência e de nomeada internacional…

2. A Associação Pró Praia, expressão viva e necessária da sociedade civil organizada desta cidade, pretende celebrar activamente o Bicentenário de Charles Darwin, aderindo à iniciativa conjunta da Câmara Municipal da Praia e da Universidade de Cabo Verde. Igualmente, ela pretende apoiar, com reflexão e debate, a candidatura da Cidade Velha a Património Universal da UNESCO, em parceria com o Ministério da Cultura, a Câmara Municipal da Ribeira Grande de Santiago e o comité nacional responsável pela candidatura…

3. Começa, por estes dias, o festival de jazz na cidade da Praia. Vamos escrever e inscrever esta urbe atlântica no circuito mundial do jazz. Ousemo-nos. Somos lançados


Futuro sempre adiado

Terá chegado o momento dos novos grandes temas. Pensar a política de forma redutora e viciosa, sob a batuta da mesmice e do partidarismo alternante (mas não alternativo), acabou por cristalizar a inovação das ideias e de inibir a produção dos novos grandes temas. Praticar a política do atavismo situação/oposição, amarelo/azul ou tão simplesmente desta e doutra bancada, acabou por resultar nisto: ausência de novas teses que pudessem refrescar a reflexão e o debate sobre o futuro, por mais crescimento que haja, afinal, sempre adiado. Sem tibiezas nem hesitações, quanto mais discursos minimalistas, será que ainda vamos a tempo de introduzir a ideia de país desmilitarizado, do alargamento ambiental, da energia renovável, do fundo autónomo da cultura, do casamento dos gays, do rendimento mínimo garantido, do alargamento das férias de parto, do orçamento participativo e do micro crédito, entre outros grandes novos temas? Naveguemos pelos Blogs nestes tempos constituintes…

Momento de crise

E agora, José? Estamos a viver um momento de crise que se abate sobre o Mundo e também sobre Cabo Verde. Eu sou daqueles que, por andar pelas achadas e fajãs, gabinetes, bares e estradas, não nega a crise entre nós, nem dela fazer a defesa de avestruz. Ademais, a crise apanha a todos e sair dela é responsabilidade colectiva. O Governo, em matéria de iniciativas anti-crise, vai para além das intenções, estados de alma e generalidades. O OGE 2009, que só agora pude analisar crítica e exaustivamente, traz almofadas sociais, económicas, financeiras e fiscais, para mitigar os efeitos da crise e aguentar, com alguma segurança, o volta-face do crescimento sustentável. Por conseguinte, vislumbram-se medidas sérias e práticas para atenuar, de imediato, os efeitos desta crise sobre os investidores estrangeiros, os empresários nacionais e os mais carenciados. É que, a par de crescermos imperiosamente a 2 dígitos, o grande desafio será também inverter a linha de rumo que aprofunda as desigualdades sociais e limita os direitos dos mais desfavorecidos, isto é, reduzir o desemprego a 1 dígito. Pedra a pedra, José…

domingo, 15 de março de 2009

Quem me roubou o tempo

Quem me roubou o tempo que era
um
quem me roubou o tempo que era
meu
o tempo todo inteiro que sorria
onde o meu
Eu foi mais limpo e
verdadeiro
e onde por si mesmo o poema se
escrevia

Sophia de Mello Breyner Andresen

quinta-feira, 12 de março de 2009

Glosa

Quem me roubou a minha dor antiga,
E só a vida me deixou por dor ?
Quem, entre o incêndio da alma em que o ser periga,
Me deixou só no fogo e no torpor ?


Quem fez a fantasia minha amiga,
Negando o fruto e emurchecendo a flor ?
Ninguém ou o Fado, e a fantasia siga
A seu infiel e irreal sabor...


Quem me dispôs para o que não pudesse ?
Quem me fadou para o que não conheço
Na teia do real que ninguém tece ?
Quem me arrancou ao sonho que me odiava
E me deu só a vida em que me esqueço,
"Onde a minha saudade a cor se trava ?"



Fernando Pessoa

quarta-feira, 11 de março de 2009

A sério e Entre-Nós


De repente

De repente, não mais que de repente, como diria o saudoso Poeta Vinicius de Moraes, dou comigo a navegar num mar enfarpelado e quase a servir de arma de arremesso de uns contra os outros. Bem avisara o Poeta Pablo Neruda, quando a Brutalidade (com maiúsculas, com maiúsculas, meus caros) lhe fora revistar a casa, que a poesia era uma bomba. Mas, agora a sério e Entre-Nós, o que acontece neste nosso reinozinho “da Dinamarca”? De repente, não mais que de repente, ora abusando do dístico poético do saudoso, dou comigo a rever os escritos, as atitudes e as latitudes. Tão transitivas têm sido as palavras das minhas crónicas! Quão esquizofrénicas as semânticas que se me soltam entre os dedos de ser poeta! Olho-me ao espelho, virtude que, sem falsas modéstias, acompanha este cronista e arredio caminho. Descontinuar o plano de voo, jogar a bússola e o GPS borda fora, andar, se preciso for, como os caranguejos e os kutumbembens. Descontinuar, desconstruir, desfragmentar. Reformatando. De forma mais soft. Há que ser menos medíocre na vida, ora. Há que saber ouvir a 9ª Sinfonia, de Beethoven, e permanecer na fímbria dessa elegante harmonia. Fácil é estar na aldeia com ares de chefe de posto ou de sabichão de serviço, sendo o conhecimento frágil e o poder biodegradável. Sendo o drama da força, a comédia da sua resistência. Sendo a própria escrita algo a se colocar em crise e em crítica. O passo em frente, não que eu seja fã de Lenine, embora lhe respeite o feito histórico (que atrevimento!), só se compadece aos dois passos de retaguarda. Com perdão pelo hermetismo. Convencem-me do hermetismo. Seja. Vejo-me mais intimista que hermético. Vejo-me poeta, sem que isso me faça melhor ou pior que o vulgo. Ordinary people. Ordinary man. Por isso, não haverá hostilidades. Não será por aí, com toda a certeza. Nem haverá glória (referindo-me aqui à alma que não se vai à lama, posto ser lixo o luxo), e tendes prova disso, no fazer as guerras alheias. Saio de fininho pela porta por onde entrei. Saio com a lisura da sombra, com que a sombra respeita o seu silêncio. À mímica. Longitudinalmente…

Luazinha

Uma luazinha tímida invade as minhas horas. É quando escrevo crónicas assim. Sem causa, nem consequência. E sendo redundante, quase chato: longitudinalmente!



sábado, 7 de março de 2009

Duas notas


Identidades e ®econstrução
Abraão Vicente, ele próprio ®econstruído, apresenta uma exposição conceptualíssima de uma plástica (artística, diga-se desde logo) sobre os passaportes e seus portadores, provocando, pelo intimismo implícito à mostra, leituras de alteridade dos tempos e lugares. Numa adenda distribuída em volante, o artista afirma que "Os objectos/documentos «são destruídos (reconstruídos - reconstituídos) sobre papel de aguarela de 297x420mm e devolvidos a um ‘Frame', que é a própria moldura, que se reconfigura como um novo documento de identificação". Entrementes, e para além desse "framework" que desafia tudo que seja moldura, é o Abraão Vicente, ele próprio, ora mais do que outrora, imprescindível.
A conferir: Identidades e ®econstrução, no IC-CCP da Praia, Cabo Verde, de 5 a 18 de Março
Tão cedo desta vida descontente
Eis que a minha alma destes tempos mais tristes se dá conta, já com o absurdo de uma dolosa nuvem, da morte prematura de Luís Freire Lima (Mr. IVA). Tão cedo desta vida descontente, como escrevera o nosso Poeta Maior Luís Vaz de Camões. Morte prematura, repito. Estivemos juntos, há duas semanas, em Portugal, onde era ele responsável pela secção financeira e administrativa da Embaixada de Cabo Verde. Tive o prazer da sua cordialidade e da sua inteligência, atributos que aquilatavam o seu convívio com todos. Eis que perdemos um "cavalheiro de fina estampa" e que amávamos incondicionalmente. Luís Freire Lima coordenou a Comissão da Reforma da Tributação sobre a Despesa, no Ministério das Finanças, responsável pela introdução do IVA, em Cabo Verde. Palmas, muitas palmas, para o nosso amigo Luís Freire Lima, Mr. IVA...

quarta-feira, 4 de março de 2009



Da antiga fotografia

O que aconteceu (e acontece) na Guiné-Bissau, independentemente das razões, a todos entristece. Mais do que isso: ensombra-nos. Que o processo de complots e morticínios face parte do processo histórico desse País, isso já o sabíamos. Paira no ar o cheiro nauseabundo dos cadáveres e dos vivos, que à causa da política, virão a ser assassinados. Da antiga fotografia, tirada em 1975, à família revolucionária, todos foram morrendo “de morte matada”, pela severina fatalidade da ganância e da arrogância. Os últimos eram Tagme aa Wie e Bernardo (Nino) Vieira. O primeiro morreu a 1 de Março, num atentado à bomba. E o segundo (para fechar o drama de tal fotografia) morreu, esquartejado e baleado, a 2 de Março. O que se possa dizer desta história, alguém conte o seu conto. Oxalá, já sem a maldição fotográfica, seja desta o fim do ciclo da violência.

Solidão roubada

Tenho um amigo sob uma tremenda provação, mercê das calúnias e da maledicência. Sem entrar no demérito de certas acções, aqui se ergue o amigo à antiga. Não seremos ouvidos para ruídos alheios. Nem seremos tolerantes à desfaçatez de “interessados”, quando escondidos sobre anonimato, mas com respaldo de certa imprensa e de certa facção que enquista o sistema, tentam montar uma realidade. Creiam que o cronista não vos será tecelão sem fio. A meada não nos aquietará para o amanhã que se apronta, posto que ninguém tem o direito de nos roubar a solidão.

MULHERES DE VERDE

(POEMA DE ALMA DOFER CATARINO)


Como doem as mulheres
vestidas de verde!

Vestem-se de verde
as mulheres da minha dor
quando se travestem
de mulheres perdidas


Vestem-se de verde
as mulheres dos meus amores
quando se mascaram
de poetusas pedintes
perdulárias poetisas
carentes pitonisas


Como doem as mulheres
vestidas de verde!

Vestem-se de verde
as mulheres dos meus ardores
quando esbeltas amantes
fêmeas insones
ardentes predadoras
se transfiguram
em húmidas alucinações
em mim branco delas
esculturais sob a impura
e sonolenta cumplicidade
dos lençóis lascivos

Como doem as mulheres
despidas do verde!

Despem-se do verde
da máscara e das suas fulgurações
as mulheres dos meus alvores
quando discretos emboscamos
os íntimos medos os seus pavores
e devoramo-nos
e ressurgimos
límpidos e fogosos
os risos lúbricos
amplos cristalinos

Queluz e Lisboa, Janeiro de 2009

segunda-feira, 2 de março de 2009

Nino Vieira

Morre Nino Vieira, Presidente da Guiné-Bissau. A morte de Nino Vieira está a ser vista como consequência do atentado que vitimou, também ontem, o Chefe de Estado-maior das Forças Armadas guineenses, Tagmé Na Waié. Nino Vieira, outrora Kabi, era um dos Combates pela Liberdade da Pátria Guineense. O malogrado Presidente era, entretanto, controverso até ao infinito. Personificava ele a transmutação perversa do libertador para o déspota. Mas importaria agora analisar a sua figura à luz de uma outra (e maior) complexidade. As análises fáceis e apressadas são medíocres em si mesmas. Fisiologicamente, há que entender todos os meandros da situação. É o regresso da instabilidade nesse País. Em como isso afectará Cabo Verde será uma matéria para a reflexão de todos. É uma grande ângustia a situação em Bissau com o reinstalar do círculo infernal. Quo vadis?

Março

São as águas de março, abrindo ou fechando não se sabe que estação. Entretanto, na Guiné-Bissau, um atentado à bomba mata o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. Dirás que Março é o Mês de Teatro. Tão saudável (e necessário) como mais este feito do Mindelact ser-nos-á o Creole Jazz Festival, na cidade da Praia, um joint entre a Edilidade da Capital, a Harmonia e a UniCV. Interessante a entrevista de Tchalé Figueira, com o fogo da irreverência. O meu velho hábito de ir aos Blogs logo de manhã, mesmo quando em Lisboa, com olhos postos no Parque Eduardo VII. O terminar um memorando de trabalho, começado às 5 da matina, sobre os impactos da crise internacional em Cabo Verde. Eu também não perderia a poesia da Bloga. A confrade de Soncent, por generosidade, diz que queria escrever como o Albatroz. Ora, não seja a minha amiga tão modesta. Ademais, escreveria como forma de rir e de chorar. Tal qual o poema Vaca Profana, de Caetano Veloso. Águas deste março ainda de trémulo começo...

Êxtases

De todas as estradas, algumas por andar,
As de sinuosa curva das palavras, a mais íngreme,
Com metáforas penduradas ali no peitoril,
São as que, por visceral, me motivam à Poesis

Não te direi tudo dos verbos, de como,
No topo de abril, dos carapetos e cumes,
De outros parapeitos, onde a semântica, ciosa,
Se refugia silenciosa entre mim e o nada …

Virar, em passe de mágica, as cores de avesso,
Transmutar, pelo reverso, fiapos soltos de rosa,
Prosa que também se solta às flores que voam…

Olhar, quando não sentir, só o das borboletas,
O dos arfares na calada e o dos suores receosos,
Deste recheio do êxtase, de tudo ser nada disto…





Filinto Elísio

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Otherwise

Upgrade bo demokrasia
Quem acusa (direito que a democracia concede) tem de dar a cara e o ónus da prova. E o cidadão (outro sagrado direito democrático) é inocente até que se prove o contrário. O cidadão tem o bónus da inocência. São estes os mínimos olímpicos da convivialidade democrática. Se há nebulosas e sinais de práticas perversas, para não embarcarmos no bote de propalar "corrupção!", no que tangem aos assuntos de interesse público, o correcto e o aceitável seria envolvermos, de pronto, a Procuradoria-Geral da República. Por detrás das espumas dos dias e do que aparenta certas situações, por complot de uns ou make-up de outros, estarão poderes ocultos a manipular informações e enxertar cenários, tão escabrosos quão tenebrosos, a ver se será desta o ruir da Casa. Falaciosa e covarde a desculpa para se permanecer anónimo. E medíocre a imprensa que não se estriba em fontes limpas e em pilares sólidos. A política não pode tudo. A política não totaliza os direitos e os deveres, quanto mais os fundamentos do bom-nome e da privacidade (ditames da democracia, pois concerteza), que conformam o arquétipo da cidadania. Otherwise...o inferno astral.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Mais um grau de separação

Mais um grau de separação
Para radical faltaria pelo menos mais um grau de separação. Almejar movimentos culturais e sociais, bem como aqueles políticos, alternativos, são questões comportáveis no parâmetro democrático, e mesmo constitucional, cabo-verdiano. Nada de radical nesse pensamento e nesse gesto, por sinal necessário nesta "hora madura". Para radical precisaríamos de maior aprofundamento e afrontamento filosófico, com ou sem respaldo prático. corolário de uma profunda análise e diagnóstico da situação. Radical fora Amilcar Cabral. Mandela também radicalizou o sistema. Já Barack Obama é um grande reformador, embora com simbolismo radical. Mas, de todos, Jesus Cristo seria o grande radical. É a filosofia o motor das grandes dialécticas...




quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Covardia


Acompanho, pela imprensa, a sórdida e vergonhosa, para não dizer absolutamente covarde, agressão contra a jornalista Margarida Moreira, da Televisão de Cabo Verde. A violência doméstica, crime ora público e quase sempre hediondo, mas frequente nestas paragens, merece o nosso repúdio e o nosso ódio consequente. A força da minha simpatia humana pela vítima, neste caso Margarida Moreira, é proporcional ao ódio que guardo a essa besta quadrada disfarçada de ser humano. Que tratamento dar a criminosos de verve tão rasteira e vil, cujo denodo se agrava a nos rarearem o oxigénio que respiramos? Um justiça morosa e branda, uns direitos humanos que "humanizam" o bandido e uns brandos custumes que reproduzem o inferno, dirão uns. Uma exoneração laboral ao infeliz, uns anos de xadrês ao amofinado e umas imagens do selvagem na televisão, dirão outros? Eu fico na mediana, meio enojado. Apetece-me vomitar...

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Desobediente


Zeitgeist


Estes tempos andam grávidos de mudança. É a força misteriosa (ou será oculta?) da Zeitgeist. Novas gramáticas, que impactam novas posturas, afrontam o porton d´nos ilhas. Redy Wilson Lima escreveu: Precisamos sim de um movimento activo, desobediente quando tiver de o ser e preparado para fazer campanha ao voto branco em 2011 se necessário for. Esmiuçando tal sentença, se calhar precisávamos de uma terceira via activa e consequente que não votasse em branco em 2011, mas que fizesse eleger uma alternativa credível, apartada do continuismo e da alternância, afinal faces crónicas da mesma moeda. Quanto ao "desobediente", isso ficaria por conta do cidadão sempre que a "força bruta" raiasse os Direitos Humanos e os da Cidadania. É preceito constitucional de resto e, espera-se, que os revisores não o tirem da Lei Mãe...

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Das Kapital

"Os donos do capital vão estimular a classe trabalhadora a comprarbons caros, casas e tecnologia, fazendo-os dever cada vez mais, até que se torne insuportável. O débito não pago levará os bancos à falência, que terão que ser nacionalizados pelo Estado"

Karl Marx, in Das Kapital, 1867

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Momismo & etc


Às vezes, é contra o Golias que apetece fazer isso. Outras vezes, o David também não ajuda. Aqui, é o pessoal do Murdeira Beach que se descuida e merece vaias iconoclastas. Acolá, é a Bloga, da mais duvidosa, que merece o arreio das calças. Quase sempre, é o cronista anti-crónica a levar com a gaita ao léu. Enfim, se gramais máscaras, o Carnaval ainda está no adro e nós, que somos (em causa e consequência) das Cinzas, seremos de outra tradição, verve menos galhofeira, porém não somenos pagã. Mudem de missa que mudamos de manifesto, arre...

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Take it easy


Cada post

Sei que perscrutas o Albatroz a cada post e, ao mínimo desvio de sintaxe, lá estás tu, com mão estrita, a corrigir-me o deslize. Olha que a vírgula está mal posta. Andas com um português de deputado, poças. Vê-me lá isso da inversão dos pronomes. Sei também que escrutinas, ao milímetro, a semântica do que escrevo e, por ti, as palavras passam a ser um jogo, hermético para os outros, mas axiomático aos teus pressentimentos. Tens andado na lua ou no luar? Onde será fantasia e quando é realidade? O espelho que te olha é um políedro maluco, está-se mesmo a ver. Sei ainda que o fazes por crença, quando não por fé, e, se dou por fim este Blog, dolosos serão teus dias. Que outras aventuranças se não estas de te navegar em intertexto? Que outras metáforas voam, elas iguais ao "Príncipe das Nuvens", em cada lapso do que dizes?

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Cicciolina

Sala de espera no Aeroporto Internacional de Lisboa. Há um voo que parte para Londres. Queria ir para Londres, pessoal. Estar à beira do Rio Tamisa. A dar uma de snob no smog. Na porta 19, outro voo com destino a Rio de Janeiro. Carnavalíssimo voo e nós neste friozinho. Você viaja para Luanda?, pergunta-me uma senhora com três malas de cabine. Vou para Tapadinha, respondo a brincar. Linda senhora. Queria declamar um poema, mas a loucura foi proibida nos aeroportos desde 11 de Setembro. O mal que Bin Laden nos fez! De facto os bombistas suicidas fizeram-nos cá um serviço! As manifestaçoes deviam ser em striptease. À Cicciolina. Abaixo o capitalismo, os ismos todos. Ah como seria giro que a Cicciolina estivesse sentada nesta zona da Porta 17 - TAP/Ilha do Sal: 21H55...

silente borboleta

fevereiro sol que se abre
claridade e flor perfumada
primeva e silente borboleta...

fevereiro sol

Escrever, em pastiche e no intertexto, sobre A Cerimónia de Adeus, a belíssima obra de Simone de Beauvoir, é capaz de confundir alguém. É no que dá o hermetismo. Em verdade, quixotismos à parte, temos de nos render à província e ao provincianismo. Entre afazeres, que são muitos à hora do regresso, tenho apenas tempo para garatujar um haikai sobre...o fevereiro sol que se abre!

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Azul

The Courage My Dream Deserved
Laura Baltzell


Nada como ouvir Princesito a cantar Azul, um batuku progressivo, uma lírica em skating e um arranjo com a boa griffe de Hernani. Espectacular. Minina si bu mai folau, minina n ta nhemeu ti n farta...

Revertério, poxa

Jean-Paul Sartre
Devid Levine


Regressa do aeroporto e tem um revertério existencial. O que é a cerimónia do adeus? Apenas a incontinência urinária, as mãos trementes e o súbito esquecimento dos nomes? O tal peripaque da alma, uma coisa miserável que nos faz chorar de solidão? Ou apenas de uma canção mais triste, uma de Edith Piaff, por exemplo, como aquela do Gab's? Está no quarto do hotel e na diagonal vê a estátua descomunal. Lê os Blogs todos: dos poucos interessantes aos vários cretinos, passando pelos mais-ou-menos. Who cares? Um samba-enredo que vem do portátil, Que Merda É Essa, sua escola dilecta do Carnaval carioca. Eis o refrão: Não estressa/Que merda é essa. Antes era I Trust My Dealer, de Montage. Bom ki bali. O que ainda sobra desta tarde de domingo são uns poemas de Charlotte Brontë...