quinta-feira, 7 de maio de 2009

O único impossível



0. Essencialidade
O que faz a poesia, no meu modesto encarar, é a essencialidade poética vis-a-vis a realidade. A realidade pode ser apaziguada e/espasmódica. Ela pode ser a sua própria dialéctica, a sua irrealidade. Ou, ainda, a sua surrealidade. É tudo uma questão do sensacionismo com que nos apercebemos dela. Por isso, “O único impossível”, de Ovídio Martins, tem a mesma essencialidade estética que “Saudade”, de Januário Leite.
1. O único impossível
Mordaças
A um poeta?

Loucura!

E por que não
Fechar na mão uma estrela
O Universo num dedal?
Era mais fácil
Engolir
o mar
Extinguir o brilho aos astros
Mordaças
A um poeta?

Absurdo!

E por que não
Parar o vento
Travar todo o movimento?
Era mais fácil deslocar montanhas com uma flor
Desviar cursos de água com um sorriso

Mordaças
A um poeta?
Não me façam rir!...

Experimentem primeiro
Deixar de respirar
Ou rimar...mordaças
Com liberdade

Ovídio Martins
2. Saudade
(À memória de minha estremecida mãe)
Alma mais simples do que a flor singela,
E coração de rola a mais sentida,
A minha santa mãe inesquecida
Era o ideal das mãis: tal era ela.
Não mais verei a luz da minha estrela
No céu caliginoso desta vida!
Que resta a [à] alma, pela dor vencida,
Nas trevas desta noite de procela?

Apenas mil lembranças! e, suspenso,
O éco da sua voz e a soledade!...
Ó mãe, se numa balança, tal qual penso,

Existe no teu mundo, a eternidade,
Mãe, põe dum lado o teu amor imenso,
E doutro lado põe: a minha saudade!

António Januário Leite
3. Poética
Houve do evadir das palavras
Como haveria, outrora, de fugir
Aos tempos verbais de jaez ou raiz
De um sol fulminado em fulminante,
Algo como poética…

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