1.
Chego ao grande empreendimento turístico e o porteiro, que faz as vezes do segurança, não me deixa entrar. Ele explica-me que posso ver o pôr-do-sol ali mesmo à entrada, mas que o hotel não aceita não hóspedes. Eu sou um não hóspede. Tanto que me contento com o sol a pôr-se no mar como uma melodia que enternece. Um sol alaranjado e oceânico. De um lado esse sol enorme, redondo e esmaecendo-se ao crepúsculo. Doutro lado, o porteiro pensativo entre as minhas razões e as razões do hotel. Entre o meu bilhete de identidade (cidadão cabo-verdiano, pois com certeza), que me deixa à porta, e a ausente pulseirinha (jura-me o porteiro nas vezes do segurança), que me faria entrar no portentoso hotel…
2.
No aeroporto, já uma vendedeira me informara das suas vendas nulas. Os turistas que chegam ou partem, tendo pago à origem o tudo incluído, não têm dinheiro para comprar um souvenir da terra sequer. O t-shirt, o bibelot de casca de coco ou de pedra, o CD, o cartão postal, a garrafa de grogue, o ponche de mel e de coco, o atum de conserva…tudo fica literalmente às moscas. Na esplanada do aeroporto, a balconista também tem queixas: “Nem uma garrafinha de água!” Os turistas chegam e partem, liderados por um tour manager, sem terem espaço para conviver com as pessoas da terra. É-lhes desenhado um cenário exótico da ilha – as suas dunas de areia, as suas praias intermináveis, as suas estradas entre ravinas -, cujo pacote deve ser comprado à priori na agência de viagens…
3.
De repente, consigo falar com um turista acidental. Um que foge da muralha do grande hotel e vem ver o pôr-do-sol cá fora. Este quer saber da língua, da música, da poesia e da culinária de Cabo Verde. Sabe que temos um país de rendimento médio e em cumprimento dos objectivos do milénio. É um evadido, um subversivo. Não se contenta com sol e praia, com os passeios pela ilha nos autocarros alugados pela operadora turística. Diz-se farto de comer pasta e pizza em Cabo Verde. Cioso de sentir o Petit Pays que Cesária Évora canta, diz ele. De repente, consigo falar com um turista incidental. Um que rompe o circuito, o bloqueio que o circuito cria. Um perigoso, amante fervoroso do pôr-do-sol cá fora…
4.
Não deveria haver um sistema híbrido, alternativo ao all inclusive dos hotéis e das aldeias turísticas, de Cabo Verde? Algo que, sem perder a selectividade, contornasse (e controlasse) a versão de turismo da pulseirinha? E que permitisse maior interacção do turista com a comunidade? Naturalmente que, sendo criativos e inovadores, não nos faltarão ideias originais ou soluções, como agora é moda dizer, para humanizar (se não mesmo crioulizar) o circuito turístico cabo-verdiano. Tão pouco nos faltarão engenho e arte para acrescentar a tais soluções a cabo-verdianidade com os seus ingredientes da arte e do folclore. Ademais, não nos dispomos a mostrar a cor da pulseirinha diante um Cuba Libre, já que Grogue de Santo Antão e Vinho do Fogo não estão no cardápio. Enfim, é tudo incluído…menos Cabo Verde!
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