sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Da tristeza feia de uma realidade descrita quase com raiva para a paz optimista de quem ouve para lá dos pingos da chuva


- 1.


Nem tristeza feia de uma realidade descrita quase com raiva, nem a paz optimista de quem ouve para lá dos pingos da chuva. O cronista, sem ser neutro, tem num caso e noutro franciscana isenção. Chove, ainda bem que chove. Mas, se não chovesse, havíamos de ir ver o mar. O caso do Escorpião? É ficção, mas podia ser real. Em verdade, a realidade é pior que isso. Infinitamente, pior. Escrevo para testemunhar o nonsense de como as coisas se me parecem. De resto, começa a tardar sermos lúcidos, apesar da nossa incondicional loucura…


0.

Leio-te um trecho de “Os Lusíadas”:

Tu, só tu puro amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga,
Deste causa à molesta morte sua,
Como se fora pérfida inimiga
Se dizem, fero Amor, que a sede tua
Nem com lágrimas tristes se mitiga
É porque queres, áspero e tirano,
Tuas aras banhar em sangue humano.

1.


Eu gostaria de ver um Ministro da Cultura como Gilberto Gil que, mal chegou ao poder, democratizou o dinheiro público em função das necessidades culturais e reais do povo brasileiro. E subvertou o jogo (elitista e capelista) dos recursos a reproduzirem-se apenas na elite intelectual. Gil virou a mesa e recompôs a ceia onde milhões de apóstolos foram cear. The best soup. Se Gilberto Gil não fosse artista de primeira grandeza, talento que mesmo o Brasil produz de raro em raro, eu havia de o querer ministro "até onde o final dessa estrada vai dar", conforme o Expresso 2222.


2.

Dia Nacional da Cultura. Acompanho, pelos Blogs de uns e outros, a posição sobre a efeméride. Alguma crítica (às vezes, fulanizada demais) ao titular da pasta. Em verdade, salvo respeito à opinião adversa, o Ministro da Cultura deve ser avaliado em função do cumprimento ou não do Programa do Governo para a área cultural que se estriba no abrir os cidadãos a novas oportunidades culturais bem como ao pluralismo da criação cultural. O Governo não deve ser intervencionista, nem dirigista em relação ao "mercado cultural", fazendo antes o papel de facilitador ao acesso e à fruição dos bens culturais, e de promotor da identidade nacional.


3.

Ocorre-me um extraordinário livro de Jean-Paul Sartre, "Os dados estão lançados", que mostra algum determinismo nas coisas. Há mudanças estruturais na Política da Cultura para se quebrar esse determinismo. Aquele shake-up que o ministro Jack Lang promoveu e conseguiu com François Mitterand em França, por exemplo. Depois há os condicionalismos políticos (partidários até e regionalistas ainda), onde certos consensos estruturais são difíceis, como será o caso da oficialização da língua cabo-verdiana. Os nossos parlamentares, mau grado a pseudo hermenêutica da fala, precisam de uma grande revolução mental. Não se faz Cabo Verde, sem o assumir de facto e de jure o bilinguismo cabo-verdiano. Basta de baile de máscaras e do império dos "intocáveis". Estamos fartos, fartíssimos, disso!

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