quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Broche


Estava ali o corpo putrefacto e nauseabundo. Daisy chegara a casa, ofegante e aflita: o Escorpião matou mais um thug! E ela não gostou do comentário da madrinha (magra, cabelo ralo, vestido negro e broche com olho à Salvador Dali). Não gostou que ela falasse do extermínio como índice de civilização. A madrinha tinha cada uma! Preferiu a discussão acesa que se instalou à mesa. A verdade não é tão evidente assim, respondia John, o patriarca, relativizando as teses dos Direitos Humanos que a Eluana insistia em trazer à mesa. Apenas um rasgo da memória, não se sabe se realizada, se sonhada. O Escorpião, mesmo que mate, é apenas uma máscara, uma ficção. O tio, que era uma espécie de sábio, descrevia a verdade como uma aproximação ao desejo ou à repulsa. O Dr. Zacarias (mas eram tantas personagens à mesa!) explicava-a como uma memória (selectiva, meus amigos). próxima ou distante de nós. E eu ria-me das nuances filosóficas de uns e de outros., sobretudo as de Zilda, a empregada, que, familarizada que estava, tinha a sua versão: a verdade é tudo que não seja mentira. O Escorpião não é verdade. Tinha o "apelido" de Sancho Pança. No broche da madrinha, um relógio simulava o tempo parado. Quase nas antípodas, a família me conhecia por Alonjo Quijano. De triste figura...dir-se-ia o thug que nauseabundava!

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