Pela televisão, víamos ao longe a êxtase dos carros blindados. Não serias daquelas a crepitar pelas borbulhas de um champanhe. Nem entregavas a alma porque, na bandeja de prata, se te ofereciam caviar, queijos e morangos. Preferias estar, assim nua nesse quarto, a discorrer sobre os signos de Pablo Neruda e de Herberto Helder. E declamavas, só para me convencer, os versos de Helder: Oh amados cavalos com flor de giesta nos olhos novos,/casa de madeira do planalto,/rios imaginados,/espadas, danças, superstições, cânticos, coisas/maravilhosas da noite.//Ó meu amor,/em cada espasmo eu morrerei contigo. A êxtase dos carros blindados, dizia-te. Naturalmente que eu poderia escrever sobre os nossos momentos. Mas não. Viste uma borboleta na China e pensaste em mim. Fiquei emocionado quando mo disseste. Uma borboleta de todas as cores na Praça Tiananmen. Sei que também pensaste ser eu o "Rebelde Anónimo" de 4 de Junho de 1989. E nada te direi sobre isso, senão estes versos de Helberto Helder: Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo eu morrerei contigo...
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