terça-feira, 30 de dezembro de 2008

PORCO, CHAMPANHE & SERPENTINA



1.
O Ano Novo, por mais que não queiramos, é de um simbolismo que nos transcende. De um lado da fronteira temporal, o ano passado com as suas alegrias e tristezas. Quantas gargalhadas e quantas lágrimas. O peso insustentável das vitórias e das derrotas. Doutro lado da fronteira, o ano a começar, um rio de 12 meses, com margens ainda incertas, mas prometendo novas alegrias e novas tristezas. Chega-se a ficar filósofo neste período de balanço, em que nos obrigam a retrospectiva e a prospectiva de tudo e de nada. Pessoalmente, vivo sempre a percepção de um recomeço a cada Ano Novo. Não vou ao Reveillon me deliciar no cortejo das vaidades e ao baile das máscaras. Nem me perco no artifício dos fogos que engana a cidade à meia-noite. Quedo-me só, apartado de tudo e de todos, alheio ao turbilhão de convivas que trilha a orgia do porco, champanhe & serpentina, e silenciado dessa música de Boas Festas que não me galvaniza.

2.
Maria Helena de Morais Sato, poeta cabo-verdiana que conheci há dias em São Paulo, escreveu o seguinte: Peço/estrelas/tão-somente…Constelações/eu mesma/traço! Não é bonito? Passar o tempo a lê-la ou a ver, pelo DVD, a série Prison Break (que também andam a dar na TCV), admirador que sou de Wentworth Miller. O leitor gosta de Lenny Kravitz? K, nome de código, gosta de grafite e desenha na parede um homem crucificado. Algures, dança-se Guantanamera. K é um exímio dançarino. Moi, non plus

3.
Uma senhora foi assaltada e violada na zona de Quebra-Canela. Esse tipo de crime violento e intolerável vem acontecendo de forma recorrente em Cabo Verde, sobretudo na cidade da Praia. Não nos furtamos de um olhar sociológico sobre a criminalidade e de reconhecer que nada acontece por acaso. Os criminosos, tal como as vítimas, são produtos de uma engrenagem social perversa. O sistema social, em seu reverso, gera a sua violência, bla-bla-bla. Aliado a isso, um Código Penal “bunda mole” (estou mesmo a ver a ira dos bundões!). Entretanto, não apenas por esse crime hediondo (não mais que os outros menos mediáticos por envolver vitimas menos socialites, diga-se), temos de produzir, antes que seja demasiado tarde, um discurso e uma acção mais veementes e mais indignados contra a insegurança. Não nos podemos quedar como “cordeiros silenciosos” à mercê do delírio dos criminosos.

4.
Na Califórnia, Estados Unidos, um assassino, disfarçado de Pai Natal, entra numa casa e dispara contra a família. É a grande tragédia natalícia. Vai se ver que o homem entrara em casa da ex-mulher e estava tresloucado com a separação. Crime passional, dirão alguns. Premeditado, é o que nos parece. Uma tragédia enorme, ao fim e ao cabo. Na África, milhões de pessoas morrem de fome, de doença e de violência. No mundo dito desenvolvido, os neoliberais dão o berro à banca e pedem ao Estado (outrora amaldiçoado pela teoria económica) que seja forte e lhes salve da bancarrota. Karl Marx, o Rimbaud da filosofia económica, dá uma gargalhada. O mundo não é plano, ó Thomas. É amarrotado.

5.
De repente, neste PDM, fala-se da língua. Da língua cabo-verdiana. Uma língua que é a cara mestiça dos cabo-verdianos. Do Alupec-se quem puder (e souber), como se a oficialização da língua cabo-verdiana tivesse que depender de uma ortografia acabada. O português foi oficializado no tempo em que física era “phisica” e farmácia era “pharmacia”. D. Diniz não esperou pela “ortografia” acabada para dar o mote oficial. Fê-lo com sentido de soberania e consciência cultural. É o mesmo espírito que nos desafia. JMN prometera a oficialização ainda no seu mandato governamental. A ver se é desta que me orgulharei dos deputados da Nação…

6.
K., nome de código, esperava pela madrugada a chegada dos quatro rapazes. Frio, muito frio, este amanhecer de Ano Novo. Esperava-os na moita da noite, que era esquina do bairro adormecido, com um revólver na mão. A intenção era fuzilar tais animais, regá-los com gasolina e jogar fogo na trouxa. Que linda fogueira na aurora de 2009. Feita a obra-prima, entraria no Toyota Prado, e seguiria para dançar as últimas do baile. Ou será que deveria castrar os filhos da mãe? Mas não. Um telefonema da companheira (preocupada com o sumiço depois das Boas Entradas) reclamava a sua presença. Ficção? Talvez seja. Depois de uns uísques, tudo se ficciona. Somos todos uns vampiros? E que País é este que não cabe num soneto? Um haicai desleixado e estaria tudo dito. Estou a ver daqui a cara das secretárias, dos burocratas, dos bloguistas, dos assessores, dos acessórios, dos filhos da pátria…

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