(POEMA DE ERASMO CABRAL D’ALMADA)
I
as palavras fecham-se
numa cápsula cinzenta
sobre a cabeça de scharansky
e contudo
o ar que expira txibita
não tem química particular nenhuma
e é incolor e dolorido
por isso
txibita deixou
de aspirar a brisa da beira-mar,
o seu azul rumoroso
por isso
txibita deixou
de respirar as palavras dos outros
e os seus alaridos
entre as flores da praça grande
por isso
txibita deixou
de conversar com o alcatrão das ruas
de conspirar com a esquizofrenia da cidade
de cativar-se com a intimidade do fedor circundante
de apiedar-se dos gestos compassivos das pessoas honradas
de envaidecer-se com os risos trocistas das beatas e dos passantes
de deslumbrar-se com os olhares circunspectos dos circunstantes
por isso
txibita deixou
de inspirar quaisquer noites
de serenatas de musas ao luar
ou de revoltas de mendigos
por isso
txibita mais não faz
do que afagar deleitado os cabelos crespos
do seu crânio e do seu turbilhão de ideias
de acariciar o seu corpo
sem fronteiras sem limites
sem margens sem dimensões
por isso
txibita mais não faz
do que suster-se
na trôpega dimensão
da miséria
e txibita
é apátrida na sua pátria c.v.
II
o amor enclausura-se
num tempo exausto
em torno de scharansky e avital
e dos seus lábios lacrados
com nove anos de espera e de esperança
e txibita
com a sua vívida ternura
com a sua lívida carícia
nem sabe das pontes
que podem estender-se
entre a agonia e o abraço
de kiev a tel-aviv
e txibita
com os seus alvoroçados gestos
com os seus precários monólogos
nem sabe das labaredas
que se ateiam
do gulague ao colonato
e txibita
com a sua diária e introspectiva estupefacção
nem sabe das vozes dissidentes
que se extenuam em incendiários clamores
de aguerridos inventores de povos eleitos
e devastam o silêncio as oliveiras as almas
as profecias inúmeras e férteis de terra prometida
e conspurcam o mel e o leite
da terra santa e do seu mar morto
e das águas exíguas do chão dividido
das pátrias ensanguentadas da palestina
alimentadas a holocausto nakba e jihad
endurecidas pela intifada dos corpos
interpeladas pela incandescência dos corações
na busca do afago materno dos lares antiquíssimos
inscritos nas pedras sagradas
do muro das lamentações
da esplanada das mesquitas
e das suas memórias indeléveis assassinas…
Lisboa, 2003/Agosto e Setembro de 2008
(versão reformulada do poema com o mesmo título constante do volume I de À Sombra do Sol, Praia, 1990)
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