terça-feira, 19 de dezembro de 2006

Notas soltas de Natal


0.
Em ocasião natalícia, o pessoal não devia fazer greve por tempo indeterminado. Há momentos que são de trégua. Há outros que são de paz e concórdia. Venham todos, familiares, amigos, afectos e desafectos, para a cristandade do momento. A Cidade da Praia já está cheia de luzes. O frenético das lojas, para o gáudio dos comerciantes, revela a dinâmica da hora. Ninguém ficará indiferente. E que ninguém leve as minhas coisas a mal. Sou sempre, mesmo na incapacidade, um ser de boa vontade. Mas estou triste, triste, triste…

1.
Este é um Natal onde não estás. A vida continuará, frenética e festiva, mas a tua ausência é triste e eterna. Jamais haverá Natal no meu coração, ainda que os feitos, tais como as orgias, reguem do melhor vinho outros encontros. As crianças brincam ruidosas. Os Natais têm a ver com elas de facto. E tu ficarás sempre ali, nas coisas que nunca digo, a velar por todos. Cada detalhe, és tu. Cada pequeno nada deste Natal onde não estás, é o teu desmedido amor…

2.
Herdei da minha mãe a ternura de ver as coisas. Com o meu pai, aprendi a duvidar do Verbo ser o primeiro acto. Soube que a Poesia é o Criador, a palavra, morfológica e concreta, é sua pura criatura. Com os meus filhos, vou aprendendo as malhas do mundo e vou deixando neles a minha marca indelével. Pressinto-os no latejar das minhas veias e queria que, um dia, me cerrassem os olhos. Sem liturgias, mas com perfumada poesia…

3.
Ajudei a organizar um Fórum. Falava-se ali sobre o Desenvolvimento Regional da Ilha de Santiago. Era uma coisa generosa, inclusiva e aberta. Era mais Cabo Verde. Tão diferente do sentido hegemónico de certos desacertos, que, ao longo dos anos, nos têm imposto elitezinhas levianas, desesperadas e bairristas. Tão à margem das conspirações regionalistas, e seus lobbies assombrosos, que desviam mundos e fundos para que não se desencravem os moradores de Santiago nos seus rincões e cutelos, achadas e fajãs, nossas leiras de terra enfim, sonho incisivo e visionário do poeta António Nunes. O Fórum de todos os cidadãos ciosos desta ilha maior e matricial, onde nasceu e tomou corpo a aventura crioula. Santiago, meu santo de todas as sementeiras, aqui me encontro. Estamos aqui. Por Cabo Verde…

4.
Com estas palavras vou sendo eu perante o mundo. Escrever, para mim, é deixar vestígios do pensamento e das andanças. É mostrar-vos as minhas máscaras, umas que levo aos bailes, outras que apresento nos velórios. Outrora, poeta pela contestação. Agora, contestatário ainda, mas pelas mais poéticas razões. Escrever, na alvura deste linha, é trazer pontos especiais do azul. E nesta solidão de mágoa sem cura, o azul da eterna idade é o que aqui desejo…

5.
Ficam, aqui e agora, os meus votos de Boas Festas. Aos familiares, amigos, afectos e desafectos…


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