sexta-feira, 3 de novembro de 2006

No Porto das Dunas





Ontem, Dia dos Finados, estivemos na Prainha, do Porto das Dunas. Ali vive o poeta Dimas Macedo, com o qual temos encontros de caudalosas conversas. Não apenas sobre Mia Couto e sua escrita “miacoutada”, que a gente grama até dizer basta. Mas da loucura que nos assalta, desta feita - eu, Dimas e Gerhard, um alemão, da Universidade de Berlim.

Falámos também de Ícaro, o filho de Dédalos (tirar o cavalinho da chuva), e da Ariana, a do celebrado fio. Ao pronunciado e elegante vinho – fora um Marquês de Borba (reserva), não é verdade? -, e declamámos alguns versos do Sintaxe do Desejo. Às tantas, Banquete, era assim:

(…)
Entre ostras e pêssegos eu bailo
e bêbedo
beijo o frutal das tuas algas.
Entre aspargos e vinhos
advinho o apelo dos teus lábios.
Carnais como os teus gestos
e os meus desejos
são os potros do sonho onde resvalo
(…)


Depois, o ver as dunas e as ravinas. E os veleiros malucos como uma canção plena de seiva. A balbuciar tal ária, uma bela moça, com ares de índia, inventava uma peixada na brasa. Dimas Macedo insistiu que eu declamasse algo do Das Frutas Serenadas, e queria que fosse Frutal:


(…)
Que é do corpo senão incêndio
Fogo crepitado no silêncio
Das algas e dos sais, no calor
Embriagado dos cristais
- Fogueira dos desejos –
E dos contidos frutos…
(…)


Deu tempo para o melhor da tarde. O nosso amigo alemão a declamar Patativa do Assaré, o poeta popular cearense, com mais de dez secas nas costas e mil poemas na cabeça. O berlinense mandava:

(…)
Saudade é um aperreio
Pra quem na vida gozou,
É um grande saco cheio
Daquilo que já passou.
(…)

O automóvel que nos traria de volta a Fortaleza rodou os vinte e tal quilómetros, entrecortando músicas de Renato Russo, Seu Jorge, Sara Tavares, Mayra Andrade e Joe Zawinul. Em tua lembrança, meu coração…

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