quarta-feira, 22 de novembro de 2006

As contas de sempre




As contas de sempre

Antes de mais, as contas à vida. Fazê-las assim – à moda “fechado para balanço” –, obriga-me a ver o mundo com os óculos que ora disponho. Às vezes, com lentes para ler ao longe, diria mesmo aqueles de avista montes ou simplesmente a linha do horizonte. Quiçá para além dela. Outras vezes, com lentes para ler de tão perto, quase ao redor da minha própria sombra ou do zoom de olhar estas mãos. Quando não aqui dentro, onde as coisas fazem outro sentido…

A esquina rota

Demoro-me à esquina dos dias que a cidade concede. Queria vivê-la doutro molde, que não deste, e poder amar, de amores mesmo, os seus deuses rotos. Apreciar, como quem tragasse de um golo, o néctar venenoso da sua esquina rota. Os preços disparam, em efeito dominó, e as explicações não apaziguam a mesa do vulgo em polvorosa. No autocarro nº 10, do Blog SoPaFla, as pessoas estão indignadas com as novas tarifas. À porta do Mercado Municipal, uma vendeira balbucia vergonhosamente os novos preços. Na Praceta, o Conde de Silvenius fala-me da crase, ora detectada no Sintaxe do Desejo, de Dimas Macedo, amigo e poeta cearense. Já tenho idade para assumir todas as verdades. A de um faustino despeitado, a rir das vinhas. “Estão verdes”, diria a velha raposa das fábulas, para virar lesto e cioso face à ilusão das folhas caídas. E as vinhas da nova Universidade estavam ainda presas ao galho mais elevado. Agora lembrei-me de Mário Lúcio (a quem saúdo o nu artístico), cedo, logo no dealbar de as luzes se instalarem, a rir connosco no “Pirilampo”, não o botequim das madrugadas, mas o pasquim que, a bom ver de Valentinous Velhinho, descortinara rir da grande charada. Em vez de “um partido único”, teríamos doravante “dois ou três partidos únicos”, vaticinara o Poeta. E uma saudação revolucionária, como ao tempo do materialismo histérico, ao abusado do Pranchinha que pedia à garçota de serviço “uma cachupa guisada, sem IVA”…

Poesis

Meio à pressa, reagrupo os poemas do meu próximo livro. Trouxe-o à minha cidade, única que amo mais que a Nova Iorque, como prenda de Natal. Falando nisso, recolocar mais recursos e meios na cidade da Praia não é um investimento de fundo perdido, nem um ónus. Antes, pelo contrário, ela representaria um investimento lucrativo e um bónus para a economia de Cabo Verde. A fracção nacional precisa ser repensada. E devemos fazer isso com a máquina de calcular na mão. Os números falam por si e deles devemos não ter medo. Mas dizia da Poesis, meus amigos. Os poemas tratam dos meus dias, de sol e sombra, na culpa de estar na idade do lobo. A minha existência, na sua dimensão mesmo existencial, é o que move a minha poética. Sem pretensões desmedidas, nem narcisismos de trazer por casa. Concedo-me à poesia por já ter perdido o que tinha para perder e no destoante achar as coisas de molde não exacerbado. As musas já são cósmicas e destarte cómicas. As frutas, ditas serenadas, têm o acre e o ocre dos corpos. Não sei, se fome ou sede, o que a minha alma eternamente clama. As contas de sempre, enfim…

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