sábado, 22 de novembro de 2008

LEMBRANÇA DE BRASÍLIA À CHUVA

Chuva de brasília não molha
alma de poeta, não — cai nos vãos
dos prédios, fina geometria de Niemeyer
deflagrada desde a veleira fímbria do pensamento.

Geórgica de luz, imperial e moça,
chuva de brasília é esta urdidura mansa,
som de êmbolo rabiscando
ausência de esquina emboscando o tempo.

Arremessado eco, cantoria de nuvens,
chuva de brasília é violão de treno
no derrotado azul desta oblonga manhã
decompondo-se numa ressaca de ramagens.

Chuva de Brasília talvez seja
este prelúdio de antenas conjurando
horizontes, a alma transistorizando
notícias de catástrofe, teu sorriso avarandado
à cabeleira de um póstumo sol de estio.

Porém, altiva, esmerila a praça dos três poderes,
alheia ao destino das tombadas folhas,
ao eco das catástrofes cremando
o parco fulgor de um sol a crédito.

Chuva de brasília não é essa garoa outonal
revoluteando as entranhas, motim de ecos
esgarçando a calma de tais dias, irrecusável vaticínio
atirado aos que lufam nos pátios doutra dança.
Chuva de brasília é essa dengosa mulata
encenando adeuses nos arroteados umbrais
do mundo, a procissão dos corvos jamais vistos,
sigilo que se anuncia pelos relâmpagos fremendo
num céu de sílica.

Chuva de brasília é minha alma sonhando
sua ausência pelos amodorrados pátios de lisboa.
Mas chuva de brasília eu vi mínima,
campeando num declínio esteorofónico,
consumado adeus por esses abertos jardins
sem uma esquina onde emboscar o verso.


JOSÉ LUIZ TAVARES
Brasília, 17 de Novembro de 2008

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