terça-feira, 8 de maio de 2007

circum-lóquio

(pur troppo non allegro)
sobre o neoliberalismo
terceiro-mundista
laisser faire laisser passer


1.
o neoliberal
neolibera:
de tanto neoliberar
o neoliberal
neolibera-se de neoliberar
tudo aquilo que não seja neo (leo)
libérrimo:o livre quinhão do leão
neolibera a corvéia da ovelha

2.
o neoliberal neolibera o que neoliberar
para os não-neoliberados:
o labéu?o libelo?
a libré do lacaio?
a argola do galé?
o ventre-livre?
a bóia-rala?
o prato raso?
a comunhão do atraso?
a ex-comunhão dos ex-clusos?
o amanhã sem fé?
o café requentado?
a queda em parafuso?
o pé de chinelo?
o pé no chão?
o bicho de pé?
a ração da ralé?

3.
no céu neondo neoliberal
anjos-yuppies
bochechas cor-de-bife
privatizam
a rosácea do paraíso
de dante
enquanto lancham
fast-food
e super
(visionários) visam
com olho magnânimo
as bandas(flutuantes)
do câmbio:
enquanto o não- neoliberado
come pão com salame
(quando come)
ele dorme
sonhando
com torneiras de ouro
e a hidro
banheira cor
de âmbar
de sua neo-mansão em miami

4.
o centro e a direita
(des)
conversam
sobre o social
(questão de polícia):
o desemprego um mal
conjuntural
(conjetural)
pois no céu da estatís-tica o futuro
se decide pela lei
dos grandes números

5.
o neoliberal
sonha um mundo higiênico:
um ecúmeno de ecônomos
de economistas e atuários
de jogadores na bolsa
de gerentes
de supermercado
de capitães de indústria
e latifundários de banqueiros
- banquiplenos ou
banquirrotos
(que importa?
de
de que circule
auto
regulante
o necessário
plus
valioso
numerário)
um mundo executivo
de mega-empresários
duros e puros
mós sem dó
mais atento ao lucro
que ao salário
solitários (no câncer)
antes que solidários:
um mundo onde deus
não jogue dados
e onde tudo dure para sempre
e sempre
mente nada mude
um confortável
estável
confiável
mundo contábil.

6.
(a
contra
mundo
o mundo-não-mundo cão-dos deserdados:
o anti-higiênico
gueto dos
sem-saída
dos excluídos pelo
deus-sistema
cana esmagada
pela moenda
pela roda dentada
dos enjeitados:
um mundo-pêsames
de pequenoscidadãos-menos
de gente-gado
de civis
sub-servis
de povo-ônus
que não tem lugar marcado
no campo do possível
da economia de mercado
(onde mercúrio serve ao deus mamonas)

7.
o neoliberal
sonha um admirável
mundo fixo
de argentários e multinacionais
terratenentes terrapotentes coronéis políticos
milenaristas (cooptados) do perpétuo
status quo:
um mundo privé
palácio de cristal
à prova de balas:
bunker blaudurando para sempre - festa estática
(ainda que sustente sobre fictas
palafitase estas sobre uma lata
de lixo)



Haroldo de Campos

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