segunda-feira, 3 de abril de 2006

Os indocumentados

1.
João K., nome falso e aleatório, está nos Estados Unidos há 10 anos. Ele não obteve ainda nem o Green Card (o cartão de residência), nem o Social Security Card (a cartaira de trabalho e do seguro social). Trabalhador, vizinho exemplar e bom chefe-de-família, João K sustenta a sua prole, algures num subúrbio de Boston, e sustenta os seus pais e irmãos em Cabo Verde. Mais, abriu uma conta-emigrante num banco em Cabo Verde e o seu extracto bancário confirma ser um excelente cliente. Como milhares de cabo-verdianos, na mesma situação, João K votou nas eleições legislativas e presidenciais de Cabo Verde. Não diz no quê, nem em quem. O voto é secreto, ora. Algum problema, meus senhores?

2.
Recentemente, mercê da política doméstica, alguém tentou pôr em causa a legitimidade dos cabo-verdianos “ilegais” nos Estados Unidos, mas com passaportes cabo-verdianos válidos, votarem nas legislativas e presidenciais de Cabo Verde. A princípio, achei a ideia um tanto ao quanto bizarra, para não dizer bizantina, para logo depois concluir pela perversão e intolerância desse pensamento. Antes de mais, seria mister analisarmos, em termos da nossa própria constitucionalidade, em que cenários um cidadão cabo-verdiano perderia a sua nacionalidade. Depois, ao querermos questionar a questão da dupla ou da múltipla cidadania, não poderemos admitir o cenário da não cidadania para qualquer cabo-verdiano. E, finalmente, não poderemos formular a ideia da Nação Global se subtrairmos aos cabo-verdianos espalhados pelo mundo, legais ou não nos vários países de acolhimento, a sua capacidade de participar da vida cabo-verdiana (política, cultural, social, económica, outra).

3.
No que concerne aos Estados Unidos, milhares, senão mesmo milhões, de americanos e não americanos preparam-se para marchas históricas, a 10 de Abril, recordando as marchas cívicas dos anos 60, desta feita protestando contra um um projecto de lei, que prevê a selecção de imigrantes de acordo com a respectiva nacionalidade, e a criação de «bolsas de estrangeiros» autorizados a permanecer no país para ocuparem empregos mal pagos, designadamente no trabalho doméstico, restauração e construção civil. A lei põe de imediato em causa a permanência nos Estados Unidos de muitos indocumentados, entre os quais muitos, muitíssimos, cabo-verdianos.

4.
Paradoxalmente, os imigrantes considerados ilegais representam actualmente cerca de 5% da população activa dos EUA, e a tendência é de aumentar. Segundo a Pew Hispanic Center (PHC), sediada em Washington,, o mercado de trabalho norte-americano registou um aumento de 400 mil indocumentados, em 2005, o que faz ascender a 12 milhões de estrangeiros as estimativas dos indocumentados a viver nesse país. Em suma, a América é grande também graças aos imigrantes. Inclusive, os indocumentados como João K., nome falso e aleatório, …eis a verdadeira realidade.

5.
Voltando a Cabo Verde, o que motivaria um político cabo-verdiano a misturar, alhos com bugalhos, a indocumentação de muitos cabo-verdianos residente na América com a capacidade destes votarem? Temos todos, até às últimas consequências, de pensar no alcance perverso de tal motivação… João K., nome falso e aleatório, é cabo-verdiano de pleno direito, meus senhores!


1 comentário:

VICTOR SACRAMENTO MONTEIRO disse...

Eu fui a um rally destes em Providence, RI e fiz um documentario, juntamenta com o Munnak do Islandboy que pode ser visto no meu blog VSM1.COM ( VSM1.BLOGSPOT.COM ). Ficar calado nao esta na minha maneira de ser.
VSM