domingo, 9 de abril de 2006

No equinócio

Apócrifo Evangelho

Ouço a rádio, enquanto escrevo. Ora conversa, ora música. Domingo é assim. Arrumar a casa e escrever um bocado. O dia está solarengo, mas não me assumo com hábitos do turista de sol e praia. De resto, estou cá para aprender. Falando nisso, encanta-me ler o Evangelho Segundo Judas. É refrescante e apaixonante. Fomos aprendendo sempre pelos evangelhos canónicos (isto é, aqueles reconhecidos oficialmente pelo poder eclesiástico), mas às tantas nos sentíamos cristãos, católicos mesmo, mas não apostólicos romanos. Assim, os outros testemunhos começam a incendiar a nossa imaginação. No mundo da Gnose, tudo é permitido. Os gnósticos apreciam o Demiurgo, o dito criador do Universo, e, por conseguinte, o vórtice da substância e do caos. Eis que o Filho do Homem vai a Jerusalém e enfrenta o seu próprio destino. Não é o que nos contaram ao longo da vida. Cristo não precisave de Judas para ser traído. Em todas as sociedades dos homens, os traidores (e há muitos) ao lado dos iluminados. Mas leiam, por favor, Envangelho Segundo Judas

Germano Almeida

Germano Almeida, o mais celebrado dos ficcionistas cabo-verdianos, acaba de lançar em Portugal o seu último livro “Eva”. Fico curioso. Dele (Germano Almeida), guardo como relíquia “Ilha Fantástica”, “Dois Irmãos” e “Testamento do Senhor Nepumuceno Araújo da Silva”. E do relacionamento pessoal (já que me considero amigo), guardo as bissextas, porém caudalosas, conversas às sextas com Tchalé Figueira e Vasco Martins. E os poucos encontros durante a campanha de reeleição do Comandante Pedro Pires. Uma figura, esse Germano! E conhecedor do bom vinho, a bebida dos deuses. Ficcionar Cabo Verde é extremamente importante para a nossa identidade, disse Germano Almeida numa entrevista à RDP África. Ficcionemos, pois, Cabo Verde…

A toponímia do logradouro

Há dias, na inauguração do Memorial à Fome e às Vítimas do Desastre da Assistência, em cerimónia presidida pelo primeiro-ministro, apareceu o nosso amigo Nuno Duarte com um cartaz a reivindicar a reposição do nome Desastre da Assistência à rua ora chamada Cabo Verde Telecom, por sinal a empresa patrocinadora do monumento. Confesso ter ficado encantado com a atitude e o gesto de Nuno Duarte. Houve gente que não gostou, entretanto. Houve gente que pretende o aparato ao invés da essência. E o próprio desenho conceptual do arquitecto Carlos Hamelberg interpela mais ao conteúdo que à forma (tríada futurista em obelisco), diga-se. O Desastre da Assistência se impõe, em verdade, como um dever de memória e isso é uma forma qualificada da cidadania...Quando cheguei em 1980 a Belo Horizonte, Minas Gerais, como estudante de Biblioteconomia, havia aquela rua chamada Dan Mitrioni, um torturador estrangeiro, morto no Uruguai por guerrilheiros Tupamaros. Era um tempo interessante, de muita militância e muita cidadania. Tanto que a comunidade local conseguiu, depois de muita luta e insurgência civil (belos tempos), substituir o nome do “putamadre” pelo de José Carlos da Mata Machado, revolucionário assassinado pela policia política dos tempos da ditadura militar…A cidade da Praia, por ser antiga e capital, precisa rever a sua toponímia e trazer à colação nomes, feitos e referências historicamente mais recomendáveis…

No equinócio

Nha Gina dizia que eu seria um contador de histórias. E nas quentes noites, eu contava a melhor, dizia ela. Meus pássaros, sei contar-vos as histórias escondidas e pelos logradouros, dos largos aos becos, as fronhas de uma alegria estão aqui guardadas como um tesouro. A brisa em contraponto e a barlavento, e o espampanante silêncio do sotavento, tudo é navio velejando à hora da beleza. Poesia...como era aliás apanágio à porta daquela soleira!

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