quinta-feira, 31 de julho de 2008

Ressaca do Silêncio

A noite foi feita para comer (isto é, para amar de forma carnívora, lentamente canibal, no calibre da loucura):
Uma lua vermelha – clítoris da felicidade

A leveza da escuridão – sombras do prazer esvaídas no repentino faiscar da navalha e do insulto

A longa espera das virgens – explodindo orgasmos tingidos de dor

A incrível alegria das putas – livres na penumbra da dança em exuberante apoteose do cio
e do aturdido rodopiar do eros

O amanhecer dos burocratas - com o sol na patética e ciclotímica rotação da rotina

A ressaca do silêncio – tardia luminosidade do dia entrando abruptamente pela fenda do êxtase
e da remordida memória das trevas

(Parêntese aposto para o apaziguamento dos defensores da represtinação do atentado ao pudor e de outros crimes contra a moral, a religião e os bons costumes: os abstémios são geralmente execrados
e os sóbrios, ostracizados e impiedosamente trucidados pela ironia, confinam-se usualmente
ao implacável crepitar do pudor do remorso e da assassina memória das loucuras não consumadas)

Lisboa, 2003/Julho de2008
(versão refundida do poema homónimo constante do livro À Sombra do Sol, volume II, Praia, 1990)


José Luis Hopffer Almada

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