I'm starting with the man in the mirror
I'm asking him to change his ways
Micheal Jackson. Man in the Mirror
Não tomei tento à fase da lua, mas hoje estou “estranho”. Acho que é do tempo da chuva. Quando amanhece em neblina, fico mais oblíquo. Desvio-me do quotidiano. Só regresso para dar pequeno-almoço aos meus filhos. Estes são a minha realidade. Ultimamente, devido ao enorme espelho do meu quarto, olho-me muito e mais demoradamente. Vejo-me reflectido e invade-me uma sensação nova, que não a da egolatria. Ou é o reflectido que olha para mim? Não interessa. Tal como em certa matemática, a inversão não altera a ordem dos factores. Ou altera? Tanto faz. O reflexo mexe comigo e resplandece a minha solidão existencial. Ó cambada, ó turbilhão de gente, estou só, irremediavelmente só, ouviram? Estar só é poder andar de tapete voador sobre os labregos, sobre o Café Sofia e topar que a barulheira da cidade não passa de um silêncio ulterior. Ou, tal qual aquele invisível, de Os Dados Estão Lançados, de Jean-Paul Sartre, em que o protagonista gritava, gesticulava e suplicava, sem que ninguém lhe desse a mínima. Nem com GPS, se chega a Xangai. Nem à boleia do Autocarro # 20. Olho, pela CNN, a preparação dos Jogos Olímpicos de Pequim. Qualquer dia, peço ao pessoal do Tribunal Internacional que formule um mandato contra a vizinhança que joga o lixo fora dos contentores. Não me refiro à Sérvia. Tão pouco é piada sobre Guantanamo. Em Safende e arredores, a situação interpela aos senhores dos Direitos Humanos. Mas falava do meu espelho. Olho-me e estou biodegradável. Este gajo não é um filet-mignon, caramba. Mário Fonseca, poeta desta minha cidade, escrevera nuns versos que “viver/ devia ser/ até 20”. É o mais existencial dos poemas de Mário Fonseca. Ontem, sonhei com a tal bomba termonuclear, que já não poderá a acabar com a Esplanada da Praça Alexandre Albuquerque. Esta foi destruída pela incompetência municipal, frustrando qualquer intenção poético-terrorista. Faz neblina e Nero teve as suas razões para incendiar Roma. Estou “estranho”. Apagão da Electra, falta de água, mosquitos por todo o lado, cheiro à merda depois da chuva de ontem, o ignorante sindicalista na TCV, os parasitas e os oportunistas, os taxistas e os hiacistas, e esse energúmeno a jurar que é Verão…isso tudo só poderá ser uma brincadeira de mau gosto. Got you, baby. Mas, como todos, dou gargalhadas. Palmas que esta peça há-de entrar na próxima estação teatral do Mindelact. Estamos ainda a tempo de apresentar O Espelho, ó João? Parece que é neblina no universo inteiro. Como todos, sei que metade não amou hoje. Como todos, só 10% faz realmente amor e um ½ desse contingente acredita nos nossos deuses de esquina. Como todos, caminho para o crepúsculo. Com hora marcada para apagar…
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