Não venho aqui paparicar o ego dos rincões e dos cutelos. Nem venho pedir favores aos deuses da terra. Tão pouco faço vénias às espertezas de ponta de praia. Oficializar a língua materna e primeira é tornar de jure o que é de facto. Em Cabo Verde, quem chora ou faz amor noutra língua, atire a primeira pedra. Quem sonha e compõe melodias noutra língua, que não em crioulo, alinhe-se deste lado da bicha, que é hora, mais que hora, de sentirmos o pulso dessa esmagadora maioria. E não vale a pena tantos decretos, seminários, tertúlias e outras dissimulações. Para já, a Constituição Nacional consagra o bilinguismo. A par disso, precisamos dominar bem as nossas duas línguas – a cabo-verdiana e a portuguesa, numa coabitação definida e organizada. De resto, não faz sentido que as nossas crianças sejam alfabetizadas em “segunda língua”, que não seja instituída no currículo do ensino secundário a aprendizagem da escrita em crioulo e que o ensino superior não considere a cátedra da língua e da cultura cabo-verdianas. É agendar a dita no Parlamento, construir o necessário consenso para alterar a Constituição e oficializar "a partir desta data histórica" o Crioulo de Cabo Verde. A tal coragem que, outrora, teve Dom Diniz com a língua portuguesa, que, me perdoem os mais afoitos e os mais aficionados, tem as suas esquisitices (tipo "fi-lo porque qui-lo") e deixam, quando soe, qualquer um no prejuízo. Ademais, se houve consenso político para a aberrante lei eleitoral, creio que não faltará boa vontade para a oficialização do crioulo. Assumamos, pois, o bilinguismo de Cabo Verde!
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