Adriana Calcanhoto
Estamos a preparar o lançamento do “Das Frutas Serenadas”, na cidade da Praia. Mano Preto introduz a ideia de uma dança de corpos pintados. Ele e a dançarina italiana Frederica. Além da pintura corporal, vamos inflectir mais a ideia da percussão no corpo. Fizemo-lo no Mindelo e o efeito foi bonito. Ouvi Adriana Calcanhoto a cantar Jornal de Serviço, um poema musicado de Carlos Drummond de Andrade, e fiquei maravilhado. Ela não utiliza os instrumentos considerados normais, apenas o som das Páginas Amarelas folheadas. Uma coisa inovadora e com um incrível impacto sonoro.
A pintura corporal dos índios Xerente
Achei tão interessante a ideia de Mano Prato que fui analisar o universo artístico (e antropológico) das pinturas corporais. Adorei as informações sobre as causas e os motivos da pintura corporal dos índios Xerente. Estes, quando dançam (também palavras, note-se), re-confeccionam o corpo com os seguintes elementos: carvão misturado com pau-de-leite faz o preto; sementes de urucum fazem o vermelho e o branco é completado com penugem de periquito ou algodão. Antes da pintura, os corpos são untados com óleo de babaçu. Os detalhes - círculo ou traços - são esculpidos em pedaços de miolo de tora de buriti, e utilizados como uma espécie de "carimbo". O resto é dançar as palavras…
Mês de teatro
Em Março, o Mindelact assinalará o mês de teatro. Esta será mais uma oportunidade de intercâmbio entre as várias dramaturgias, como também seria importante prestar uma atenção maior à produção cabo-verdiana que, em função das dificuldades conjunturais, ainda não ganhou a dinâmica desejada. O teatro protagoniza o nosso surto de pertença cultural e é, em permanência, deflagrador do nosso processo identitário. Por isso, sejamos simbiótica e intermitentemente destas ilhas e deste mundo. Naturalmente que as grandes peças universais importam ser montadas em Cabo Verde, porque não faz o menor sentido ficarmos isolados em matéria da arte, qualquer que seja ela. E é preciso reconhecer que, graças ao Mindelact, a ponte da dramaturgia cabo-verdiana continuou de pé.
Celeumas (sempre) necessárias
Uma pequena celeuma corre sobre a existência ou não do genuíno teatro cabo-verdiano. É interessante reparar que hoje as atenções voltam para a discussão do teatro. Antes disso, estávamos um tanto intoxicados pelas celeumas futeboleiras e/ou partidárias. Tirando uma ou outra posição mais extremada, também parte do show (e de um bairrismo, aqui e acolá, parte da nossa mediocridade), o que importa é o regresso de Kwame Kondé ao teatro activo. Agora que já renascem vários grupos cénicos na capital, o retorno de Kondé pode ser encarado como algo emblemático, além da operação de charme. Mais do que as múltiplas aparências, façamos coisas essenciais. Este país precisa de qualidade. Em tudo. E depois, como ensinou Platão, o mundo das imagens é também o da efemeridade. Até para o mantermos, enquanto realidade encantatória, precisaríamos desta reinvenção. Pela essência, naturalmente…
Tcheka
Tcheka Andrade, imenso músico, por si só, configura-nos uma noite diferente. O espectáculo do sábado passado, no Palácio da Cultura Ildo Lobo, foi algo diferente, bonito e bem apanhado. O profundamente tradicional mesclado a um arranjo para lá de moderno. Às tantas, viajei para as batidas de Baba Maal, as melodias Al di Meola e o “remelexo” de Jonathan Butler. Parei também nos lamentos de Codé di Dona, na graça de Bibinha Cabral e na alma eterna de Orlando Pantera. Em suma, um show e tanto, com o brinde da poderosa Lura, em dueto transcendente com Tcheka. E a banda – ele, mais Kizó, Raul e Hernâni – é a nata de uma geração que já deu muito e mais ainda tem para dar a Cabo Verde. O som pesado do quarteto não deixa ninguém indiferente. A mim, deu-me ganas de gritar – a risco de dar vexame na ambiência intimista: viva a música!
Nota e anota: o guitarrista Hernâni é de facto uma preciosidade. O Cyber Sofia e o Tera estão, uma vez mais, de parabéns. Façam barulho, apesar dos guardiães do velho templo…
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