quarta-feira, 9 de fevereiro de 2005

Cabo Verde na União Europeia

Pelo que o texto tem de interessante e de polémico, creio que vale a pena uma leitura descomplexada e crítica. E que provoque um aceso e necessário debate, diferente daquele, eivado de bizantinices e de fundamentalismos, que às vezes grassa pela nossa praça. Eis o texto do Professor Adriano Moreira:


A integração de Cabo Verde na União Europeia

Os temas europeus não estão muito presentes nos debates em curso, como se a dependência do País em relação às orientações da União não fosse de uma importância crescente.

Uma dependência que tem que ver com as políticas sabidas e também com as políticas furtivas que se vão concretizando sem a participação dos Parlamentos nacionais e informação à opinião pública.

Uma das vertentes que parecem exigir maior atenção, pelos reflexos que tem nos interesses dos restantes membros, é a do alargamento, agora a caminho de se transformar num ritual, com ponto final predeterminado, as negociações para a admissão da Turquia.

O alargamento para leste parece inspirado pelo objectivo, não declarado, de recolher toda a herança da NATO com adaptação do seu conceito estratégico de levar a libertação do Atlântico aos Urales, articulando sem grande meditação as definições de comunidade e de aliança.

Talvez seja oportuno, e necessário, olhar criticamente para o Atlântico de onde partiu o movimento, dando atenção ao risco de afastamento entre o europeísmo e o americanismo, considerar a necessidade de continuar a tentar modelar a articulação entre a segurança do Atlântico Norte e a do Atlântico Sul, e repensar o estatuto dos arquipélagos que pontuam a linha divisória.

Os arquipélagos portugueses estão por isso na Europa, assim como as Canárias estão na Europa por serem parte da Espanha.

Todavia Cabo Verde, um Estado independente, parece nunca ter despertado a atenção dos órgãos institucionais, no sentido de serem iniciadas negociações para ser admitido na União.

Do ponto de vista do conceito comunitário, é indiscutível que a sua sociedade civil incorporou na identidade cultural os valores que são denominadores comuns dos europeus, sendo uma das expressões mais bem sucedidas das sínteses culturais a partir de um multiculturalismo derivado do modelo de povoamento.

A sua literatura é das mais enriquecedoras do espaço lusíada, e no que respeita à intervenção portuguesa, no processo euromundista da colonização, uma realidade que acompanha o milagre que foi a criação do Brasil.

No conjunto dos Estados que se tornaram independentes em resultado do movimento geral descolonizador impulsionado pela ONU, Cabo Verde, limitado de recursos, é um exemplo de Estado de Direito, cumpridor escrupuloso das obrigações internacionais, confiável se atendermos aos critérios que orientam a Administração republicana dos EUA.

Existe um movimento, ainda mal sustentado, no sentido de organizar uma espécie de unidade cooperativa dos arquipélagos atlânticos, e Cabo Verde nunca está ausente dos comentários publicados e das intervenções.

Mas, por outro lado, e voltando às questões da segurança, não é possível sugerir qualquer modelo de organização do Atlântico Sul, e de articulação entre a sua segurança e a do Atlântico Norte, sem incluir Cabo Verde no processo, supondo que não recusará o consentimento e a colaboração.

Por outro lado, a Europa é forçada a ter posição nesse projecto, que apelará ao interesse português, tantas são as soberanias de língua oficial portuguesa que se encontram nas duas margens.

Cabo Verde tem uma identidade e um desempenho que fazem do seu povo e da sua política uma referência segura de diálogo com todas as soberanias africanas, uma mais- -valia para a União Europeia.

Trata-se de um povo com uma importante diáspora, com comunidades instaladas em países europeus e nos EUA, sempre com integração sem problemas.

As autoridades portuguesas estão indicadas e legitimadas para terem a iniciativa de propor a abertura de um processo de adesão de Cabo Verde à União Europeia.

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