segunda-feira, 22 de maio de 2006

África



Por Eduardo Dámaso, DN


O aumento do número de imigrantes africanos que todos os dias chegam mortos ou famintos ao litoral mediterrânico e atlântico de Espanha é brutal. A vigilância mais apertada das autoridades espanholas no estreito de Gibraltar desencadeada a partir do êxodo de 2004 tem vindo a empurrar os imigrantes para as rotas do Atlântico e, nos últimos dias, as ilhas Canárias têm sido palco de relatos e imagens dramáticas que, no entanto, pousam por brevíssimos segundos no nosso olhar, como que alheado de uma realidade encarada como distante ou mesmo já muito banalizada. É como se fosse mais um problema do nosso vizinho espanhol do que nosso.
O problema da imigração ilegal oriunda de África e dominada por mafias transnacionais é todos os dias agravado pela indiferença desse olhar bem instalado na vida. Quando países como Portugal não têm estratégias nem políticas de abordagem de um problema com tal dimensão para o mundo, não são protagonistas no debate, ou na pressão para que ele se faça de forma consequente, quando a própria União Europeia não acerta o passo no desenvolvimento de uma política que ataque a questão na sua origem, então a realidade torna-se iniludível: África, ela própria, não é uma prioridade para o resto do mundo. As consciências do Norte mais desenvolvido repousam nas respostas puramente policiais.
Quando as rotas partiam da Argélia ou de Marrocos deu-se a necessária resposta policial no Mediterrâneo. Agora que se concentram milhares de ilegais na Mauritânia, de onde partem verdadeiras urnas funerárias em busca do eldorado, as políticas de repressão exigem a colaboração das autoridades locais. Tem sido essa mutação das estratégias das redes o único factor de marcação do ritmo das políticas de ataque ao problema, exceptuando os esforços mais recentes de Zapatero, que procura fortalecer laços com os países magrebinos, depois dos fracassos do PP.
O problema, porém, não é espanhol. É um problema do mundo que exige mais e melhor política, que exige um verdadeiro plano para África - o de Blair é um bom ponto de partida -, exige um verdadeiro compromisso dos países mais ricos integrados no G-8 e da União Europeia. Exige que mesmo países com menor influência, como Portugal, saiam da sua tradicional visão paroquial do mundo. O rasto das mortes que vamos deixando para trás é demasiado gigantesco para que tudo fique como está.

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