Adriana Calcanhoto
Estamos a preparar o lançamento do “Das Frutas Serenadas”, na cidade da Praia. Mano Preto introduz a ideia de uma dança de corpos pintados. Ele e a dançarina italiana Frederica. Além da pintura corporal, vamos inflectir mais a ideia da percussão no corpo. Fizemo-lo no Mindelo e o efeito foi bonito. Ouvi Adriana Calcanhoto a cantar Jornal de Serviço, um poema musicado de Carlos Drummond de Andrade, e fiquei maravilhado. Ela não utiliza os instrumentos considerados normais, apenas o som das Páginas Amarelas folheadas. Uma coisa inovadora e com um incrível impacto sonoro.
A pintura corporal dos índios Xerente
Achei tão interessante a ideia de Mano Prato que fui analisar o universo artístico (e antropológico) das pinturas corporais. Adorei as informações sobre as causas e os motivos da pintura corporal dos índios Xerente. Estes, quando dançam (também palavras, note-se), re-confeccionam o corpo com os seguintes elementos: carvão misturado com pau-de-leite faz o preto; sementes de urucum fazem o vermelho e o branco é completado com penugem de periquito ou algodão. Antes da pintura, os corpos são untados com óleo de babaçu. Os detalhes - círculo ou traços - são esculpidos em pedaços de miolo de tora de buriti, e utilizados como uma espécie de "carimbo". O resto é dançar as palavras…
Mês de teatro
Em Março, o Mindelact assinalará o mês de teatro. Esta será mais uma oportunidade de intercâmbio entre as várias dramaturgias, como também seria importante prestar uma atenção maior à produção cabo-verdiana que, em função das dificuldades conjunturais, ainda não ganhou a dinâmica desejada. O teatro protagoniza o nosso surto de pertença cultural e é, em permanência, deflagrador do nosso processo identitário. Por isso, sejamos simbiótica e intermitentemente destas ilhas e deste mundo. Naturalmente que as grandes peças universais importam ser montadas em Cabo Verde, porque não faz o menor sentido ficarmos isolados em matéria da arte, qualquer que seja ela. E é preciso reconhecer que, graças ao Mindelact, a ponte da dramaturgia cabo-verdiana continuou de pé.
Celeumas (sempre) necessárias
Uma pequena celeuma corre sobre a existência ou não do genuíno teatro cabo-verdiano. É interessante reparar que hoje as atenções voltam para a discussão do teatro. Antes disso, estávamos um tanto intoxicados pelas celeumas futeboleiras e/ou partidárias. Tirando uma ou outra posição mais extremada, também parte do show (e de um bairrismo, aqui e acolá, parte da nossa mediocridade), o que importa é o regresso de Kwame Kondé ao teatro activo. Agora que já renascem vários grupos cénicos na capital, o retorno de Kondé pode ser encarado como algo emblemático, além da operação de charme. Mais do que as múltiplas aparências, façamos coisas essenciais. Este país precisa de qualidade. Em tudo. E depois, como ensinou Platão, o mundo das imagens é também o da efemeridade. Até para o mantermos, enquanto realidade encantatória, precisaríamos desta reinvenção. Pela essência, naturalmente…
Tcheka
Tcheka Andrade, imenso músico, por si só, configura-nos uma noite diferente. O espectáculo do sábado passado, no Palácio da Cultura Ildo Lobo, foi algo diferente, bonito e bem apanhado. O profundamente tradicional mesclado a um arranjo para lá de moderno. Às tantas, viajei para as batidas de Baba Maal, as melodias Al di Meola e o “remelexo” de Jonathan Butler. Parei também nos lamentos de Codé di Dona, na graça de Bibinha Cabral e na alma eterna de Orlando Pantera. Em suma, um show e tanto, com o brinde da poderosa Lura, em dueto transcendente com Tcheka. E a banda – ele, mais Kizó, Raul e Hernâni – é a nata de uma geração que já deu muito e mais ainda tem para dar a Cabo Verde. O som pesado do quarteto não deixa ninguém indiferente. A mim, deu-me ganas de gritar – a risco de dar vexame na ambiência intimista: viva a música!
Nota e anota: o guitarrista Hernâni é de facto uma preciosidade. O Cyber Sofia e o Tera estão, uma vez mais, de parabéns. Façam barulho, apesar dos guardiães do velho templo…
segunda-feira, 28 de fevereiro de 2005
Tâmaras
Das janelas, olhávamos o abraço da baía
Os mastros entrados pelas enseadas,
O movimento dos corpos soluçantes
A exaustão das horas que se abraçam…
Olhávamos também, amor, o sol a pique
Que, das manhãs, dourava todas as frutas,
Era tua rua de infância, e estavas nua,
Molhada chuva e eu, ali, liquefeito…
Conta-me um pouco de haverem deuses,
Só um bocado desse paraíso de bocas
Fá-lo sem medo, assim como as loucas…
Toca-me, pelo fundo, amor, tão frágil
Quão poderosa, foste, num só momento,
E ter aquilo sido toda a eternidade…
Filinto Elísio
In: “Das Frutas Serenadas”
Os mastros entrados pelas enseadas,
O movimento dos corpos soluçantes
A exaustão das horas que se abraçam…
Olhávamos também, amor, o sol a pique
Que, das manhãs, dourava todas as frutas,
Era tua rua de infância, e estavas nua,
Molhada chuva e eu, ali, liquefeito…
Conta-me um pouco de haverem deuses,
Só um bocado desse paraíso de bocas
Fá-lo sem medo, assim como as loucas…
Toca-me, pelo fundo, amor, tão frágil
Quão poderosa, foste, num só momento,
E ter aquilo sido toda a eternidade…
Filinto Elísio
In: “Das Frutas Serenadas”
Uvas
Esplêndidas delícias de acariciadas mãos,
Navegantes das fomes e contemplativas das sedes,
Eras tu pelas alamedas dos abacateiros em flor
E caminhavas, nua, pela rua profanada…
E o resto era eu, minha fruta serenada,
À tua incessante procura, de mim, errante lua,
Seios de duna, à beira do oásis da loucura
E de abrir os olhos, na areia, e estás evadida…
Perdidas as mágoas, açucena das nuvens,
Em madrigais de amor a tua voz flutua assim
Como em furtivas dentadas na fruta enfim…
Ou como que a língua lambe o dentro das uvas
As catedrais, minha Eva luna, dos gemidos
Ser a cópula o decoro sobre os altares…
Filinto Elísio
In: “Das Frutas Serenadas”
Navegantes das fomes e contemplativas das sedes,
Eras tu pelas alamedas dos abacateiros em flor
E caminhavas, nua, pela rua profanada…
E o resto era eu, minha fruta serenada,
À tua incessante procura, de mim, errante lua,
Seios de duna, à beira do oásis da loucura
E de abrir os olhos, na areia, e estás evadida…
Perdidas as mágoas, açucena das nuvens,
Em madrigais de amor a tua voz flutua assim
Como em furtivas dentadas na fruta enfim…
Ou como que a língua lambe o dentro das uvas
As catedrais, minha Eva luna, dos gemidos
Ser a cópula o decoro sobre os altares…
Filinto Elísio
In: “Das Frutas Serenadas”
sábado, 26 de fevereiro de 2005
Intervalo 1: Guillermo Cabrera Infante
Faleceu o escritor cubano Guillermo Cabrera Infante, em Londres, aos 75 anos. Vencedor do Prémio Cervantes em 1997, dissidente do regime de Cuba, país de onde se exilou na Europa em 1965, o autor de Três Tristes Tigres vivia em Londres há mais de três décadas.
Admirador de Borges, apaixonado pelo cinema - foi o fundador da Cinemateca de Cuba, em 1951 - amante de boleros, Cabrera Infante nasceu em 22 de Abril de 1929, em Gibara, província de Oriente, Cuba. Em 1960, publicou seu primeiro livro importante, chamado Assim na Paz como na Guerra. Em 1962, o escritor viajou à Bélgica como adido cultural do governo cubano. Esta saída de seu país, do qual não parou de escrever apesar do longo exílio, o levou a questionar a revolução cubana, passando a ser um dos mais duros críticos do governo de Fidel Castro.
Em 1964, Infante ganhou seu primeiro prémio internacional com Vista do Amanhecer no Trópico, o Prémio Biblioteca Breve, de Seix Barral. Em 1967, publicou Três Tristes..., o romance experimental que o tornou conhecido em todo o planeta, no qual utiliza a fala popular cubana, muitos jogos de palavras, paródias e sua grande erudição.
Confira a obra completa:
Romances:
- Vista del amanecer en el trópico (1965)
- Tres Tristes Tigres (1967)
- La Habana para un Infante difunto (1979)
- Holly Smoke (1995)
- Delito por bailar chachachá (1995)
- Ella cantaba boleros (1996)
- La Amazona (1996)
- Mi música extremada (1996)
Ensaios:
- Así en la paz como en la guerra (1960)
- Un oficio del siglo XX (1973)
- Exorcismos de Esti(l)o (1976)
- Mea Cuba (1992)
- Arcadia todas las noches (1995)
- Cine o sardina (1997)
Também escreveu a adaptação do romance Bajo el volcán, de Malcolm Lowry, para o cinema.
Admirador de Borges, apaixonado pelo cinema - foi o fundador da Cinemateca de Cuba, em 1951 - amante de boleros, Cabrera Infante nasceu em 22 de Abril de 1929, em Gibara, província de Oriente, Cuba. Em 1960, publicou seu primeiro livro importante, chamado Assim na Paz como na Guerra. Em 1962, o escritor viajou à Bélgica como adido cultural do governo cubano. Esta saída de seu país, do qual não parou de escrever apesar do longo exílio, o levou a questionar a revolução cubana, passando a ser um dos mais duros críticos do governo de Fidel Castro.
Em 1964, Infante ganhou seu primeiro prémio internacional com Vista do Amanhecer no Trópico, o Prémio Biblioteca Breve, de Seix Barral. Em 1967, publicou Três Tristes..., o romance experimental que o tornou conhecido em todo o planeta, no qual utiliza a fala popular cubana, muitos jogos de palavras, paródias e sua grande erudição.
Confira a obra completa:
Romances:
- Vista del amanecer en el trópico (1965)
- Tres Tristes Tigres (1967)
- La Habana para un Infante difunto (1979)
- Holly Smoke (1995)
- Delito por bailar chachachá (1995)
- Ella cantaba boleros (1996)
- La Amazona (1996)
- Mi música extremada (1996)
Ensaios:
- Así en la paz como en la guerra (1960)
- Un oficio del siglo XX (1973)
- Exorcismos de Esti(l)o (1976)
- Mea Cuba (1992)
- Arcadia todas las noches (1995)
- Cine o sardina (1997)
Também escreveu a adaptação do romance Bajo el volcán, de Malcolm Lowry, para o cinema.
sexta-feira, 25 de fevereiro de 2005
Blog Nota 3
Realismo interior
De repente, tive a necessidade existencial de incluir no livro “Das Frutas Serenadas”, um caderno sobre as pedras, assumindo um caminho contrário da ascese fenomenológica. De forma consciente, em vez de procurar partir das pedras até à esfera da metafísica, “viajo” do abstracto (emoções, lembranças, sensações, movimentos da consciência) para incarnar nas pedras, como um concentrado de objectos, “coisas” que acumulam espaço e peso na minha existência. O ideal seria chegar à poética “expressionista”, tirando a conotação histórica do termo, e revelar o tal realismo interior…
O sujeito-eu
Fazer poesia é conceder-me ao sujeito-eu, revelar-me ao mundo e para o mundo. Não falo aqui da salvação, essa coisa judaico-cristã da salvação… mas quando consigo um poema, experimento um prazer sensual, carnal, erótico: consegui chegar a uma êxtase em mim próprio e sou, ainda que por lapsos, feliz. Nada a ver com a ascese… Escrever é poder desnudar a coisa, tirar o véu, a roupa, o preconceito, o tabu, sorver a luz e a sombra das coisas. A essência das frutas, quando reveladas ou mesmo serenadas pelo desejo humano.
Além da gramática
Não sou um obcecado pela gramática, pela métrica que até muito tempo dourava os versos. Os versos de há muito que desceram do panthéon e caíram na sarjeta. Prefiro a sensualidade da língua: usar uma língua sem afectações ou citações, podendo até recriar termos que se adaptem à ambiência. A poesia fala do Ser, relacional consigo, com o Outro e com as coisas e, por isso, transcende os cânones. O canto é um limite inatingível porque subverte tudo, inclusive a própria estética. O processo criativo sugere a duplicidade e a ambiguidade sempre. A poesia, mesmo quando recupera emoções singelas, subverte o instituído. O quadro Mona Lisa de Gioconda, de Leonardo Da Vinci grita tanto quanto Guernica, de Pablo Picasso.
A bater desvairado
Regresso à Praia, com Mário Lúcio e Mano Preto, dois artistas que me acompanharam na montagem e no desempenho do espectáculo «Das Frutas Serenadas», apresentado, sábado passado, no pub do Mindel Hotel. Na ilha do Porto Grande, ficaram Tchalé Figueira e João Branco, ambos integrantes do projecto, com a promessa de se nos juntarem na capital para a reconstituição da peça, algures em Março. O avião da TACV fez uma aproximação apressada e o touch down foi de acordar tudo e todos. A noite está serena e meio fria neste meu regresso. E penso nas coisas passadas no Mindelo. Já está na hora de eu me despir, de libertar a sensualidade que guardava nesta minha mão…
Viés da pesada
Revejo mentalmente o espectáculo. A parte do altar profanado. O fogo ateado à fresta dos poemas. O sanatório de repente criado. A descontinuidade do recital. Ninguém a sair ileso. Abstenho-me cada vez mais das brigas por reconhecer minhas limitações. Estou perplexo: engavetou-se a sensualidade. O necessário debate cultural caiu em saco roto. Em prol das luzes, nada. Erigiram-se a maledicência e a ignorância para o centro do debate. Quanto pior, melhor. As aspirações foram redimensionadas para baixo. Quando podíamos expressar as grandes ambições em relação às possibilidades estéticas desta nossa geração.
O sujeito-outro
Toda a minha poesia tem mote nesta frase de Clarice Lispector: “Nunca nasci, nunca vivi: mas eu me lembro, e a lembrança é em carne e osso”. Sou múltiplo e individuar isso é o grande desafio. A consciência de também carregar o sujeito-outro. E diante do espelho confessar – à Poesis, que outro valor ali fenece – que tenho um nó da tua gravata no meu coração
De repente, tive a necessidade existencial de incluir no livro “Das Frutas Serenadas”, um caderno sobre as pedras, assumindo um caminho contrário da ascese fenomenológica. De forma consciente, em vez de procurar partir das pedras até à esfera da metafísica, “viajo” do abstracto (emoções, lembranças, sensações, movimentos da consciência) para incarnar nas pedras, como um concentrado de objectos, “coisas” que acumulam espaço e peso na minha existência. O ideal seria chegar à poética “expressionista”, tirando a conotação histórica do termo, e revelar o tal realismo interior…
O sujeito-eu
Fazer poesia é conceder-me ao sujeito-eu, revelar-me ao mundo e para o mundo. Não falo aqui da salvação, essa coisa judaico-cristã da salvação… mas quando consigo um poema, experimento um prazer sensual, carnal, erótico: consegui chegar a uma êxtase em mim próprio e sou, ainda que por lapsos, feliz. Nada a ver com a ascese… Escrever é poder desnudar a coisa, tirar o véu, a roupa, o preconceito, o tabu, sorver a luz e a sombra das coisas. A essência das frutas, quando reveladas ou mesmo serenadas pelo desejo humano.
Além da gramática
Não sou um obcecado pela gramática, pela métrica que até muito tempo dourava os versos. Os versos de há muito que desceram do panthéon e caíram na sarjeta. Prefiro a sensualidade da língua: usar uma língua sem afectações ou citações, podendo até recriar termos que se adaptem à ambiência. A poesia fala do Ser, relacional consigo, com o Outro e com as coisas e, por isso, transcende os cânones. O canto é um limite inatingível porque subverte tudo, inclusive a própria estética. O processo criativo sugere a duplicidade e a ambiguidade sempre. A poesia, mesmo quando recupera emoções singelas, subverte o instituído. O quadro Mona Lisa de Gioconda, de Leonardo Da Vinci grita tanto quanto Guernica, de Pablo Picasso.
A bater desvairado
Regresso à Praia, com Mário Lúcio e Mano Preto, dois artistas que me acompanharam na montagem e no desempenho do espectáculo «Das Frutas Serenadas», apresentado, sábado passado, no pub do Mindel Hotel. Na ilha do Porto Grande, ficaram Tchalé Figueira e João Branco, ambos integrantes do projecto, com a promessa de se nos juntarem na capital para a reconstituição da peça, algures em Março. O avião da TACV fez uma aproximação apressada e o touch down foi de acordar tudo e todos. A noite está serena e meio fria neste meu regresso. E penso nas coisas passadas no Mindelo. Já está na hora de eu me despir, de libertar a sensualidade que guardava nesta minha mão…
Viés da pesada
Revejo mentalmente o espectáculo. A parte do altar profanado. O fogo ateado à fresta dos poemas. O sanatório de repente criado. A descontinuidade do recital. Ninguém a sair ileso. Abstenho-me cada vez mais das brigas por reconhecer minhas limitações. Estou perplexo: engavetou-se a sensualidade. O necessário debate cultural caiu em saco roto. Em prol das luzes, nada. Erigiram-se a maledicência e a ignorância para o centro do debate. Quanto pior, melhor. As aspirações foram redimensionadas para baixo. Quando podíamos expressar as grandes ambições em relação às possibilidades estéticas desta nossa geração.
O sujeito-outro
Toda a minha poesia tem mote nesta frase de Clarice Lispector: “Nunca nasci, nunca vivi: mas eu me lembro, e a lembrança é em carne e osso”. Sou múltiplo e individuar isso é o grande desafio. A consciência de também carregar o sujeito-outro. E diante do espelho confessar – à Poesis, que outro valor ali fenece – que tenho um nó da tua gravata no meu coração
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2005
Breaking news (para leitura)
Simone de Beauvoir, escritora e feminista francesa
por Rubem Queiroz Cobra
A escritora francesa e feminista, Simone De Beauvoir nasceu a 9 de Janeiro de 1908, e faleceu a 14 de Abril de 1986, em Paris. Participante do grupo dos filósofos que deram uma transcrição literária aos temas do Existencialismo, ela é conhecida primeiramente pelo seu tratado Le Deuxième Sexe (1949 - O Segundo Sexo), um apelo intelectual e apaixonado pela abolição do que ela chamou o mito do "eterno feminino". Esta notável obra tornou-se um clássico da literatura feminista.
Educada em instituições privadas, Simone depois freqüentou a Sorbone onde, em 1929, concluiu filosofia e conheceu Jean-Paul Sartre, começando com ele um companheirismo por todo o resto da vida. Ela leccionou em várias escolas (1931-43) antes de voltar para a escrita. Em 1945, ela e Sartre fundaram e começaram a editar Les Temps modernes, uma revista mensal, da qual eles próprios eram os principais colaboradores.
As suas novelas abordavam os principais temas existencialistas, demonstrando o compromisso do escritor com sua época. L'Invitée (1943 - "A convidada") descreve a destruição do relacionamento de um casal subtilmente provocada pela permanência prolongada de uma jovem na própria casa, e também trata do difícil problema de relacionamento da consciência individual com a outra. A sua obra mais conhecida talvez seja é Les Mandarins (1954; Os mandarins), uma crónica sobre os intelectuais do pós-guerra, "mandarins", em face ao engajamento ao ativismo político, uma lição que os intelectuais de esquerda e seus admiradores aprenderam com rapidez em todo o mundo.
Ela também escreveu quatro livros de filosofia, Pour une Morale de l'ambiguité (1947 - "A ética da ambigüidade"); livros de viagens sobre a China La Longue Marche: essai sur la Chine (1957 - A Longa Marcha: ensaio sobre a China) e L'Amérique au jour de jour (1948 - "A América dia a dia), e vários outros ensaios, dos quais o mais conhecido é o referido "O Segundo Sexo".
Vários volumes de sua obra são devotados à autobiografia. Esses incluem Mémoires d'une jeune fille rangée (1958 - Memórias de uma filha diligente), La Force de l'âge (1960 - O vigor da idade), La Force des choses (1963 - A força das coisas), e Tout compte fait (1972 - Tudo dito e feito). Esses trabalhos mostram um retrato claro e significativo da vida intelectual francesa dos anos 30 aos anos 70.
Preocupada também com o problema da velhice, que ela aborda em Une Mort très douce (1964 - "Uma morte suave"), sobre a morte de sua mãe num hospital, e La Vieillesse (1970; Old Age), uma amarga reflexão sobre a indiferença da sociedade pelos velhos. Em 1981 ela escreveu La Cérémonie des adieux ("Cerimônia do adeus"), um doloroso relato dos últimos anos de Sartre. Considerada uma mulher corajosa e íntegra, Simone de Beauvoir viveu de acordo com sua própria tese de que as opções básicas de um indivíduo devem ser feitas sobre a premissa e uma vocação igual para o homem e a mulher fundadas na estrutura comum de seus seres, independentemente de sua sexualidade.
por Rubem Queiroz Cobra
A escritora francesa e feminista, Simone De Beauvoir nasceu a 9 de Janeiro de 1908, e faleceu a 14 de Abril de 1986, em Paris. Participante do grupo dos filósofos que deram uma transcrição literária aos temas do Existencialismo, ela é conhecida primeiramente pelo seu tratado Le Deuxième Sexe (1949 - O Segundo Sexo), um apelo intelectual e apaixonado pela abolição do que ela chamou o mito do "eterno feminino". Esta notável obra tornou-se um clássico da literatura feminista.
Educada em instituições privadas, Simone depois freqüentou a Sorbone onde, em 1929, concluiu filosofia e conheceu Jean-Paul Sartre, começando com ele um companheirismo por todo o resto da vida. Ela leccionou em várias escolas (1931-43) antes de voltar para a escrita. Em 1945, ela e Sartre fundaram e começaram a editar Les Temps modernes, uma revista mensal, da qual eles próprios eram os principais colaboradores.
As suas novelas abordavam os principais temas existencialistas, demonstrando o compromisso do escritor com sua época. L'Invitée (1943 - "A convidada") descreve a destruição do relacionamento de um casal subtilmente provocada pela permanência prolongada de uma jovem na própria casa, e também trata do difícil problema de relacionamento da consciência individual com a outra. A sua obra mais conhecida talvez seja é Les Mandarins (1954; Os mandarins), uma crónica sobre os intelectuais do pós-guerra, "mandarins", em face ao engajamento ao ativismo político, uma lição que os intelectuais de esquerda e seus admiradores aprenderam com rapidez em todo o mundo.
Ela também escreveu quatro livros de filosofia, Pour une Morale de l'ambiguité (1947 - "A ética da ambigüidade"); livros de viagens sobre a China La Longue Marche: essai sur la Chine (1957 - A Longa Marcha: ensaio sobre a China) e L'Amérique au jour de jour (1948 - "A América dia a dia), e vários outros ensaios, dos quais o mais conhecido é o referido "O Segundo Sexo".
Vários volumes de sua obra são devotados à autobiografia. Esses incluem Mémoires d'une jeune fille rangée (1958 - Memórias de uma filha diligente), La Force de l'âge (1960 - O vigor da idade), La Force des choses (1963 - A força das coisas), e Tout compte fait (1972 - Tudo dito e feito). Esses trabalhos mostram um retrato claro e significativo da vida intelectual francesa dos anos 30 aos anos 70.
Preocupada também com o problema da velhice, que ela aborda em Une Mort très douce (1964 - "Uma morte suave"), sobre a morte de sua mãe num hospital, e La Vieillesse (1970; Old Age), uma amarga reflexão sobre a indiferença da sociedade pelos velhos. Em 1981 ela escreveu La Cérémonie des adieux ("Cerimônia do adeus"), um doloroso relato dos últimos anos de Sartre. Considerada uma mulher corajosa e íntegra, Simone de Beauvoir viveu de acordo com sua própria tese de que as opções básicas de um indivíduo devem ser feitas sobre a premissa e uma vocação igual para o homem e a mulher fundadas na estrutura comum de seus seres, independentemente de sua sexualidade.
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2005
À andaluza
por Filinto Elísio
Em memória de Lúcia Dias
1.
Faleceu Lúcia Dias. E a morte, uma vez mais, tem destas. Apanha-me de surpresa. E, entre o espanto e a tristeza, uma espécie de fúria invadiu a minha alma, cada vez mais metafísica. Não quero conhecer detalhes, nem ouvir explicações, agora que algo me diz da irreversibilidade que é a ausência desta minha amiga. Só queria recitar, entre dentes e para os meus botões, os versos Quando eu morrer batam em latas. Muitos foram os momentos em que me privei com Lúcia Dias. Em verdade, éramos amigos desde a infância. De então até ontem, a sua alegria fazia transbordar a minha vida, ora de riso, ora de reflexão. De riso, porque Lúcia, mesmo no siso, era inteligentemente bem humorada. E de reflexão, porque, pessoanamente falando, tinha na mais pueril gargalhada uma essência taciturna que me perturbava. Lembro-me dela, há quase trinta anos, confessar – a brincar bem me parecia - que tinha um coração grande e eu – dado a trocadilhos ali sem consequências – que ela tinha, sim, um grande coração.
2.
Uma vez, nos Estados Unidos, encontrei-me com Lúcia Dias, parte de uma delegação governamental. Se não me engano, ela acompanhava a visita do então primeiro-ministro Carlos Veiga a Nova Inglaterra. Reza a história de uma manifestação que preparávamos na época, chamando atenção para o Armazém de Cabo Verde, na cidade baleeira de New Bedford. Mas ela, distinguindo sempre o trigo do joio, quis um encontro onde pudéssemos falar de tudo. E de nada. Jantámos juntos num restaurante, em Cambridge, de onde a envidraçada cidade de Boston parecia um poema monumental. E, mais de que encantamento, ambos ficamos de repente nostálgicos. E quis que, por razões misteriosas, eu a recitasse, nesse difuso de luzes ao fundo, o poema Fim, de Mário Sá-Carneiro. Por isso...
Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.
3.
Saudei, com alegria, que Lúcia Dias abraçasse o jornalismo. Ela sempre fora comunicativa, condição para ser, antes de mais, uma comunicóloga. E que tivesse ido estudar a Cuba, país radioso e radiante, onde a revolução não conseguiu matar a religiosidade, nem o bloqueio serenou a ânsia das artes. Ela apostara no jornalismo como forma de vida, pela razão de que o jornalismo deve (por imperativo ético) assumir a preocupação do homem no espaço e no tempo. Fê-la até ontem, com sentido de causa e consequência. Nas mais variadas funções que ocupou, ela foi fiel e leal ao imperativo ético da sua profissão. Que o digam os colegas...
4.
Tive a dita de almoçar com Lúcia Dias, há um mês e tanto, no Mindelo. Participávamos num encontro sobre a comunicação social e a diáspora cabo-verdiana, promovido pelo Instituto das Comunidades. Falava-se de tudo um pouco. Da necessidade de uma Rádio Global Cabo-verdiana. De maior integração mediática das comunidades. De uma central de notícias. Um almoço ruidoso. E do restaurante, envidraçava a linda baía do Porto Grande e recortava de, um ponto, a ilha de Santo Antão, e, doutro ponto, o Monte Cara. E com um olhar, entre a alegria e a reflexão, Lúcia Dias quis recordar...como era mesmo o poema de Mário Sá-Carneiro. Assim, minha amiga...
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
Em memória de Lúcia Dias
1.
Faleceu Lúcia Dias. E a morte, uma vez mais, tem destas. Apanha-me de surpresa. E, entre o espanto e a tristeza, uma espécie de fúria invadiu a minha alma, cada vez mais metafísica. Não quero conhecer detalhes, nem ouvir explicações, agora que algo me diz da irreversibilidade que é a ausência desta minha amiga. Só queria recitar, entre dentes e para os meus botões, os versos Quando eu morrer batam em latas. Muitos foram os momentos em que me privei com Lúcia Dias. Em verdade, éramos amigos desde a infância. De então até ontem, a sua alegria fazia transbordar a minha vida, ora de riso, ora de reflexão. De riso, porque Lúcia, mesmo no siso, era inteligentemente bem humorada. E de reflexão, porque, pessoanamente falando, tinha na mais pueril gargalhada uma essência taciturna que me perturbava. Lembro-me dela, há quase trinta anos, confessar – a brincar bem me parecia - que tinha um coração grande e eu – dado a trocadilhos ali sem consequências – que ela tinha, sim, um grande coração.
2.
Uma vez, nos Estados Unidos, encontrei-me com Lúcia Dias, parte de uma delegação governamental. Se não me engano, ela acompanhava a visita do então primeiro-ministro Carlos Veiga a Nova Inglaterra. Reza a história de uma manifestação que preparávamos na época, chamando atenção para o Armazém de Cabo Verde, na cidade baleeira de New Bedford. Mas ela, distinguindo sempre o trigo do joio, quis um encontro onde pudéssemos falar de tudo. E de nada. Jantámos juntos num restaurante, em Cambridge, de onde a envidraçada cidade de Boston parecia um poema monumental. E, mais de que encantamento, ambos ficamos de repente nostálgicos. E quis que, por razões misteriosas, eu a recitasse, nesse difuso de luzes ao fundo, o poema Fim, de Mário Sá-Carneiro. Por isso...
Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.
3.
Saudei, com alegria, que Lúcia Dias abraçasse o jornalismo. Ela sempre fora comunicativa, condição para ser, antes de mais, uma comunicóloga. E que tivesse ido estudar a Cuba, país radioso e radiante, onde a revolução não conseguiu matar a religiosidade, nem o bloqueio serenou a ânsia das artes. Ela apostara no jornalismo como forma de vida, pela razão de que o jornalismo deve (por imperativo ético) assumir a preocupação do homem no espaço e no tempo. Fê-la até ontem, com sentido de causa e consequência. Nas mais variadas funções que ocupou, ela foi fiel e leal ao imperativo ético da sua profissão. Que o digam os colegas...
4.
Tive a dita de almoçar com Lúcia Dias, há um mês e tanto, no Mindelo. Participávamos num encontro sobre a comunicação social e a diáspora cabo-verdiana, promovido pelo Instituto das Comunidades. Falava-se de tudo um pouco. Da necessidade de uma Rádio Global Cabo-verdiana. De maior integração mediática das comunidades. De uma central de notícias. Um almoço ruidoso. E do restaurante, envidraçava a linda baía do Porto Grande e recortava de, um ponto, a ilha de Santo Antão, e, doutro ponto, o Monte Cara. E com um olhar, entre a alegria e a reflexão, Lúcia Dias quis recordar...como era mesmo o poema de Mário Sá-Carneiro. Assim, minha amiga...
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
terça-feira, 22 de fevereiro de 2005
O sabor erudito das palavras eróticas
O OURO DO RISO CONTRA A NOITE
de Elson Froes
Se te corta o ouro do riso contra a noite
o agonizante membro exibe a distração que
daí envolta um espelho dos raios os dedos
torceu com um frágil arco a paisagem
engloba lábios brandidos ao redor
atravessada não mais nem sequer à invasão
dos olhos depois da quente chuva primeiro
refracta de branco estanque deixando
dentro de seu tremular que pensa o impulso
de espuma congelada senão sustida ou sem
pousar-se no campo da memória aterrissa se
te sobe eletrizado instante ao levitar e
sair o motor de sucessivos agoras um mar
que as realidades ou a luz desperta com
seu giro transpasso a voar no cenário se
reação nem tanto à velocidade da visão a
língua no zênite de pernas às vezes onde
segue até por via de multiplicar ao brilho
de estrelas o ouro do riso contra a noite
de Elson Froes
Se te corta o ouro do riso contra a noite
o agonizante membro exibe a distração que
daí envolta um espelho dos raios os dedos
torceu com um frágil arco a paisagem
engloba lábios brandidos ao redor
atravessada não mais nem sequer à invasão
dos olhos depois da quente chuva primeiro
refracta de branco estanque deixando
dentro de seu tremular que pensa o impulso
de espuma congelada senão sustida ou sem
pousar-se no campo da memória aterrissa se
te sobe eletrizado instante ao levitar e
sair o motor de sucessivos agoras um mar
que as realidades ou a luz desperta com
seu giro transpasso a voar no cenário se
reação nem tanto à velocidade da visão a
língua no zênite de pernas às vezes onde
segue até por via de multiplicar ao brilho
de estrelas o ouro do riso contra a noite
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2005
Soneto da Separação
Vinicius de Moraes
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente
quinta-feira, 17 de fevereiro de 2005
El Alfarero
Pablo Neruda
Todo tu cuerpo tiene
copa o dulzura destinada a mí.
Cuando subo la mano
encuentro en cada sitio una paloma
que me buscaba, como
si te hubieran, amor, hecho de arcilla
para mis propias manos de alfarero.
Tus rodillas, tus senos
tu cintura
faltan en mí como en el hueco
de una tierra sedienta
de la que desprendieron
una forma,
y juntos
somos completos como un solo río,
como una sola arena.
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2005
Maria full of grace
(...)
Immigrant communities may retain the language, music, and customs of their homeland, but the harsh realities of the old country often fade as people put down roots in the United States. Listening to the buoyant, often celebratory songs of Los Angeles-based Cape Verdean singer Maria de Barros and the ache-filled music of her famous godmother, Cesaria Evora, it's clear that while they're united by a common culture, America's affluence and West Africa's poverty have set their sounds on divergent paths.
"Cesaria's life is a morna," de Barros says during a phone conversation from Los Angeles, referring to the blueslike musical form popular in Cape Verde's bars and cantinas. "She is someone who has suffered a lot, and now, thank God, she has been given everything she merits. My life is a completely different picture than hers. I came to the US and I had a wonderful life here, so I can't only be singing mornas. I wanted to show people the other side of Cape Verde."
De Barros performs at Scullers on Wednesday as part of a Cape Verdean Music Festival, sharing the bill with Tito Paris, a gifted Cape Verdean guitarist, arranger, and songwriter now based in Portugal who has collaborated with revered Cape Verdean performers such as Bana and Evora. In 2003, de Barros became the first American Cape Verdean artist signed to a major label.It was Evora who introduced the world to Cape Verdean music in the early 1990s, with her ineffably graceful, minor-key mornas describing lives of hardship, heartbreak, and longing for absent loved ones.
(...)
In the early '90s, de Barros and her husband, bassist Mel Wilson Jr., moved to Los Angeles. At the time, he was playing with reggae pioneer Toots and the Maytals and was coaxed to LA to perform with Cuban-born singer/actor Steve Bauer, best known as Al Pacino's sidekick in "Scarface." Without a Cape Verdean community to plug into, de Barros gravitated toward Southern California's thriving Mexican music scene, singing boleros and rancheras in Spanish. She hooked up with producer Daniel Luchansky and spent several years on a Spanish-language album; when it didn't jell, she heeded his advice to explore her roots.
The result was her 2003 debut "Nha Mundo: Music of Cabo Verde," on Narada World (a jazz/world music label owned by Virgin Records), a seductive album featuring an array of appealing grooves, from reggae and samba to bossa nova and coladeira, a sprightly Cape Verdean dance rhythm. Singing mostly in the Cape Verdean Creole language of Criolu, which blends Portuguese with West African languages, she effortlessly communicates joy and pleasure with her cool, lustrous voice, whether one understands the lyrics or not.
Her music has spread even further via Putumayo, the world music label that has transformed the way international pop and roots music is presented and distributed in the US. "Riberonzinha," the first track of "Nha Mundo," is featured on the Putumayo compilation "World Reggae," and the song "Mi Nada Um Ca Tem" has gained widespread notice as part of last year's popular "Women of Africa" CD.
Dan Storper, Putumayo's founder and CEO, notes that de Barros's presence on the two compilations has provoked a considerable reaction.
"We've received more positive comments about her songs than any others," he writes in an e-mail. "She has a beautiful voice, exquisite phrasing, and is a talented songwriter."
De Barros's second CD, "Danca Ma Mi," is slated for release on Narada World next month. She celebrates the release March 26 at Venus de Milo in Swansea. For her performance this week at Scullers, she'll perform with her working band, featuring mostly Cape Verdean musicians, and focus on material from her first album.
De Barros hopes her upbeat music will introduce the world to a different perspective on the little-known West African nation.
"We have music in our lives all the time, and for me music is celebration," de Barros says. "It's not just the mornas, where we talk about sadness and our romantic lives. We're also about coladeiras, about having fun and dancing. You're partying all night long. You should go, you'll see, you'll come back needing a vacation."
© Copyright 2005 Globe Newspaper Company.
Immigrant communities may retain the language, music, and customs of their homeland, but the harsh realities of the old country often fade as people put down roots in the United States. Listening to the buoyant, often celebratory songs of Los Angeles-based Cape Verdean singer Maria de Barros and the ache-filled music of her famous godmother, Cesaria Evora, it's clear that while they're united by a common culture, America's affluence and West Africa's poverty have set their sounds on divergent paths.
"Cesaria's life is a morna," de Barros says during a phone conversation from Los Angeles, referring to the blueslike musical form popular in Cape Verde's bars and cantinas. "She is someone who has suffered a lot, and now, thank God, she has been given everything she merits. My life is a completely different picture than hers. I came to the US and I had a wonderful life here, so I can't only be singing mornas. I wanted to show people the other side of Cape Verde."
De Barros performs at Scullers on Wednesday as part of a Cape Verdean Music Festival, sharing the bill with Tito Paris, a gifted Cape Verdean guitarist, arranger, and songwriter now based in Portugal who has collaborated with revered Cape Verdean performers such as Bana and Evora. In 2003, de Barros became the first American Cape Verdean artist signed to a major label.It was Evora who introduced the world to Cape Verdean music in the early 1990s, with her ineffably graceful, minor-key mornas describing lives of hardship, heartbreak, and longing for absent loved ones.
(...)
In the early '90s, de Barros and her husband, bassist Mel Wilson Jr., moved to Los Angeles. At the time, he was playing with reggae pioneer Toots and the Maytals and was coaxed to LA to perform with Cuban-born singer/actor Steve Bauer, best known as Al Pacino's sidekick in "Scarface." Without a Cape Verdean community to plug into, de Barros gravitated toward Southern California's thriving Mexican music scene, singing boleros and rancheras in Spanish. She hooked up with producer Daniel Luchansky and spent several years on a Spanish-language album; when it didn't jell, she heeded his advice to explore her roots.
The result was her 2003 debut "Nha Mundo: Music of Cabo Verde," on Narada World (a jazz/world music label owned by Virgin Records), a seductive album featuring an array of appealing grooves, from reggae and samba to bossa nova and coladeira, a sprightly Cape Verdean dance rhythm. Singing mostly in the Cape Verdean Creole language of Criolu, which blends Portuguese with West African languages, she effortlessly communicates joy and pleasure with her cool, lustrous voice, whether one understands the lyrics or not.
Her music has spread even further via Putumayo, the world music label that has transformed the way international pop and roots music is presented and distributed in the US. "Riberonzinha," the first track of "Nha Mundo," is featured on the Putumayo compilation "World Reggae," and the song "Mi Nada Um Ca Tem" has gained widespread notice as part of last year's popular "Women of Africa" CD.
Dan Storper, Putumayo's founder and CEO, notes that de Barros's presence on the two compilations has provoked a considerable reaction.
"We've received more positive comments about her songs than any others," he writes in an e-mail. "She has a beautiful voice, exquisite phrasing, and is a talented songwriter."
De Barros's second CD, "Danca Ma Mi," is slated for release on Narada World next month. She celebrates the release March 26 at Venus de Milo in Swansea. For her performance this week at Scullers, she'll perform with her working band, featuring mostly Cape Verdean musicians, and focus on material from her first album.
De Barros hopes her upbeat music will introduce the world to a different perspective on the little-known West African nation.
"We have music in our lives all the time, and for me music is celebration," de Barros says. "It's not just the mornas, where we talk about sadness and our romantic lives. We're also about coladeiras, about having fun and dancing. You're partying all night long. You should go, you'll see, you'll come back needing a vacation."
© Copyright 2005 Globe Newspaper Company.
sábado, 12 de fevereiro de 2005
Blog Nota 2
Parabéns a você
É big, é big, é big, é big...Hoje a aniversariante é Telma, uma amiga dilecta, poetisa e amante do jazz. Estou a vê-la no restaurante da Gallery. Como sempre o jambalaya era o meu prato predilecto. O que custou convencer ao Jean, cozinheiro, que eu era crioulo de Cabo Verde e não da Louisiana. Depois, quem sabe no Wally´s – jazz, blues, zydeco, gospel, rhythm n' blues, soul e brass band – para uma sessão de champanhe no gelo.
Zydeco
Dentre os géneros musicais de Nova Orleans , sobressai o dançante zydeco (ritmo criado pelos negros da Louisiana nos anos 30). Há tempos, vi um documentário televisivo, do jornalista Júlio Rodrigues, em que reportava o encontro do conjunto Ferro Gaita com o zydeco, revelando as afinidades entre os dois estilos e a sintonia (ou sinfonia?) da grande diáspora africana. Um acordeão (levado por imigrantes alemães) e acompanhado do típico frattoir, também chamado de washboard, nada mais que uma tábua de lavar roupa usada como instrumento de percussão, lembra em tudo a gaita e o ferrinho do interior de Santiago.
Wally´s
Já vos falei de Wally´s, pela certa. É um pub, em plena Mass. Ave, que fica não muito longe da 10th Queensbury Street, meu estúdio dos primeiros anos da América. Gostava de lá ir às sextas-feiras para curtir a jam session, uma das facetas mais admiráveis da música. É o resultado evidente da maturidade criativa dos músicos de jazz. É uma maneira de transgredir o estabelecido e abrir caminho ao inesperado. Uma jam session é uma ocasião única, pois o estado de ânimo nem sempre é o mesmo.
No A Semana
Li, há duas semanas atrás, um excelente artigo assinado pelo meu amigo José Vicente Lopes sobre a situação da justiça em Cabo Verde. A situação é deveras brava e reclama uma mudança profunda. Mais até que nas Alfandegas, onde há coisas assaz cabeludas. Mas no que toca ao meu caso, ou melhor ao caso do senhor advogado José Manuel Pinto Monteiro contra mim, a situação é mais caricata e para lá de cabeluda. Primeiro, o processo foi acelerado, contrariando a franciscana morosidade da justiça cabo-verdiana. Depois, montou-se uma grande falácia, já que o artigo do Visaoonline, jornal americano e digital, hoje extinto, que provocou o quiproquó, não foi escrito por mim, nem estava assinado, além de que, na altura, eu não era director e/ou editor desse órgão. Só que não devo, nem temo. E estou mesmo pronto para acompanhar a palhaçada até ao fim. Haja saco!!!
É big, é big, é big, é big...Hoje a aniversariante é Telma, uma amiga dilecta, poetisa e amante do jazz. Estou a vê-la no restaurante da Gallery. Como sempre o jambalaya era o meu prato predilecto. O que custou convencer ao Jean, cozinheiro, que eu era crioulo de Cabo Verde e não da Louisiana. Depois, quem sabe no Wally´s – jazz, blues, zydeco, gospel, rhythm n' blues, soul e brass band – para uma sessão de champanhe no gelo.
Zydeco
Dentre os géneros musicais de Nova Orleans , sobressai o dançante zydeco (ritmo criado pelos negros da Louisiana nos anos 30). Há tempos, vi um documentário televisivo, do jornalista Júlio Rodrigues, em que reportava o encontro do conjunto Ferro Gaita com o zydeco, revelando as afinidades entre os dois estilos e a sintonia (ou sinfonia?) da grande diáspora africana. Um acordeão (levado por imigrantes alemães) e acompanhado do típico frattoir, também chamado de washboard, nada mais que uma tábua de lavar roupa usada como instrumento de percussão, lembra em tudo a gaita e o ferrinho do interior de Santiago.
Wally´s
Já vos falei de Wally´s, pela certa. É um pub, em plena Mass. Ave, que fica não muito longe da 10th Queensbury Street, meu estúdio dos primeiros anos da América. Gostava de lá ir às sextas-feiras para curtir a jam session, uma das facetas mais admiráveis da música. É o resultado evidente da maturidade criativa dos músicos de jazz. É uma maneira de transgredir o estabelecido e abrir caminho ao inesperado. Uma jam session é uma ocasião única, pois o estado de ânimo nem sempre é o mesmo.
No A Semana
Li, há duas semanas atrás, um excelente artigo assinado pelo meu amigo José Vicente Lopes sobre a situação da justiça em Cabo Verde. A situação é deveras brava e reclama uma mudança profunda. Mais até que nas Alfandegas, onde há coisas assaz cabeludas. Mas no que toca ao meu caso, ou melhor ao caso do senhor advogado José Manuel Pinto Monteiro contra mim, a situação é mais caricata e para lá de cabeluda. Primeiro, o processo foi acelerado, contrariando a franciscana morosidade da justiça cabo-verdiana. Depois, montou-se uma grande falácia, já que o artigo do Visaoonline, jornal americano e digital, hoje extinto, que provocou o quiproquó, não foi escrito por mim, nem estava assinado, além de que, na altura, eu não era director e/ou editor desse órgão. Só que não devo, nem temo. E estou mesmo pronto para acompanhar a palhaçada até ao fim. Haja saco!!!
Orpheu
"Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou. "
Fernando Pessoa
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou. "
Fernando Pessoa
Blog Nota
0.
Das duas, uma: o país cresce, vira PDM e atrai investimentos internacionais ou encolhe-se, gere a miséria e vive orgulhosamente isolado. Não há grandes opções. A bolsa ou a vida? E o pior é que não há tempo para grandes angústias. As coisas hoje em dia funcionam a tempo real e a cultura deve ser aquele de resultados. Esta fase transformacional exige de todos uma profunda revisão cultural. Acredito mesmo que a verdadeira e necessária mudança terá de ser educacional e cultural. A vez é do softpower…
1.
Qual o papel do ministério da Cultura? Qual a sua filosofia? Qual a sua efectiva capacidade de intervenção? Que percentagem do Orçamento de Estado está sob a sua gestão? Quais são as necessidades e os recursos para incrementar e elevar a cultura a este dado momento? Esses são apenas alguns dos assuntos que importariam debater no Programa Konbersu Sabi. O nosso debate, para ser rico e produtivo, deveria também realçar o papel das artes e das manifestações culturais no desenvolvimento da economia, na criação de novos parâmetros educacionais e no cultivo da diversidade.
2.
Estaremos entre uma visão patrimonialista e outra de apoio à criação. Se é necessário preservar e memorizar, também é importante lembrar que o património futuro só é possível com o apoio presente à criação. O Estado, além de facilitador, deve ter um papel supletivo, em áreas onde o mecenato não cobre. Nas circunstâncias actuais, o mecenato não cobre muitas áreas da criatividade. Sem dinheiro público, não existirá, em devida dimensão, cinema, teatro, pintura ou dança.
3.
Não sou muito afoito a polémicas estéreis, e algumas vezes histéricas, sobre o bairrismo, facto que precisa ser debelado e desencorajado do nosso dia-a-dia. Defendo, com radicalismo consequente, um Cabo Verde indivisível. Há que acabar de vez com disparates de hegemonias regionais, centralidades culturais e concentrações administrativas, a bem do desenvolvimento equilibrado e saudável. Os castiços que me perdoem, mas céu é grande, mundo é largo.
4.
Germina entre nossa gente alguma animosidade em relação aos artistas e operadores culturais da diáspora. Torna-se forçoso entender que, pela configuração nacional, Cabo Verde ficaria amputado sem a sua dimensão da diáspora, entendida como as suas comunidades espalhadas pelo mundo. Além da força cultural (e demográfica), tanto em quantidade como em qualidade, que a diáspora representa, vale ter em conta o peso real da emigração no PIB do nosso país. E já agora, democracia oblige, nem seria descabido rever a disparidade do peso político, que não acompanha as outras dinâmicas. Vamos debater, minha gente. Cabeça não foi feita apenas para mediar as orelhas, arre!
Das duas, uma: o país cresce, vira PDM e atrai investimentos internacionais ou encolhe-se, gere a miséria e vive orgulhosamente isolado. Não há grandes opções. A bolsa ou a vida? E o pior é que não há tempo para grandes angústias. As coisas hoje em dia funcionam a tempo real e a cultura deve ser aquele de resultados. Esta fase transformacional exige de todos uma profunda revisão cultural. Acredito mesmo que a verdadeira e necessária mudança terá de ser educacional e cultural. A vez é do softpower…
1.
Qual o papel do ministério da Cultura? Qual a sua filosofia? Qual a sua efectiva capacidade de intervenção? Que percentagem do Orçamento de Estado está sob a sua gestão? Quais são as necessidades e os recursos para incrementar e elevar a cultura a este dado momento? Esses são apenas alguns dos assuntos que importariam debater no Programa Konbersu Sabi. O nosso debate, para ser rico e produtivo, deveria também realçar o papel das artes e das manifestações culturais no desenvolvimento da economia, na criação de novos parâmetros educacionais e no cultivo da diversidade.
2.
Estaremos entre uma visão patrimonialista e outra de apoio à criação. Se é necessário preservar e memorizar, também é importante lembrar que o património futuro só é possível com o apoio presente à criação. O Estado, além de facilitador, deve ter um papel supletivo, em áreas onde o mecenato não cobre. Nas circunstâncias actuais, o mecenato não cobre muitas áreas da criatividade. Sem dinheiro público, não existirá, em devida dimensão, cinema, teatro, pintura ou dança.
3.
Não sou muito afoito a polémicas estéreis, e algumas vezes histéricas, sobre o bairrismo, facto que precisa ser debelado e desencorajado do nosso dia-a-dia. Defendo, com radicalismo consequente, um Cabo Verde indivisível. Há que acabar de vez com disparates de hegemonias regionais, centralidades culturais e concentrações administrativas, a bem do desenvolvimento equilibrado e saudável. Os castiços que me perdoem, mas céu é grande, mundo é largo.
4.
Germina entre nossa gente alguma animosidade em relação aos artistas e operadores culturais da diáspora. Torna-se forçoso entender que, pela configuração nacional, Cabo Verde ficaria amputado sem a sua dimensão da diáspora, entendida como as suas comunidades espalhadas pelo mundo. Além da força cultural (e demográfica), tanto em quantidade como em qualidade, que a diáspora representa, vale ter em conta o peso real da emigração no PIB do nosso país. E já agora, democracia oblige, nem seria descabido rever a disparidade do peso político, que não acompanha as outras dinâmicas. Vamos debater, minha gente. Cabeça não foi feita apenas para mediar as orelhas, arre!
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2005
Walt Whitman (1819-1892)
1.
Out of the rolling ocean, the crowd, came a drop gently to me,
Whispering, I love you, before long I die,
I have travel’d a long way, merely to look on you,
to touch you,
For I could not die till I once look’d on you,
For I fear’d I might afterward lose you.
2.
(Now we have met, we have look’d, we are safe;
Return in peace to the ocean, my love;
I too am part of that ocean, my love —we are not so much separated;
Behold the great rondure —the cohesion of all, how perfect!
But as for me, for you, the irresistible sea is to separate us,
As for an hour, carrying us diverse —yet cannot carry us diverse for ever;
Be not impatient —a little space— Know you, I salute the air, the ocean and the land,
Every day, at sundown, for your dear sake, my love.)
Out of the rolling ocean, the crowd, came a drop gently to me,
Whispering, I love you, before long I die,
I have travel’d a long way, merely to look on you,
to touch you,
For I could not die till I once look’d on you,
For I fear’d I might afterward lose you.
2.
(Now we have met, we have look’d, we are safe;
Return in peace to the ocean, my love;
I too am part of that ocean, my love —we are not so much separated;
Behold the great rondure —the cohesion of all, how perfect!
But as for me, for you, the irresistible sea is to separate us,
As for an hour, carrying us diverse —yet cannot carry us diverse for ever;
Be not impatient —a little space— Know you, I salute the air, the ocean and the land,
Every day, at sundown, for your dear sake, my love.)
BREAKING NEWS
Para vos dizer que (re) leiam D. Quixote, de Cervantes. Não percam tanto tempo a ver o tempo de antenas dos partidos, porra. E os tradicionalistas não estão com nada. Nada como um excelente livro para exorcizar fantasmas. E a canga da mediocridade… Free your balls and your mind will follow.
O Transitário
por Filinto Elísio
O Transitário
Há uma linha divisória que transparece e Freud há de explicar o nascimento de uma nova geração. Não uma geração no sentido clássico do termo, mas algo transitário a uma atitude cultural que, 30 anos sobre a Independência Nacional, quer um reordenamento. Mário Lúcio disse-o abertamente numa entrevista. Reafirmou-o na Carta de Salvador que ele redigiu, a pedido de Gilberto Gil e a consenso dos delegados culturais da CPLP. O melhor tributo a um Cabo Verde deveras independente, democrático e em desenvolvimento, seria um marcante manifesto que assumisse a política como um objecto compósito e lábil, não se reduzindo a um conjunto de medidas públicas, nem a um mero reordenamento republicano das actividades culturais. Precisamos de um amplo movimento cultural, uma movida centrada na sociedade civil que produza cultura como a radicalização da cidadania. A cultura pode ser agente da prosperidade, da coexistência e do desenvolvimento deste país. Para isso, é urgente redefinir o papel do poder público na vida cultural. A Kultura. Não apenas o local e nacional, mas universal e global. Chegou a hora de universalizar o batuque, o grogue de Santo Antão e os sobrados de São Filipe. Mas também de trazer para o palco das ilhas a excelência da cultura universal. Eis a próxima fronteira. Urge tal antropofagia…
Ricardo…de Deus
Na sexta-feira passada, à noite, tive a grata oportunidade de assistir a um excelente recital de piano do músico brasileiro Ricardo de Deus, no Pátio do Palácio da Cultura Ildo Lobo. Um repertório de bom gosto, passeando da bossa-nova para o jazz, sem esquecer a música cabo-verdiana à qual o pianista parece ter aderido. Momentos altos, como aquele de «Leãozinho», de Caetano Veloso, recriado ao estilo jazzy. Momentos da jamm session, em que participaram dois exímios executantes, o Raul e o Kizó, nomeadamente baterista e baixista da banda Arkorá. Aliás, segundo o Lantuna, Ricardo de Deus trocou o Brasil por Cabo Verde há seis anos. De 1999 a 2001, integrou do grupo Arkora, período durante o qual acompanhou, juntamente com o grupo, o malogrado artista Orlando Pantera. Mas, já que nada acontece por acaso e a boa música tem muito de árdua, vale dizer que Ricardo de Deus começou a estudar piano em 1991. É bacharel em música, pela Universidade Cruzeiro do Sul e ainda frequentou o Curso de Piano Erudito na Fundação das Artes de São Caetano do Sul e o Curso de Musicalização Infantil e Piano Popular, na Universidade Livre de Música Tom Jobim – São Paulo. Mais uma boa escolha da já obrigatória programação cultural desta cidade, com o carimbo do Ciber Bar Palácio/TERA.
Carnaval tá aí, vamos vadiar
Dizem os saudosistas que já tivemos nesta cidade Carnaval que valesse a pena. Outros tempos, bem distantes, pois, desde o antanho, nunca aqui presenciei Carnaval exuberante, digno deste retumbante nome. Das minhas lembranças, apenas o elogio ao feio, ao grotesco e ao indecoroso. Salvaria um ou outro baile que, a pretexto do Olha a cabeleira do vovô, se visionavam novas amizades. Nunca entrei amiúde nessa desfilaria, ficando-me até frouxo o traje dos corsários e rasca a casaca dos benquistos. O Rei Momo exigiria do devoto, além de boa lata, entoado ritmo e pernas de maratonista. Por isso, terça-feira de Carnaval, para mim, foi um dia irritante e atípico, com a chalaça de cantar sambas de quinta e o cortejo a merecer prémio de desolação. Talvez eu não esteja a ser politicamente correcto. Mea culpa. Os saudosistas não me levem a mal, nem queiram ser mais papistas do que o Papa. Mas estou a ser sincero, ultrajado de tanta falta de civismo num pequeno troço da Marginal. Urinar na via pública e estragar as plantas dos canteiros, deixemo-nos de demagogias, é sintoma de mau carácter e, enquanto o delicioso civismo não chega, para a santa democracia era baixar autoridade aos sacristas. Quem sabe, eu me tornei rabugento, lobo uivante ao luar esplêndido. Ontem à noite, o chá de tília já não me soube tão bem. Estava com um gosto de agro tóxico, mas não há de ser nada. Lembrei-me do Pranchinha que, ao levar à boca a pior aguardente, sussurrava Tende piedade de nós! Um cristão e peras, esse meu amigo! Cabe escrever, em abono da verdade, que o cronista também sofre agruras da solidão. Uma dor que dilacera como a brasa adormecida nas cinzas.
Haja Teatro sempre
De que teatro precisa Cabo Verde? Qual é a essência de um teatro nacional para a sociedade de hoje? Para já, são questões necessárias que não obrigam a respostas definitivas. Interessante, pela apresentação e subsequente debate, foi a palestra «O Teatro em Desenvolvimento», proferida por Francisco Fragoso, no Palácio da Cultura. O frisson criado revelou, uma vez mais, que os gostos são livres. E todos legítimos. Que a intolerância não atropele o diálogo. Se todos tivéssemos o mesmo gosto, que seria da cor amarela? E as opiniões, mais do que os gostos, são livres e necessárias. Ademais, não existe teatro em sentido absoluto, com normas permanentes e estáticas, mas vários teatros, muito diferentes, de diversas épocas e quanto mais remotos tanto menos operantes em épocas seguintes. Cada geração engendra a sua própria estética, colocando uma pedra no importante edifício a construir. Indo ao âmago da questão, a Associação Mindelact tem feito muito para a elevação das artes cénicas em Cabo Verde. Além de manter viva, e de boa saúde, um dos maiores festivais de teatro do continente africano, ela colocou o nosso país na rota mundial do teatro. Perante este ganho todo, há que fazer referência ao dramaturgo João Branco. A César o que é de César, pois. Quanto à capital, que já teve o seu momento áureo no zénite do Grupo Korda Kaoberdi, melhores dias hão de vir, pois o teatro é uma arte necessária e urgente. Fala-se, e ainda bem, do ressurgimento do Grupo Korda Kaoberdi. A par disso, precisamos descortinar algumas deficiências estruturais que vêm condicionando o evoluir, com o vigor esperado, o teatro na cidade da Praia. Tais condicionalismos, querem me parecer, são de uma política não muito coerente de facilitação, estreiteza da mentalidade empresarial, insuficiência de debates, projectos não elaborados, enfim, um pouco de tudo isso contribuindo para uma baixa intensidade de iniciativas teatrais.
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O Transitário
Há uma linha divisória que transparece e Freud há de explicar o nascimento de uma nova geração. Não uma geração no sentido clássico do termo, mas algo transitário a uma atitude cultural que, 30 anos sobre a Independência Nacional, quer um reordenamento. Mário Lúcio disse-o abertamente numa entrevista. Reafirmou-o na Carta de Salvador que ele redigiu, a pedido de Gilberto Gil e a consenso dos delegados culturais da CPLP. O melhor tributo a um Cabo Verde deveras independente, democrático e em desenvolvimento, seria um marcante manifesto que assumisse a política como um objecto compósito e lábil, não se reduzindo a um conjunto de medidas públicas, nem a um mero reordenamento republicano das actividades culturais. Precisamos de um amplo movimento cultural, uma movida centrada na sociedade civil que produza cultura como a radicalização da cidadania. A cultura pode ser agente da prosperidade, da coexistência e do desenvolvimento deste país. Para isso, é urgente redefinir o papel do poder público na vida cultural. A Kultura. Não apenas o local e nacional, mas universal e global. Chegou a hora de universalizar o batuque, o grogue de Santo Antão e os sobrados de São Filipe. Mas também de trazer para o palco das ilhas a excelência da cultura universal. Eis a próxima fronteira. Urge tal antropofagia…
Ricardo…de Deus
Na sexta-feira passada, à noite, tive a grata oportunidade de assistir a um excelente recital de piano do músico brasileiro Ricardo de Deus, no Pátio do Palácio da Cultura Ildo Lobo. Um repertório de bom gosto, passeando da bossa-nova para o jazz, sem esquecer a música cabo-verdiana à qual o pianista parece ter aderido. Momentos altos, como aquele de «Leãozinho», de Caetano Veloso, recriado ao estilo jazzy. Momentos da jamm session, em que participaram dois exímios executantes, o Raul e o Kizó, nomeadamente baterista e baixista da banda Arkorá. Aliás, segundo o Lantuna, Ricardo de Deus trocou o Brasil por Cabo Verde há seis anos. De 1999 a 2001, integrou do grupo Arkora, período durante o qual acompanhou, juntamente com o grupo, o malogrado artista Orlando Pantera. Mas, já que nada acontece por acaso e a boa música tem muito de árdua, vale dizer que Ricardo de Deus começou a estudar piano em 1991. É bacharel em música, pela Universidade Cruzeiro do Sul e ainda frequentou o Curso de Piano Erudito na Fundação das Artes de São Caetano do Sul e o Curso de Musicalização Infantil e Piano Popular, na Universidade Livre de Música Tom Jobim – São Paulo. Mais uma boa escolha da já obrigatória programação cultural desta cidade, com o carimbo do Ciber Bar Palácio/TERA.
Carnaval tá aí, vamos vadiar
Dizem os saudosistas que já tivemos nesta cidade Carnaval que valesse a pena. Outros tempos, bem distantes, pois, desde o antanho, nunca aqui presenciei Carnaval exuberante, digno deste retumbante nome. Das minhas lembranças, apenas o elogio ao feio, ao grotesco e ao indecoroso. Salvaria um ou outro baile que, a pretexto do Olha a cabeleira do vovô, se visionavam novas amizades. Nunca entrei amiúde nessa desfilaria, ficando-me até frouxo o traje dos corsários e rasca a casaca dos benquistos. O Rei Momo exigiria do devoto, além de boa lata, entoado ritmo e pernas de maratonista. Por isso, terça-feira de Carnaval, para mim, foi um dia irritante e atípico, com a chalaça de cantar sambas de quinta e o cortejo a merecer prémio de desolação. Talvez eu não esteja a ser politicamente correcto. Mea culpa. Os saudosistas não me levem a mal, nem queiram ser mais papistas do que o Papa. Mas estou a ser sincero, ultrajado de tanta falta de civismo num pequeno troço da Marginal. Urinar na via pública e estragar as plantas dos canteiros, deixemo-nos de demagogias, é sintoma de mau carácter e, enquanto o delicioso civismo não chega, para a santa democracia era baixar autoridade aos sacristas. Quem sabe, eu me tornei rabugento, lobo uivante ao luar esplêndido. Ontem à noite, o chá de tília já não me soube tão bem. Estava com um gosto de agro tóxico, mas não há de ser nada. Lembrei-me do Pranchinha que, ao levar à boca a pior aguardente, sussurrava Tende piedade de nós! Um cristão e peras, esse meu amigo! Cabe escrever, em abono da verdade, que o cronista também sofre agruras da solidão. Uma dor que dilacera como a brasa adormecida nas cinzas.
Haja Teatro sempre
De que teatro precisa Cabo Verde? Qual é a essência de um teatro nacional para a sociedade de hoje? Para já, são questões necessárias que não obrigam a respostas definitivas. Interessante, pela apresentação e subsequente debate, foi a palestra «O Teatro em Desenvolvimento», proferida por Francisco Fragoso, no Palácio da Cultura. O frisson criado revelou, uma vez mais, que os gostos são livres. E todos legítimos. Que a intolerância não atropele o diálogo. Se todos tivéssemos o mesmo gosto, que seria da cor amarela? E as opiniões, mais do que os gostos, são livres e necessárias. Ademais, não existe teatro em sentido absoluto, com normas permanentes e estáticas, mas vários teatros, muito diferentes, de diversas épocas e quanto mais remotos tanto menos operantes em épocas seguintes. Cada geração engendra a sua própria estética, colocando uma pedra no importante edifício a construir. Indo ao âmago da questão, a Associação Mindelact tem feito muito para a elevação das artes cénicas em Cabo Verde. Além de manter viva, e de boa saúde, um dos maiores festivais de teatro do continente africano, ela colocou o nosso país na rota mundial do teatro. Perante este ganho todo, há que fazer referência ao dramaturgo João Branco. A César o que é de César, pois. Quanto à capital, que já teve o seu momento áureo no zénite do Grupo Korda Kaoberdi, melhores dias hão de vir, pois o teatro é uma arte necessária e urgente. Fala-se, e ainda bem, do ressurgimento do Grupo Korda Kaoberdi. A par disso, precisamos descortinar algumas deficiências estruturais que vêm condicionando o evoluir, com o vigor esperado, o teatro na cidade da Praia. Tais condicionalismos, querem me parecer, são de uma política não muito coerente de facilitação, estreiteza da mentalidade empresarial, insuficiência de debates, projectos não elaborados, enfim, um pouco de tudo isso contribuindo para uma baixa intensidade de iniciativas teatrais.
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quarta-feira, 9 de fevereiro de 2005
Cabo Verde na União Europeia
Pelo que o texto tem de interessante e de polémico, creio que vale a pena uma leitura descomplexada e crítica. E que provoque um aceso e necessário debate, diferente daquele, eivado de bizantinices e de fundamentalismos, que às vezes grassa pela nossa praça. Eis o texto do Professor Adriano Moreira:
A integração de Cabo Verde na União Europeia
Os temas europeus não estão muito presentes nos debates em curso, como se a dependência do País em relação às orientações da União não fosse de uma importância crescente.
Uma dependência que tem que ver com as políticas sabidas e também com as políticas furtivas que se vão concretizando sem a participação dos Parlamentos nacionais e informação à opinião pública.
Uma das vertentes que parecem exigir maior atenção, pelos reflexos que tem nos interesses dos restantes membros, é a do alargamento, agora a caminho de se transformar num ritual, com ponto final predeterminado, as negociações para a admissão da Turquia.
O alargamento para leste parece inspirado pelo objectivo, não declarado, de recolher toda a herança da NATO com adaptação do seu conceito estratégico de levar a libertação do Atlântico aos Urales, articulando sem grande meditação as definições de comunidade e de aliança.
Talvez seja oportuno, e necessário, olhar criticamente para o Atlântico de onde partiu o movimento, dando atenção ao risco de afastamento entre o europeísmo e o americanismo, considerar a necessidade de continuar a tentar modelar a articulação entre a segurança do Atlântico Norte e a do Atlântico Sul, e repensar o estatuto dos arquipélagos que pontuam a linha divisória.
Os arquipélagos portugueses estão por isso na Europa, assim como as Canárias estão na Europa por serem parte da Espanha.
Todavia Cabo Verde, um Estado independente, parece nunca ter despertado a atenção dos órgãos institucionais, no sentido de serem iniciadas negociações para ser admitido na União.
Do ponto de vista do conceito comunitário, é indiscutível que a sua sociedade civil incorporou na identidade cultural os valores que são denominadores comuns dos europeus, sendo uma das expressões mais bem sucedidas das sínteses culturais a partir de um multiculturalismo derivado do modelo de povoamento.
A sua literatura é das mais enriquecedoras do espaço lusíada, e no que respeita à intervenção portuguesa, no processo euromundista da colonização, uma realidade que acompanha o milagre que foi a criação do Brasil.
No conjunto dos Estados que se tornaram independentes em resultado do movimento geral descolonizador impulsionado pela ONU, Cabo Verde, limitado de recursos, é um exemplo de Estado de Direito, cumpridor escrupuloso das obrigações internacionais, confiável se atendermos aos critérios que orientam a Administração republicana dos EUA.
Existe um movimento, ainda mal sustentado, no sentido de organizar uma espécie de unidade cooperativa dos arquipélagos atlânticos, e Cabo Verde nunca está ausente dos comentários publicados e das intervenções.
Mas, por outro lado, e voltando às questões da segurança, não é possível sugerir qualquer modelo de organização do Atlântico Sul, e de articulação entre a sua segurança e a do Atlântico Norte, sem incluir Cabo Verde no processo, supondo que não recusará o consentimento e a colaboração.
Por outro lado, a Europa é forçada a ter posição nesse projecto, que apelará ao interesse português, tantas são as soberanias de língua oficial portuguesa que se encontram nas duas margens.
Cabo Verde tem uma identidade e um desempenho que fazem do seu povo e da sua política uma referência segura de diálogo com todas as soberanias africanas, uma mais- -valia para a União Europeia.
Trata-se de um povo com uma importante diáspora, com comunidades instaladas em países europeus e nos EUA, sempre com integração sem problemas.
As autoridades portuguesas estão indicadas e legitimadas para terem a iniciativa de propor a abertura de um processo de adesão de Cabo Verde à União Europeia.
A integração de Cabo Verde na União Europeia
Os temas europeus não estão muito presentes nos debates em curso, como se a dependência do País em relação às orientações da União não fosse de uma importância crescente.
Uma dependência que tem que ver com as políticas sabidas e também com as políticas furtivas que se vão concretizando sem a participação dos Parlamentos nacionais e informação à opinião pública.
Uma das vertentes que parecem exigir maior atenção, pelos reflexos que tem nos interesses dos restantes membros, é a do alargamento, agora a caminho de se transformar num ritual, com ponto final predeterminado, as negociações para a admissão da Turquia.
O alargamento para leste parece inspirado pelo objectivo, não declarado, de recolher toda a herança da NATO com adaptação do seu conceito estratégico de levar a libertação do Atlântico aos Urales, articulando sem grande meditação as definições de comunidade e de aliança.
Talvez seja oportuno, e necessário, olhar criticamente para o Atlântico de onde partiu o movimento, dando atenção ao risco de afastamento entre o europeísmo e o americanismo, considerar a necessidade de continuar a tentar modelar a articulação entre a segurança do Atlântico Norte e a do Atlântico Sul, e repensar o estatuto dos arquipélagos que pontuam a linha divisória.
Os arquipélagos portugueses estão por isso na Europa, assim como as Canárias estão na Europa por serem parte da Espanha.
Todavia Cabo Verde, um Estado independente, parece nunca ter despertado a atenção dos órgãos institucionais, no sentido de serem iniciadas negociações para ser admitido na União.
Do ponto de vista do conceito comunitário, é indiscutível que a sua sociedade civil incorporou na identidade cultural os valores que são denominadores comuns dos europeus, sendo uma das expressões mais bem sucedidas das sínteses culturais a partir de um multiculturalismo derivado do modelo de povoamento.
A sua literatura é das mais enriquecedoras do espaço lusíada, e no que respeita à intervenção portuguesa, no processo euromundista da colonização, uma realidade que acompanha o milagre que foi a criação do Brasil.
No conjunto dos Estados que se tornaram independentes em resultado do movimento geral descolonizador impulsionado pela ONU, Cabo Verde, limitado de recursos, é um exemplo de Estado de Direito, cumpridor escrupuloso das obrigações internacionais, confiável se atendermos aos critérios que orientam a Administração republicana dos EUA.
Existe um movimento, ainda mal sustentado, no sentido de organizar uma espécie de unidade cooperativa dos arquipélagos atlânticos, e Cabo Verde nunca está ausente dos comentários publicados e das intervenções.
Mas, por outro lado, e voltando às questões da segurança, não é possível sugerir qualquer modelo de organização do Atlântico Sul, e de articulação entre a sua segurança e a do Atlântico Norte, sem incluir Cabo Verde no processo, supondo que não recusará o consentimento e a colaboração.
Por outro lado, a Europa é forçada a ter posição nesse projecto, que apelará ao interesse português, tantas são as soberanias de língua oficial portuguesa que se encontram nas duas margens.
Cabo Verde tem uma identidade e um desempenho que fazem do seu povo e da sua política uma referência segura de diálogo com todas as soberanias africanas, uma mais- -valia para a União Europeia.
Trata-se de um povo com uma importante diáspora, com comunidades instaladas em países europeus e nos EUA, sempre com integração sem problemas.
As autoridades portuguesas estão indicadas e legitimadas para terem a iniciativa de propor a abertura de um processo de adesão de Cabo Verde à União Europeia.
Konbersu Sabi: Política Cultural
No dia 14 de Fevereiro, estarei num painel do Programa Televisivo Konbersu Sabi (TCV), da jornalista Matilde Dias, com Manuel Veiga, linguista e actual ministro da Cultura e Leão Lopes, artista plástico e antigo ministro da Cultura. O tema em destaque será a Política Cultural. Consta-me que iremos debater as políticas públicas da cultura, o sector cultural em si e a cultura como problematização global e específica. A política cultural, na minha modesta opinião, deve ser entendida como um objecto compósito e lábil, não se reduzindo a um conjunto de medidas públicas, nem a um mero reordenamento republicano das actividades culturais. É algo mais, muito mais, complexo. Deveríamos falar da política cultural ou das políticas culturais? Não estando certo sobre a melhor formulação da questão, quer-me parecer que iremos debater o arcabouço jurídico existente, os incentivos e a protecção a bens culturais, os organismos e as estruturas administrativas, a gestão das instituições, os programas e os projectos, a preservação dos bens patrimoniais e a emergência de uma indústria cultural, entre outros aspectos.
Quem sabe Matilde Dias nos permita um browsing comparativo sobre alguns modelos de Estado vis-a-vis Cultura, a saber:
• O Estado facilitador, financiador das artes e das criações intelectuais por recursos indirectos, de ordem fiscal, oferecidos à iniciativa privada (pessoas, fundações, empresas), caso típico dos Estados Unidos;
• O Estado-mecenas, que transfere recursos próprios, isto é, dotações orçamentárias, para organismos autónomos, como fundações, institutos e conselhos. São exemplos deste caso a Inglaterra, a Austrália ou a Nova Zelândia;
• O Estado-arquitecto é aquele que dita orientações ou toma medidas práticas e directas sobre a dinâmica cultural por meio de estruturas políticas (ministério, câmaras municipais, comissões). Juntamente com as subvenções oferecidas, exigem-se critérios técnicos e burocráticos a serem seguidos pelos beneficiários. Aqui se encontra a maior parte dos países europeus, latino-americanos e alguns africanos;
• o Estado-engenheiro que governa integralmente a vida cultural do país, como aquele das ditaduras políticas (de esquerda e de direita) e das comunidades fundamentalistas ou teocráticas.
E já agora, abordar o tipo de Estado que temos ou queremos ter vis-a-vis a nossa dinâmica cultural. Reconhecer que, em Cabo Verde, devido aos condicionalismos socio-económicos do país e à configuração estrutural da nação, a cultura se insere no âmbito das obrigações do Estado. É um campo em que o Estado deve intervir, mas de molde mitigado, delicado e híbrido. Intervir não para fazer cultura, mas para criar condições para o seu acesso universal. Para proporcionar condições necessárias à criação e à produção de bens culturais. Para promover o desenvolvimento cultural geral da sociedade e do cidadão. Como um direito básico. Estamos com Alexis de Tocqueville quando diz que a política e a cultura são «duas paixões gerais e dominantes». Por isso, elas devem ser pensadas (e debatidas) de modo democrático e participativo…
Quem sabe Matilde Dias nos permita um browsing comparativo sobre alguns modelos de Estado vis-a-vis Cultura, a saber:
• O Estado facilitador, financiador das artes e das criações intelectuais por recursos indirectos, de ordem fiscal, oferecidos à iniciativa privada (pessoas, fundações, empresas), caso típico dos Estados Unidos;
• O Estado-mecenas, que transfere recursos próprios, isto é, dotações orçamentárias, para organismos autónomos, como fundações, institutos e conselhos. São exemplos deste caso a Inglaterra, a Austrália ou a Nova Zelândia;
• O Estado-arquitecto é aquele que dita orientações ou toma medidas práticas e directas sobre a dinâmica cultural por meio de estruturas políticas (ministério, câmaras municipais, comissões). Juntamente com as subvenções oferecidas, exigem-se critérios técnicos e burocráticos a serem seguidos pelos beneficiários. Aqui se encontra a maior parte dos países europeus, latino-americanos e alguns africanos;
• o Estado-engenheiro que governa integralmente a vida cultural do país, como aquele das ditaduras políticas (de esquerda e de direita) e das comunidades fundamentalistas ou teocráticas.
E já agora, abordar o tipo de Estado que temos ou queremos ter vis-a-vis a nossa dinâmica cultural. Reconhecer que, em Cabo Verde, devido aos condicionalismos socio-económicos do país e à configuração estrutural da nação, a cultura se insere no âmbito das obrigações do Estado. É um campo em que o Estado deve intervir, mas de molde mitigado, delicado e híbrido. Intervir não para fazer cultura, mas para criar condições para o seu acesso universal. Para proporcionar condições necessárias à criação e à produção de bens culturais. Para promover o desenvolvimento cultural geral da sociedade e do cidadão. Como um direito básico. Estamos com Alexis de Tocqueville quando diz que a política e a cultura são «duas paixões gerais e dominantes». Por isso, elas devem ser pensadas (e debatidas) de modo democrático e participativo…
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2005
Salvé, Rei Momo
Surgido no Egipto, às margens do Rio Nilo, para comemorar os cultos agrários, há cerca de seis mil anos, o Carnaval ganhou força ao longo da história. A comemoração, criada para agradecer à fertilidade do solo e aos frutos da colheita, ganhou grande importância na Roma e Grécia, entre os séculos VII a.C. e VI d.C.O ritual logo caiu no gosto popular e a ele foram acrescidos bebida e sexo em tributo ao Deus Dionísio, na Grécia . Para celebrar os Deuses Baco, Saturno e Pã, os romanos realizavam os famosos bacanais, lupercais e saturnais. Nesse último, homens e mulheres desfilavam nus na Avenida com carros, os chamados carrum navalis. Daí a expressão carnevale. Contrária ao culto ao corpo e fundamentada na abstinência aos prazeres terrenos, a civilização judaico cristã condenou os actos sexuais nas manifestações. Com isso, a festa ganha uma mudança estética e também comportamental. Orgia e bebidas, marcas do festejo nas civilizações romana e grega, dão lugar a máscaras, fantasias, bailes e desfiles alegóricos.O Carnaval vai ao Brasil, em 1723, por meio dos portugueses, que levaram a tradição dos festejos realizados nas ilhas portuguesas da Madeira, Açores e Cabo Verde. Ali, a festa ganhou adeptos e se tornou uma das maiores festas de rua do mundo, além de uma grande indústria, com grandes centrais de produção.
sexta-feira, 4 de fevereiro de 2005
Amoras
Filinto Elísio
Tem horas que embarco ao sabor de amoras
e o travo deste meu corpo é fome soluçada,
gotas salpicadas, perfumadas ervas, banhos
de espuma e bolhas que são aqui beijos;
Tem horas que percorro todos os amores,
dos que me aquecem no frio e, entre a morna
& o violão, seus olhares furtivos abraçam
esta solidão, e eu uma concha de vontades;
Apaziguadas frutas comem nas amoras
este caminhar pelos vértices das musas,
onde, coordenadas, as horas cantam;
E, jogadas ao leito da vida, fomos deleite,
e de tudo ter sido – semén, suor e sangue -,
pétalas de qualquer coisa assim viscosa…
in «Das Frutas Serenadas»
quarta-feira, 2 de fevereiro de 2005
O regresso da mulher morena
Vinícius de Moraes
Meus amigos, meus irmãos,
cegai os olhos da mulher morena
Que os olhos da mulher morena estão me envolvendo
E estão me despertando de noite.
Meus amigos, meus irmãos, cortai os lábios da mulher morena
Eles são maduros e úmidos e inquietos
E sabem tirar a volúpia de todos os frios.
Meus amigos, meus irmãos, e vós que amais a poesia da minha alma
Cortai os peitos da mulher morena
Que os peitos da mulher morena sufocam o meu sono
E trazem cores tristes para os meus olhos.
Jovem camponesa que me namoras quando eu passo nas tardes
Traze-me para o contato casto de tuas vestes
Salva-me dos braços da mulher morena
Eles são lassos, ficam estendidos imóveis ao longo de mim
São como raízes recendendo resina fresca
São como dois silêncios que me paralisam.
Aventureira do Rio da Vida, compra o meu corpo da mulher morena
Livra-me do seu ventre como a campina matinal
Livra-me do seu dorso como a água escorrendo fria.
Branca avozinha dos caminhos, reza para ir embora a mulher morena
Reza para murcharem as pernas da mulher morena
Reza para a velhice roer dentro da mulher morena
Que a mulher morena está encurvando os meus ombros
E está trazendo tosse má para o meu peito.
Meus amigos, meus irmãos, e vós todos que guardais ainda meus últimos cantos
Dai morte cruel à mulher morena!
Rio de Janeiro, 1935
Flores
Arthur Rimbaud
De um pequeno degrau dourado -, entre os cordões
de seda, os cinzentos véus de gaze, os veludos verdes
e os discos de cristal que enegrecem como bronze
ao sol -, vejo a digital abrir-se sobre um tapete de filigranas
de prata, de olhos e de cabeleiras.
Peças ae ouro amarelo espalhadas sobre a ágata, pilastras
de mogno sustentando uma cúpula de esmeraldas,
buquês de cetim branco e de finas varas de rubis
rodeiam a rosa d'água.
Como um deus de enormes olhos azuis e de formas
de neve, o mar e o céu atraem aos terraços de mármore
a multidão das rosas fortes e jovens.
Snail Poem
Peter Orlovsky
Make my grave shape of heart so like a flower be free aired
& handsome felt,
Grave root pillow, tung up from grave & wigle at
blown up clowd.
Ear turnes close to under
layer of green felt moss & soundof rain dribble thru this layer
down to the roots that will tickle my ear.
Hay grave, my toes need cutting so file away
in sound curve or
Garbage grave, way above my head, blood will soon
trickle in my ear -
no choise but the grave, so cat & sheep are daisey
turned.
Train will tug my grave, my breath hueing gentil vapor
between weel & track.
So kitten string & ball, jumpe over this mound so
gently & cutely
So my toe can curl & become a snail & go curiously
on its way.
Nova Iorque, 1958
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Poema visual
Poema concreto
Poema processo
A desconstrução poética
Rimbaud em banho-maria
Jorge Barbosa no liquificador
E um suco de hip-pop
De poesia instantânea
Basta da esclerose
Da gramática nacionalista
Semântica mal passada
Ao molho da anarquia
Atire-se tudo para o alto
E leia-se Ferreira Goulart
Abaixo a incompetência
Folclórica!
Poema concreto
Poema processo
A desconstrução poética
Rimbaud em banho-maria
Jorge Barbosa no liquificador
E um suco de hip-pop
De poesia instantânea
Basta da esclerose
Da gramática nacionalista
Semântica mal passada
Ao molho da anarquia
Atire-se tudo para o alto
E leia-se Ferreira Goulart
Abaixo a incompetência
Folclórica!
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E já que este blog também se abriu a radicalidade cultural necessária, vale lembrar que há diferenças marcantes entre os novos e os velhos. Nem sempre são diferenças cordiais, mas, neste espaço, as diferenças são vistas de forma criativa e/ou produtiva. E nós reportamo-las com uma certa dose de humor.
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E já que este blog também se abriu para a radicalidade cultural necessária, vale lembrar que há diferenças marcantes entre os novos e os velhos. Nem sempre são diferenças cordiais, mas, neste espaço, as diferenças são pressentidas de forma criativa e/ou produtiva. E nós reportamo-las com uma certa dose de humor.
Engrenagens para uma contra cultura
Allen Ginsberg foi um dos líderes da chamada beat generation, que, antes de ser um movimento literário, era um manifesto pela liberdade poética e existencial. O jovem poeta do pós-guerra, nascido em 1926, se opunha à ditadura das rimas - debochava dizendo que procurar rimas era como fazer ginástica - e fazia apologia das drogas alucinarias. O seu livro Howl and other poems (Uivo), de 1956, tornou-se a bíblia do movimento beat. Ginsberg foi o porta-voz de vários clamores públicos: lutou contra a censura, a guerra do Vietname, as armas nucleares e pela preservação da natureza. Ele deixou 17 livros de poesia e 11 de prosa e gravou nove discos, em que canta blues e declama poemas. Nos últimos dez anos, antes de morrer em 1997, ele leccionava literatura no Brooklyn College, em Nova York, e vivia no East Village, bairro de Manhattan, com seu companheiro dos últimos 40 anos, o poeta Peter Orlovsky. Além de Ginsberg, outros grandes poetas do movimento beat foram Kerouac e Burroughs.
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