terça-feira, 12 de setembro de 2006

Cê não me devia maldizer assim





Do lado do cipreste branco
À esquerda da entrada do inferno
Está a fonte do esquecimento:
Vou mais além, não bebo dessa água.
Chego ao lago da memória
Que tem água pura e fresca
E digo aos guardiões da entrada:
- Sou filho da terra e do céu.
Dai-me de beber,
que tenho uma sede sem fim.

A Fonte. Renato Russo

Em dias como hoje, eu não sei o que escrever. Talvez seja esta sede sem fim. Não tenho o frescor da escrita de Eileen ou de Chissana. Nem o imponderável n ta mora li de Abrão Vicente ou de navega Mayra Andrade. Essa gente nova e descomplexada que anda por aí. Gente inova, diria. Falo-vos, então, da correspondência com o meu amigo, do bom jazz e da boa conversa. Ele, por sinal, nem gostou que eu dissesse: o Estadista não governa para a próxima eleição, mas para a próxima geração. Mal habituado poderoso e senhor do mundo, ele me condenou ao inferno no último email. A dar o troco, permiti que Pranchinha lhe dissesse umas loas. Este, desde Nero até ao último deus da esquina, anda a gozar com os poderosos. Continua nisso mesmo depois de morto, já que estamos no reino do absurdo. Devia ser combatente da liberdade, pois a Pátria se liberta a cada momento (e ainda bem). Unânimes contra o ufanismo a que isto se tornou. O mais bem gerido da África (coitado do Continente!). A Constituição mais moderna do mundo (oh, kanadja!). O 1° (também na África) à vista do MCA. E mais coisas & loisas patrioteiras que a conversa em família já repete à exaustão. Entretanto, é neste – o quê mesmo? - Japão, Hong Kong ou King Kong que acontece o apagão da Electra. Neste Pêdême de cada dia que a malária, erradicada na Colónia, mata de novo. Neste milênio que os novos escravos são barrados no mar, com o reforço estrangeiro, para o inglês ver. Não sei o que escrever, porque quero andar em sentido contrário desse carnaval da loucura, do kásubodi e da narco ostentação. E os poemas que timidamente escrevo, gostaria que fossem de pedra. Não a pedra das infra-estruturas precárias, mas a explosiva pedra com que um apóstolo do futuro construirá a sua Igreja. Petrus et super hanc petram aedificabo ecclesiam meam. Tento escrever o que vejo deste 10° andar. Mas o Calçadão é um frenesi artificial e a cidade grande é uma babel antropófaga. O telejornal diz que Amazonas está sendo desmatada de forma perigosa. O maior terrorismo acaba por ser o ambiental. Pior do que nos transformar a todos em Califado. O Papado tentou-o nos Descobrimentos e ficamos irremediavelmente sadomasoquistas. A Deus nas alturas que, por aqui, apesar das terçãs, nos entenderemos. Em dias como hoje, eu não sei o que escrever. Definitivamente, estou em branco. Quem sabe, um rap à maneira do José Luis Tavares. Ou os versos revisados como Armênio Vieira. Mas terei de falar dos grandes? O meu colega da faculdade telefona a dizer sobre a vernissage de “Cê”, o último álbum de Caetano Veloso. Conto-lhe do King Kong e ele a rir como um louco. Grande Pranchinha! Escuto, nesta tristeza infinda, A Fonte, de Renato Russo. Daqui a pouco saio pela cidade procurando pão quente e o álbum de Caetano Veloso. Diz a televisão que ele canta assim: Eu não me arrependo de você/ Cê não me devia maldizer assim/ Vi você crescer. E eu não vou escrever sobre o quinto aniversário do 11 de Setembro. Não estou a fim de sublinhar o óbvio...

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