por Filinto Elísio
GLOSA 3
Talvez que o almejado texto (?) fosse incendiar a nossa pequena Roma para que se revele uma alma límpida, ou o esplendoroso sexo dos anjos. Mas as palavras possíveis, tal como uma partida sem regresso, deslizam assombrosamente nas águas da realidade. Por ora, fico no frágil e precário equilíbrio que se auto-sustenta nesta dialéctica entre o que é dito e o que fica latente.
PUNK DA PERIFERIA
Dois adolescentes, se calhar eufóricos de tanta juventude, derrubam o contentor do lixo e saem a correr felizes com a travessura. Os cães, em matilha, aproximam-se e disputam, com os meninos andrajosos, os despojos vertidos na calçada. Cena degradante. Uma das coisas que me incomoda na cidade da Praia é o lixo. Naturalmente que aprecio o esforço da edilidade em limpar as ruas e recolher o lixo. Muita mudança se operou em termos de saneamento. Pela positiva, é claro. O que me incomoda realmente é a apatia do munícipe perante o lixo que produz. A resistência em tornar esta Praia que nos une (e não é um mero jargão), numa cidade ecologicamente correcta. Não há dúvida de que o morador precisa de conhecer os ciclos alternativos do lixo e abrir a mente para as janelas da reciclagem. Esses dois adolescentes, que parecem ter saído do «Punk da Periferia», denotam falta de uma certa cidadania…a que está informada para fazer do lixo um recurso.
MARIA PAPIRUS
Todas a vezes que escrevo sobre esta questão, a que chamaria aqui o fluxo do lixo ao luxo, vem à minha mente a imagem de Maria Papirus, lá de Salvador da Bahia. Esta minha amiga faz do lixo blocos, luminárias, porta-retratos, cadernos e agendas em papel reciclado. E faz cursos de reciclagem para os mais carenciados da sua cidade. Ei-la, poderosa: vamos aprender a fazer o luxo do lixo. Do lixo uma delicada obra. Arte que pode mudar rumos e promover cidadania. E reciclar um monte, uma infinidade de vidas. Pelo rendimento e pela consciência. Combater a pobreza, mais do que criar receitas, é ganhar a cidadania. Mesmo que fosse só esse gesto, já teria valido a pena.
CORES 1
O branco, que é a soma silenciosa do conjunto do espectro cromático, é a cor que sobra quando todas as outras desaparecem: a orgulhosa incandescência do branco absorveu todas as qualidades— de refracção, de difusão, de reflexão— de todas as outras cores. É a cor canibal absoluta, aquela que assimila todos os princípios cromáticos, aquela que soube incorporar todas as virtualidades do espectro, aquela que não teve medo do vermelho, do amarelo, do azul. O branco comeu todas as cores. As flores da cerejeira alcançam o máximo da sua brancura um instante antes de cair e morrer.
RADIO 1
Escuto no rádio o trecho de um bate-boca parlamentar. Acho que falavam de telemóveis ou algo afim. Mas que linguagem bera e vampiresca. De zero a vinte, quanto é que o leitor atribuiria a esse aparte? Bruxo. A discussão em causa estava para um debate sério tal qual está o terrorismo para a política, sussurra-me Pranchinha, o omnipresente. E não sei porquê – coisas do inconsciente, só pode –, e ele me lembra de Cícero, em Phillipics: «Todos os Homens honestos mataram César. A alguns faltou Arte, a outros Coragem e a outros Oportunidade mas a nenhum faltou a Vontade».
ILDO
Sim. Os olhares regressam como as estações e ficam assim à roda da memória. Os olhares – pássaros apenas –, de galho em galho, poisam na copa das minhas árvores. Longitudinal tudo. Existencial também algo. Todo aquele que procura lugares. Os olhares são, de verem os sítios do mundo, pródigos filhos à beira dos sonhos. E, como as estações (repito), eles regressam…sempre!
BLOGS 2
Os blogs são um médium, com vida e dinâmica próprias. Eu, por exemplo, quero fazer do Albatrozberdiano um corredor de fruições: um poema de Fernando Assis Pacheco; conto de Virgílio Pires; quadro de Miró; romance de Gabriel Garcia Marquez; retratos do Pablo e do Denzel; filme de Frederico Fellini (a cena do maluco em «Amarcord» é intensa) ou de Andrei Tarkovsky; hai-kai inconseguido; beijo no happy end de um western banal. Insisto para que o leitor entre na blogsesfera. Tudo pode acabar em beijo…
BEIJO
Ali no Farol, onde os amantes se entregam à eternidade, uma esplêndida lua entra em cena. A baia desta cidade tem o seu charme e ao desamparinho um jovem casal se torna beijo. Chinua Achebe, escritor nigeriano, escreveu que o poeta que não tem problemas com o rei, terá problemas com a poesia. E tudo que é desconexo se encaixa. Aqui e agora. Mas para o retrato desta minha alma, acho que chega. O resto fica latente. Na próxima semana, se der, haverá mais…
Talvez que o almejado texto (?) fosse incendiar a nossa pequena Roma para que se revele uma alma límpida, ou o esplendoroso sexo dos anjos. Mas as palavras possíveis, tal como uma partida sem regresso, deslizam assombrosamente nas águas da realidade. Por ora, fico no frágil e precário equilíbrio que se auto-sustenta nesta dialéctica entre o que é dito e o que fica latente.
PUNK DA PERIFERIA
Dois adolescentes, se calhar eufóricos de tanta juventude, derrubam o contentor do lixo e saem a correr felizes com a travessura. Os cães, em matilha, aproximam-se e disputam, com os meninos andrajosos, os despojos vertidos na calçada. Cena degradante. Uma das coisas que me incomoda na cidade da Praia é o lixo. Naturalmente que aprecio o esforço da edilidade em limpar as ruas e recolher o lixo. Muita mudança se operou em termos de saneamento. Pela positiva, é claro. O que me incomoda realmente é a apatia do munícipe perante o lixo que produz. A resistência em tornar esta Praia que nos une (e não é um mero jargão), numa cidade ecologicamente correcta. Não há dúvida de que o morador precisa de conhecer os ciclos alternativos do lixo e abrir a mente para as janelas da reciclagem. Esses dois adolescentes, que parecem ter saído do «Punk da Periferia», denotam falta de uma certa cidadania…a que está informada para fazer do lixo um recurso.
MARIA PAPIRUS
Todas a vezes que escrevo sobre esta questão, a que chamaria aqui o fluxo do lixo ao luxo, vem à minha mente a imagem de Maria Papirus, lá de Salvador da Bahia. Esta minha amiga faz do lixo blocos, luminárias, porta-retratos, cadernos e agendas em papel reciclado. E faz cursos de reciclagem para os mais carenciados da sua cidade. Ei-la, poderosa: vamos aprender a fazer o luxo do lixo. Do lixo uma delicada obra. Arte que pode mudar rumos e promover cidadania. E reciclar um monte, uma infinidade de vidas. Pelo rendimento e pela consciência. Combater a pobreza, mais do que criar receitas, é ganhar a cidadania. Mesmo que fosse só esse gesto, já teria valido a pena.
CORES 1
O branco, que é a soma silenciosa do conjunto do espectro cromático, é a cor que sobra quando todas as outras desaparecem: a orgulhosa incandescência do branco absorveu todas as qualidades— de refracção, de difusão, de reflexão— de todas as outras cores. É a cor canibal absoluta, aquela que assimila todos os princípios cromáticos, aquela que soube incorporar todas as virtualidades do espectro, aquela que não teve medo do vermelho, do amarelo, do azul. O branco comeu todas as cores. As flores da cerejeira alcançam o máximo da sua brancura um instante antes de cair e morrer.
RADIO 1
Escuto no rádio o trecho de um bate-boca parlamentar. Acho que falavam de telemóveis ou algo afim. Mas que linguagem bera e vampiresca. De zero a vinte, quanto é que o leitor atribuiria a esse aparte? Bruxo. A discussão em causa estava para um debate sério tal qual está o terrorismo para a política, sussurra-me Pranchinha, o omnipresente. E não sei porquê – coisas do inconsciente, só pode –, e ele me lembra de Cícero, em Phillipics: «Todos os Homens honestos mataram César. A alguns faltou Arte, a outros Coragem e a outros Oportunidade mas a nenhum faltou a Vontade».
ILDO
Sim. Os olhares regressam como as estações e ficam assim à roda da memória. Os olhares – pássaros apenas –, de galho em galho, poisam na copa das minhas árvores. Longitudinal tudo. Existencial também algo. Todo aquele que procura lugares. Os olhares são, de verem os sítios do mundo, pródigos filhos à beira dos sonhos. E, como as estações (repito), eles regressam…sempre!
BLOGS 2
Os blogs são um médium, com vida e dinâmica próprias. Eu, por exemplo, quero fazer do Albatrozberdiano um corredor de fruições: um poema de Fernando Assis Pacheco; conto de Virgílio Pires; quadro de Miró; romance de Gabriel Garcia Marquez; retratos do Pablo e do Denzel; filme de Frederico Fellini (a cena do maluco em «Amarcord» é intensa) ou de Andrei Tarkovsky; hai-kai inconseguido; beijo no happy end de um western banal. Insisto para que o leitor entre na blogsesfera. Tudo pode acabar em beijo…
BEIJO
Ali no Farol, onde os amantes se entregam à eternidade, uma esplêndida lua entra em cena. A baia desta cidade tem o seu charme e ao desamparinho um jovem casal se torna beijo. Chinua Achebe, escritor nigeriano, escreveu que o poeta que não tem problemas com o rei, terá problemas com a poesia. E tudo que é desconexo se encaixa. Aqui e agora. Mas para o retrato desta minha alma, acho que chega. O resto fica latente. Na próxima semana, se der, haverá mais…
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