por Filinto Elísio
Na passarela, uma manequim (nomeio-a Denize, mas o nome podia ser Carla ou Gizela) faz a sua trajectória de gazela sob luzes, sons e aplausos. É uma praiense jovem, poderosa e bela. Ela desfila uma túnica de seda, estampada com motivos do Egipto faraónico, assinada pela estilista senegalesa Amadou Diop. Aliás, retive a cena numa das várias noites maravilhosas da III Semana Cultural Senegalesa em Cabo Verde, ocorrida no Auditório Nacional da Praia. Não me abstive de contar depois ao Mito, esse arauto de MitoMorfaces, num email que é mais ou menos este arquitexto, a parábola de tal passarela e o paradigma da Praia, nosso verso e reverso, com Denize que podia ser Carla ou Gizela .
Nem só de salsa e rosmaninho, sem despeitar alho e cebola, são as minhas longas cavaqueiras com o Mito, em conspirativos encontros nas mais incríveis paragens deste mundo. O último rendez-vous, tivemo-lo em New York, no Village, para ser mais preciso. E a agenda, entre um daiquiri e outro, foram as alcachofras, espargos, alcaparras, aipos, agriões, chicórias, orégãos e, haja saúde, azeitonas e pimentos. E, antropofagicamente, fomos abordando a nossa Praia (sem crise, ó gente!), causa consequente e comum. Juramos, um destes belos dias a vir, trocar dedos de prosa no Poeta, ambiente tão pantagruélico quão gargantuíno, na condição de retornados que, no fundo, jamais partiram. Afinal viandas caprichadas e capitosos vinhos são o quanto basta para olharmos o Ilhéu de Santa Maria com olhos de Denize.
E que a paisagem nos saiba tão bem (manga, manga, manga!) como as noites calibradas das metrópoles a tremeluzir de Arte e a pulsar de Variedades. E assim...a paisagem que hoje se retoca, as avenidas que esventram caminhos e o tráfego que suscita o frenesim diferente têm sua razão de ser. Novas sociabilidades e novos núcleos de poder, sem alterar o ideal republicano, demandam, enfim, de todos nós mais e outra cidadania. A dimensão cultural daqueles (cada vez mais tantos, felizmente) que se acham munícipes atentos e responsáveis, crentes de uma ruptura para melhor e de uma viragem para o infinito.
Tudo isso, para rematar (a risco de panfletário) que...o palavrório sobre a Praia mal amada, sobre a Praia não cantada e sobre a Praia de ninguém, é tudo tretas. Sadomasoquismo de certa gente! O que importa é sermos todos descomplexados e antropofágicos e, agora como nunca, instaurar, numa dessas muitas rotundas da via rápida, um monumento portentoso que seja rampa de lançamento. Para a modernidade, naturalmente...Não sendo um agente provocador, mas apenas um fervoroso filho, queria da Praia Maria uma cidade mais radiante que rabidante, quase épica, a sugerir uma ode triunfal. E não esta trajectória inibida, senão mesmo insidiosamente, negada. A Estátua (disfarçadamente do General que eu sei), vítima da sua própria arrogância, faz gala, ufana-se para dizer a verdade, ao afirmar “eu não me reconheço neste sítio!”. Presunção e água benta, está-se a ver. Há que ousar, romper, vencer. Tal qual Júpiter/Zeus que venceu o próprio pai Saturno/Cronos/ O tempo, para que pudesse reinar. Nós, por exemplo, cidadãos do mundo com todo o sangue, não nos reconhecemos noutra latitude. E tem de ser, aqui e agora, luzes, sons e aplausos. Em verdade, este a-tor-men-ta-do calibanus queria a cidade (ou ilha?) voltada para o mundo e porto de abrigo para as inumeráveis energias deste tempo. Que suscitasse, como numa tela do Mito, uma rotumbante gargalhada abstracta, tão distante do reality show que tem sido o quotidiano! E “Somente a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.” , como afirmara o brasileiro Oswald de Andrade. Praia ou não Praia, eis a tormenta de Caliban. O leitor que o diga. Ninguém entra mudo e sai calado deste arquitexto. Mas eu fico...Por uma Praia jovem, poderosa e bela, como a Denize. Que poderia ser Carla ou Gizela...
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