sexta-feira, 27 de março de 2009

Shakesperience


Saúdo toda a gente do Teatro. Essa gente esquecida nos momentos bons e recordada nos maus. Essa mesma gente esquecida quando estão em maus momentos e solicitada quando em seus melhores momentos. Essa mesma gente de circunstâncias para a curta visão e de perseverança para os de visão profunda. Essa gente que trabalha com as dificuldades sempre a favor e que choram para fazer rir e riem para não chorarem.

Os dias de qualquer coisa devem servir para qualquer coisa. Porque nem todas as coisas têm um dia, embora hoje haja um dia para quase todas as coisas, o que quer dizer que todas as coisas são importantes. Deste modo, se o Teatro não fosse importante seria uma coisa qualquer. E se é importante, isso já é qualquer coisa, nesses tempos e nesta terra em que tudo tende a perder importância se não for político ou industrial. Que ainda haja teatro em Cabo Verde é um sinal de que são uns sãos loucos que fazem este país. Mas para que haja sempre Teatro em Cabo Verde é preciso desconfiar dos doutos de ocasião, esse que fazem teatro onde não devem. As ajudas festivalescas e as palmadas em cima do chumaço não constituem políticas nem visão estética. Nem uns devem pensar que isso é suficiente, nem outros têm com que agradecer. Deve ser um imperativo de Estado o investimento no Teatro, que deve constituir a sétima arte nacional, até que o próprio teatro, prenhe como está, gere nas suas entranhas um cinema latente. Mas tendo em conta as experiências do Mundo e os recursos de que dispomos, o cinema será sempre uma visita, e o teatro, um severo inquilino.

Saúdo novamente em nome dos ausentes a todos os presentes no teatro, dos figurinistas aos actores, dos directores aos iluminadores, dos cenógrafos aos músicos, dos dramaturgos aos contra-regras, dos anotadores às bilheteiras, do público inocente ao critico aprumado, da criançada inteligente aos mecenas reticentes.

E rogo pragas para que Março seja um mês gago, e fique truncado no dia 27 para a fortuna dos anos vindouros.

Mário Lúcio, 27 de Março de 2009
Extraído do Blog Café Margoso

quinta-feira, 26 de março de 2009

Kriol Jazz Festival


Vamos todos apoiar esta "movida"...

quarta-feira, 25 de março de 2009

Crónica a ser


Crónica a ser

Às quartas-feiras, tenho a obrigação de entregar a crónica ao Jornal A Nação. Ao arrancar o dia, geralmente saído do king size, enormíssimo para homem só, e indo directo para o chuveiro frio, começo a matutar sobre o tema a escrever. Já escrevi sobre tanta coisa! Dos bairros degradados na cidade da Praia ao festival de cerveja num dia das “quentinhas” em Munique, passando pelo sorriso fugaz num elevador de Nova Iorque, tudo isso já foi matéria da mais ou menos fantástica e da irreal das minhas crónicas. O meu Editor, pelo MSN Messanger, diz: Aguardo... Força e boa inspiração. Té Já!!! Cada vez mais, com denodo e algum esquecimento, estou a me tornar velho que nem a intocável vodka lá em casa. Caquéctico. Imaginem que até escrevi sobre os metrossexuais, os politicamente correctos, esses modismos que não valem um corno. A como é bom não cumprir um dever! Mas não sou Fernando Pessoa, palavra. Ter uma crónica e não a fazer. Afazeres…

E de tais escritos

E se escrevesse sobre os prazeres da mesa e da cama? Se, despido dos cuidados, vos convidasse a não interpretarem, pela rama e pela esquerda, a semântica das palavras do Papa, em Yaoundé? Se a sotaina, vez por outra, não ilumina outros caminhos para as 22 milhões de pessoas infectadas na África Subsaariana, três quartos das vítimas de Sida no mundo inteiro? Se, ciente da primeira, segunda e terceira das vossas pedras, escrevesse aqui que as certas verdades de hoje já são zero à esquerda ao tempo de um ai e que, de repente, Marx retorna à sua razão e Micheal Jackson quer, desesperadamente, voltar a ser preto? Se assumisse, mandando Brito Semedo à fineza de rever o canhenho, que oficializar o Crioulo não configura mosca na sopa desta ou daquela região? Estou aqui a ver a cara dos leitores e não deixo de rir sempre que, revoltados, uns desgostem dos meus escritos ou, entusiasmados, outros apreciem as minhas bacoradas. O poeta brasileiro Mário Quintana afirmaria que: “Há leitores que acham bom o que a gente escreve. Há outros que sempre acham que poderia ser melhor. Mas, na verdade, até hoje não pude saber qual das duas espécies me irritam mais”.


Abençoado tempo nosso

A ditadura com que, de modo melífluo e subliminar, nos impõem a televisão e o telemóvel, entrando na onda também o computador portátil, nos revela que, não adianta, por mais revisão constitucional feita, haverá sempre este hiato em matéria de direitos, liberdades e garantias. O nosso precioso tempo (em verdade doado pelo divino para amarmos, educarmos os pequenotes e degustarmos as maravilhas do mundo, para a “joie de vivre”, convenhamos) estará cada vez mais desviado pelos engenhos de agora que, mais do que aqueles de outrora, nos fazem escravos das coisas.

Bom mesmo

É ser “gauche na vida” e de assistir ao espectáculo do mundo com retumbante deboche. Fazer coro ao Heavy H, dos poucos saudáveis da praça: Chouchou, ratcham bisou, para o gáudio das Pirilampas. Dizia o Pranchinha, o mais desabrido dos saudosos, que não se pode aguentar a lida sem um bom grogue da Cidade Velha e um divino guisado de cabrito, a vinho branco, com mandioca sumarenta. Ou um arroz de lapa e percebes no restaurante da Marilena (Bila Baxu, para os sem GPS), milagre que faz pecar qualquer brocado. Compadre, posto estar crónica já feita, são dois dias esta vida. Sem palavrões…

segunda-feira, 23 de março de 2009

Cais de Pesca


Uma das coisas que adoro é o Cais de Pesca da Praia. Não à sua estrutura, que bem poderia ser melhor que aquela. Mas o frenesim. A azáfama da chegada das traineras, da descarga dos peixes, da diligência das vendedeiras. Do espírito marítimo, como se te ouvisse a declamar Ode Marítima, de Álvaro de Campos. O cais sendo, cá dentro, uma saudade de pedra. O frenesim do amanhecer no Cais de Pesca que integra a Baía da Praia, o recorte da orla, a silhueta das achadas, o portentoso dos montes, o uterino dos vales. O imprescindível ilhéu de Santa Maria, felizmente ainda não transformado em casino. O ilhéu de Santa Maria, outrora pensado em porto carvoeiro. Charles Darwin desembarcando no ilhéu de Santa Maria e na Praia Negra. O navio Beagle ali ao largo. A visão que não tivera Vasco da Gama quando por cá passara? Ainda antes de chegar à Índia, o mundo sendo o cais de São Januário entregue à sorte da ignorância. Esse Cais de Pesca, assim farto de peixe e de vida, adoro-o...

domingo, 22 de março de 2009

Magnífico

As arraias são criaturas magníficas. Magnífico é também o liceu de Chão Bom, pertinho da antiga Colónia Penal do Tarrafal. Com a Casa do Cidadão e tudo. Magnífico ainda o Monte Graciosa que encima a Praia do Mangue, na Vila do Tarrafal, onde a minha saudosa mãe nasceu. Março é magnífico. Abril mais ainda. Lembra-me a Revolução dos Cravos, eram os anos do vosso casamento e da prisão de 61, tu a cumprires anos também (das contas que já perdi) e eu a descair-me para a poesia de novo. Maio, maduro Maio. Magnífico é não me convidarem para a festa dos poetas no Dia Mundial da Poesia. Declamei Sei os teus seios/Sei-os de cor, de Alexandre O´Neil, no 5al da Música, entretanto. Ntoni Denti Doru, Nácia Gomi e Codé Di Dona são os magníficos pilares que nos amparam a alma. Magníficas as arraias quando migram (vejam a foto) para o Golfo do México...

No Inferno*



A angústia da criação. Não há maior angústia, assim como não há dor como aquela que resulta do nascimento de um novo ser humano, e sobre isso são as mulheres as melhores testemunhas. Não há parto sem dor. E com a angústia e a dor chegam os fantasmas, as vozes, as imagens e sobretudo, o peso do passado, as referências de tudo aquilo que já vimos e lemos, a memória como inimigo do novo, a balança empanturrada com todas as criações anteriores da Humanidade. Que posso eu escrever, pintar, encenar, compor, fotografar, esculpir se (quase) tudo já foi experimentado? Como posso eu preencher a folha em branco, a tela vazia ou o palco despojado de objectos, de movimentos, de vida? Sem procurar respostas, esta peça vive do que se ouve e vê – como qualquer peça de teatro, em suma. Mas quase tudo o que se ouve e muito do que se vê, tem uma forte carga simbólica, no cenário, no registo interpretativo dos actores, na música e, claro, no texto. As asas, os cacifos, o leito, as sombras, os ossos, os livros gigantes que imanam luz, as diferentes formas que assumem os fantasmas que povoam o dia-a-dia do poeta, são tudo símbolos de um estado de espírito impossível de descrever de forma racional e objectiva, porque neste Inferno da criação, o caos é um ponto de partida e será, provavelmente, o ponto de chegada. Somos todos joguetes do destino. Não há como arrumar o caos, ordená-lo sem acabar com a sua própria natureza. Então o melhor é, como diz o poeta no final, “a gente retirar-se para um lugar onde haja flores – sobretudo rosas – beber vinho e morrer.”

Texto do programa

Estreia dia 28 de Março, na cidade do Mindelo

www.cafemargoso.blogspot.com

*Arménio Vieira

sexta-feira, 20 de março de 2009

Fuckin' Friday

Lendo New York Times
Pretenda-se serem criminosos de guerra apenas aqueles que não bombordearam Bagdade, Belgrado ou Gaza City. Pretenda-se serem julgados pelo Tribunal Penal Internacional os genocídios que não foram em Chechenia, em Mongólia ou em Mexico-USA Border. Os maus são os outros: iranianos, cubanos, norte-coreanos, venezuelanos. O pobre tresanda! Nós somos os melhores. We are the best. WASPs e seus afluentes. A Hollywood faz filmes. A Disney Production faz bonecos. Acarneiramo-nos à vista desarmada. Vamos sendo filhos da puta a passo de ganso. Mata-se no Tibete, em Darfur e no Curdistão. No Afeganistão aquilo está um horror. Aqui ao lado, na Guiné-Bissau, um Presidente é esquartejado e o cinismo internacional fica silencioso. Nem todos os antigos camaradas têm ombridade para estar no cortejo fúnebre. Tão amigos que nós éramos. Terminei de ler Gomorra, de Roberto Saviano. A virgindade não existe e não será uma questão de hímen, baby. Março. De Teatro e Mulher. Incomodo? Não seja por isso. A reacção de um artista cabo-verdiano ao comentário de um outro artista cabo-verdiano. Who cares? A nuvem a passar vale mil bizantinices. Prefiro contar as ondas. Em cada sete, uma viria para mim. Era assim na minha infância...

Cidade Velha

Cidade matricial, mater dolorosíssima. Primordial. As minhas escolhas trazem outros óculos de ler Cabo Verde e estes não têm lentes exógenos, nem aros sapientes de uma elite a quer fazer o branqueamento, se não a lavagem de um activo histórico, que é o afrontamento cultural, literário e identitário dos cabo-verdianos. Escolhas que questionam um país crioulo que não oficializou ainda a língua cabo-verdiana, em paridade estatutária à vigorosa e importante língua portuguesa, nem consegue descortinar que a identidade cabo-verdiana nasce, não com o chamado Nativismo, e muito menos com o Movimento Claridoso, mas com a aventura antropossocial e cultural que se configura já no século XVI.

Pelas águas dos Blogs
A propor a repactualização dos olhares sobre a poesia cabo-verdiana que, a par do telurismo, muito arreigado durante o período Claridoso, está hoje eivado de deriva existencial. Tempo circular, espiral. Palimpsesto, de não piche o grafite. Há que passar pelas novas águas dos Blogs, dos vídeos poemas e das linguagens com outras gramáticas, sintagmas e sêmeas. Pelas águas tão-somente.

Do zil ao zip & vice-versa



Não me faltam voyeurs. Já nem digo leitores para não parecer pedante. O meu amigo Dimas Macedo falaria em leitorado. Meu leitorado para cá, meu leitorado para lá. Mas ele, poeta do Sintaxe do Desejo, é um peso pesado. Eu, simples escrevinhador, cada vez mais bissexto, diga-se, tenho os meus voyeurs. Acompanham-me os sintagmas todos, escaneam-me os sintomas, a minha sintaxe desvirtuam-na e fazem ressonância magnética à semântica dos meus textos. Fecham-me o cerco e tratam-se de marear as minha viagens criativas. Arre, que tudo isto às vezes cansa e, quando não cansa, chateia. Logo agora que não me sobra tempo para depressão, apatia, essas coisas que, vez por outra, servem de húmus para medrar a poesia. Logo agora que, tivesse eu engenho e arte, juntava os fragmentos de mim e me formatava em força e resistência e, like a sex machine, como vaticinara James Brown, me reproduziria em 10, 100, mil, zil. Ou em tudo o zil, mil, 100, 10, que sou eu, compactado em 1. Ou em zip. Estou quântico? Cuidado que os voyeurs, não por serem hackers, mas invejosos de primeira apanha, cotovelosos do caraças, são maus de pensamento e de gesto. Indigestos, de resto. Quanto valeria o cêntimo jogado à Fonte de Trevi? O que pensaria Nero antes de queimar Roma? Ou haverá cumplicidade sideral em tudo isto, a tal de Vesúvio que, há 3.800 anos, arrasou Pompeia? Outrossim, porque nada é tão belo como o Vulcão do Fogo visto, ao por do sol, na Cidade Velha; de resto, porque eu começara a escrever sobre os meus voyeurs e me fui perdendo; destarte, fico ora por aqui...em perdido.

terça-feira, 17 de março de 2009

Lançados


On the road

1. Os leitores do Entre-Nós e, por tabela, os do Albatrozberdiano, sabem das minhas novas literárias, em primeiríssima mão. O lançamento do “Li Cores & Ad Vinhos” (poesia) acontece no dia 22 de Abril, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. O itinerário inclui também Paris, ainda no mês de Abril, e Praia, no mês de Maio. Capa do Mito e do Sílvio, big joint. O livro tem prefácio de Pedro Tamen, poeta português de referência e de nomeada internacional…

2. A Associação Pró Praia, expressão viva e necessária da sociedade civil organizada desta cidade, pretende celebrar activamente o Bicentenário de Charles Darwin, aderindo à iniciativa conjunta da Câmara Municipal da Praia e da Universidade de Cabo Verde. Igualmente, ela pretende apoiar, com reflexão e debate, a candidatura da Cidade Velha a Património Universal da UNESCO, em parceria com o Ministério da Cultura, a Câmara Municipal da Ribeira Grande de Santiago e o comité nacional responsável pela candidatura…

3. Começa, por estes dias, o festival de jazz na cidade da Praia. Vamos escrever e inscrever esta urbe atlântica no circuito mundial do jazz. Ousemo-nos. Somos lançados


Futuro sempre adiado

Terá chegado o momento dos novos grandes temas. Pensar a política de forma redutora e viciosa, sob a batuta da mesmice e do partidarismo alternante (mas não alternativo), acabou por cristalizar a inovação das ideias e de inibir a produção dos novos grandes temas. Praticar a política do atavismo situação/oposição, amarelo/azul ou tão simplesmente desta e doutra bancada, acabou por resultar nisto: ausência de novas teses que pudessem refrescar a reflexão e o debate sobre o futuro, por mais crescimento que haja, afinal, sempre adiado. Sem tibiezas nem hesitações, quanto mais discursos minimalistas, será que ainda vamos a tempo de introduzir a ideia de país desmilitarizado, do alargamento ambiental, da energia renovável, do fundo autónomo da cultura, do casamento dos gays, do rendimento mínimo garantido, do alargamento das férias de parto, do orçamento participativo e do micro crédito, entre outros grandes novos temas? Naveguemos pelos Blogs nestes tempos constituintes…

Momento de crise

E agora, José? Estamos a viver um momento de crise que se abate sobre o Mundo e também sobre Cabo Verde. Eu sou daqueles que, por andar pelas achadas e fajãs, gabinetes, bares e estradas, não nega a crise entre nós, nem dela fazer a defesa de avestruz. Ademais, a crise apanha a todos e sair dela é responsabilidade colectiva. O Governo, em matéria de iniciativas anti-crise, vai para além das intenções, estados de alma e generalidades. O OGE 2009, que só agora pude analisar crítica e exaustivamente, traz almofadas sociais, económicas, financeiras e fiscais, para mitigar os efeitos da crise e aguentar, com alguma segurança, o volta-face do crescimento sustentável. Por conseguinte, vislumbram-se medidas sérias e práticas para atenuar, de imediato, os efeitos desta crise sobre os investidores estrangeiros, os empresários nacionais e os mais carenciados. É que, a par de crescermos imperiosamente a 2 dígitos, o grande desafio será também inverter a linha de rumo que aprofunda as desigualdades sociais e limita os direitos dos mais desfavorecidos, isto é, reduzir o desemprego a 1 dígito. Pedra a pedra, José…

domingo, 15 de março de 2009

Quem me roubou o tempo

Quem me roubou o tempo que era
um
quem me roubou o tempo que era
meu
o tempo todo inteiro que sorria
onde o meu
Eu foi mais limpo e
verdadeiro
e onde por si mesmo o poema se
escrevia

Sophia de Mello Breyner Andresen

quinta-feira, 12 de março de 2009

Glosa

Quem me roubou a minha dor antiga,
E só a vida me deixou por dor ?
Quem, entre o incêndio da alma em que o ser periga,
Me deixou só no fogo e no torpor ?


Quem fez a fantasia minha amiga,
Negando o fruto e emurchecendo a flor ?
Ninguém ou o Fado, e a fantasia siga
A seu infiel e irreal sabor...


Quem me dispôs para o que não pudesse ?
Quem me fadou para o que não conheço
Na teia do real que ninguém tece ?
Quem me arrancou ao sonho que me odiava
E me deu só a vida em que me esqueço,
"Onde a minha saudade a cor se trava ?"



Fernando Pessoa

quarta-feira, 11 de março de 2009

A sério e Entre-Nós


De repente

De repente, não mais que de repente, como diria o saudoso Poeta Vinicius de Moraes, dou comigo a navegar num mar enfarpelado e quase a servir de arma de arremesso de uns contra os outros. Bem avisara o Poeta Pablo Neruda, quando a Brutalidade (com maiúsculas, com maiúsculas, meus caros) lhe fora revistar a casa, que a poesia era uma bomba. Mas, agora a sério e Entre-Nós, o que acontece neste nosso reinozinho “da Dinamarca”? De repente, não mais que de repente, ora abusando do dístico poético do saudoso, dou comigo a rever os escritos, as atitudes e as latitudes. Tão transitivas têm sido as palavras das minhas crónicas! Quão esquizofrénicas as semânticas que se me soltam entre os dedos de ser poeta! Olho-me ao espelho, virtude que, sem falsas modéstias, acompanha este cronista e arredio caminho. Descontinuar o plano de voo, jogar a bússola e o GPS borda fora, andar, se preciso for, como os caranguejos e os kutumbembens. Descontinuar, desconstruir, desfragmentar. Reformatando. De forma mais soft. Há que ser menos medíocre na vida, ora. Há que saber ouvir a 9ª Sinfonia, de Beethoven, e permanecer na fímbria dessa elegante harmonia. Fácil é estar na aldeia com ares de chefe de posto ou de sabichão de serviço, sendo o conhecimento frágil e o poder biodegradável. Sendo o drama da força, a comédia da sua resistência. Sendo a própria escrita algo a se colocar em crise e em crítica. O passo em frente, não que eu seja fã de Lenine, embora lhe respeite o feito histórico (que atrevimento!), só se compadece aos dois passos de retaguarda. Com perdão pelo hermetismo. Convencem-me do hermetismo. Seja. Vejo-me mais intimista que hermético. Vejo-me poeta, sem que isso me faça melhor ou pior que o vulgo. Ordinary people. Ordinary man. Por isso, não haverá hostilidades. Não será por aí, com toda a certeza. Nem haverá glória (referindo-me aqui à alma que não se vai à lama, posto ser lixo o luxo), e tendes prova disso, no fazer as guerras alheias. Saio de fininho pela porta por onde entrei. Saio com a lisura da sombra, com que a sombra respeita o seu silêncio. À mímica. Longitudinalmente…

Luazinha

Uma luazinha tímida invade as minhas horas. É quando escrevo crónicas assim. Sem causa, nem consequência. E sendo redundante, quase chato: longitudinalmente!



sábado, 7 de março de 2009

Duas notas


Identidades e ®econstrução
Abraão Vicente, ele próprio ®econstruído, apresenta uma exposição conceptualíssima de uma plástica (artística, diga-se desde logo) sobre os passaportes e seus portadores, provocando, pelo intimismo implícito à mostra, leituras de alteridade dos tempos e lugares. Numa adenda distribuída em volante, o artista afirma que "Os objectos/documentos «são destruídos (reconstruídos - reconstituídos) sobre papel de aguarela de 297x420mm e devolvidos a um ‘Frame', que é a própria moldura, que se reconfigura como um novo documento de identificação". Entrementes, e para além desse "framework" que desafia tudo que seja moldura, é o Abraão Vicente, ele próprio, ora mais do que outrora, imprescindível.
A conferir: Identidades e ®econstrução, no IC-CCP da Praia, Cabo Verde, de 5 a 18 de Março
Tão cedo desta vida descontente
Eis que a minha alma destes tempos mais tristes se dá conta, já com o absurdo de uma dolosa nuvem, da morte prematura de Luís Freire Lima (Mr. IVA). Tão cedo desta vida descontente, como escrevera o nosso Poeta Maior Luís Vaz de Camões. Morte prematura, repito. Estivemos juntos, há duas semanas, em Portugal, onde era ele responsável pela secção financeira e administrativa da Embaixada de Cabo Verde. Tive o prazer da sua cordialidade e da sua inteligência, atributos que aquilatavam o seu convívio com todos. Eis que perdemos um "cavalheiro de fina estampa" e que amávamos incondicionalmente. Luís Freire Lima coordenou a Comissão da Reforma da Tributação sobre a Despesa, no Ministério das Finanças, responsável pela introdução do IVA, em Cabo Verde. Palmas, muitas palmas, para o nosso amigo Luís Freire Lima, Mr. IVA...

quarta-feira, 4 de março de 2009



Da antiga fotografia

O que aconteceu (e acontece) na Guiné-Bissau, independentemente das razões, a todos entristece. Mais do que isso: ensombra-nos. Que o processo de complots e morticínios face parte do processo histórico desse País, isso já o sabíamos. Paira no ar o cheiro nauseabundo dos cadáveres e dos vivos, que à causa da política, virão a ser assassinados. Da antiga fotografia, tirada em 1975, à família revolucionária, todos foram morrendo “de morte matada”, pela severina fatalidade da ganância e da arrogância. Os últimos eram Tagme aa Wie e Bernardo (Nino) Vieira. O primeiro morreu a 1 de Março, num atentado à bomba. E o segundo (para fechar o drama de tal fotografia) morreu, esquartejado e baleado, a 2 de Março. O que se possa dizer desta história, alguém conte o seu conto. Oxalá, já sem a maldição fotográfica, seja desta o fim do ciclo da violência.

Solidão roubada

Tenho um amigo sob uma tremenda provação, mercê das calúnias e da maledicência. Sem entrar no demérito de certas acções, aqui se ergue o amigo à antiga. Não seremos ouvidos para ruídos alheios. Nem seremos tolerantes à desfaçatez de “interessados”, quando escondidos sobre anonimato, mas com respaldo de certa imprensa e de certa facção que enquista o sistema, tentam montar uma realidade. Creiam que o cronista não vos será tecelão sem fio. A meada não nos aquietará para o amanhã que se apronta, posto que ninguém tem o direito de nos roubar a solidão.

MULHERES DE VERDE

(POEMA DE ALMA DOFER CATARINO)


Como doem as mulheres
vestidas de verde!

Vestem-se de verde
as mulheres da minha dor
quando se travestem
de mulheres perdidas


Vestem-se de verde
as mulheres dos meus amores
quando se mascaram
de poetusas pedintes
perdulárias poetisas
carentes pitonisas


Como doem as mulheres
vestidas de verde!

Vestem-se de verde
as mulheres dos meus ardores
quando esbeltas amantes
fêmeas insones
ardentes predadoras
se transfiguram
em húmidas alucinações
em mim branco delas
esculturais sob a impura
e sonolenta cumplicidade
dos lençóis lascivos

Como doem as mulheres
despidas do verde!

Despem-se do verde
da máscara e das suas fulgurações
as mulheres dos meus alvores
quando discretos emboscamos
os íntimos medos os seus pavores
e devoramo-nos
e ressurgimos
límpidos e fogosos
os risos lúbricos
amplos cristalinos

Queluz e Lisboa, Janeiro de 2009

segunda-feira, 2 de março de 2009

Nino Vieira

Morre Nino Vieira, Presidente da Guiné-Bissau. A morte de Nino Vieira está a ser vista como consequência do atentado que vitimou, também ontem, o Chefe de Estado-maior das Forças Armadas guineenses, Tagmé Na Waié. Nino Vieira, outrora Kabi, era um dos Combates pela Liberdade da Pátria Guineense. O malogrado Presidente era, entretanto, controverso até ao infinito. Personificava ele a transmutação perversa do libertador para o déspota. Mas importaria agora analisar a sua figura à luz de uma outra (e maior) complexidade. As análises fáceis e apressadas são medíocres em si mesmas. Fisiologicamente, há que entender todos os meandros da situação. É o regresso da instabilidade nesse País. Em como isso afectará Cabo Verde será uma matéria para a reflexão de todos. É uma grande ângustia a situação em Bissau com o reinstalar do círculo infernal. Quo vadis?

Março

São as águas de março, abrindo ou fechando não se sabe que estação. Entretanto, na Guiné-Bissau, um atentado à bomba mata o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. Dirás que Março é o Mês de Teatro. Tão saudável (e necessário) como mais este feito do Mindelact ser-nos-á o Creole Jazz Festival, na cidade da Praia, um joint entre a Edilidade da Capital, a Harmonia e a UniCV. Interessante a entrevista de Tchalé Figueira, com o fogo da irreverência. O meu velho hábito de ir aos Blogs logo de manhã, mesmo quando em Lisboa, com olhos postos no Parque Eduardo VII. O terminar um memorando de trabalho, começado às 5 da matina, sobre os impactos da crise internacional em Cabo Verde. Eu também não perderia a poesia da Bloga. A confrade de Soncent, por generosidade, diz que queria escrever como o Albatroz. Ora, não seja a minha amiga tão modesta. Ademais, escreveria como forma de rir e de chorar. Tal qual o poema Vaca Profana, de Caetano Veloso. Águas deste março ainda de trémulo começo...

Êxtases

De todas as estradas, algumas por andar,
As de sinuosa curva das palavras, a mais íngreme,
Com metáforas penduradas ali no peitoril,
São as que, por visceral, me motivam à Poesis

Não te direi tudo dos verbos, de como,
No topo de abril, dos carapetos e cumes,
De outros parapeitos, onde a semântica, ciosa,
Se refugia silenciosa entre mim e o nada …

Virar, em passe de mágica, as cores de avesso,
Transmutar, pelo reverso, fiapos soltos de rosa,
Prosa que também se solta às flores que voam…

Olhar, quando não sentir, só o das borboletas,
O dos arfares na calada e o dos suores receosos,
Deste recheio do êxtase, de tudo ser nada disto…





Filinto Elísio