Zeca Correia em Copley Place
Foto Mito Elias
Morreu Zeca Correia e a crónica, que esta semana já havia marcado o seu caminho, resolve ser outra. Ele estava doente, muito doente, há algum tempo. Mas a forma brava e estóica como enfrentava o câncer, nos apartava, por vezes, dessa ideia da morte. Esta apanha-nos sempre de surpresa. Absortos no meio da vida. Caídos na amnésia sobre o fim das coisas. Sem condições de fazer a cerimónia do adeus. Há dias, havia mandado uma carta, doando, absurdamente, palavras. Enfim…
Fortaleza, 11 de Fevereiro de 2007
Zeca, meu bom amigo
Há momentos em que as palavras perdem significado. Elas ficam fragilizadas e debilitadas quando as circunstâncias são excessivas. Diante da grandeza da vida e do mistério da morte, as palavras ressoam pequenas, encurtadas e, se calhar, até imprudentes. Entretanto, não tenho senão palavras para te dar força neste momento de privação e de luta corajosa contra a morte. Digo luta corajosa, pois soube, pelos nossos amigos comuns, que és um homem bravo. Enfrentas tudo com fé e estoicismo, o que me dá um enorme orgulho de ti, meu amigo.
Às vezes, revejo aos detalhes os nossos momentos passados juntos. As horas de festa e como celebrávamos a vida com alegria! Quase sempre com alegria exagerada, caríssimo. O bom vinhaço, a comida pantagruélica e a excelente música. Não me esqueço de quando fomos ver juntos Dee Dee Bridgewater, Lou Rawls e Ray Charles, no Waterfront, em Bóston. Nem dos teus olhos de alegria no Newport Jazz Festival.
A tua lembrança estará sempre ligada ao momento quando te desafiei a criarmos um programa de rádio e tu logo topaste a ideia do GPM. E da primeira vez que topámos que a Ambrizeth – Babosinha, para os mais chegados – tinha uma voz de rouxinol e que poderia dar aulas de inglês no nosso programa. E eu escrevia “Factos”, pensando no teu timbre de radialista, meu amigo. Outro momento alto, fora o dia em que criámos a Conferência Amílcar Cabral, na velha casa de Lower Mills. Pelos vistos, o “petit comité” alargou-se e a Conferência está a dar os seus frutos. Grande iniciativa.
Lembro-me do carinho que devotas ao Denzel, que adorava, de fraterna amizade, o “Tio Zeca”, o mesmo carinho que eu devotava ao Nuno, recém-chegado das ilhas. Mas o melhor de ti, meu bom amigo, registei-o hà pouco tempo, e tu já entrado nessa maldita doença que nos perturba a todos, quando a minha mãe faleceu. Eu havia ido do Brasil para Cabo Verde e não é que recebo o teu telefonema, com uma lição de amor e de humildade que jamais esquecerei. Devo-te agradecer por isso. Disse-o a todo o mundo e todos, sabendo do teu quadro de saúde, passaram a te admirar muito. A superioridade das pessoas é de facto moral e o resto é história.
Vou pensando no Dylan, no Nuno e na Nadine, tua e nossa gente, por quem teremos sempre amizade e devoção. Vou pensando nos meus filhos, Denzel e Pablo (havias de conhecer o pequenote, meu velho), a matutar esta vida que deve ser vivida com grandeza moral e muito amor. Como eu receava, meu bom amigo, acabei por escrever uma série de palavras, mais de significante que de significado. A sua semântica fica “debole” diante das circunstâncias. Força, muita força. Coragem e fé. Cada dia de vida é um ganho para todos nós. O jeito é vivermos, para lá da doença e da dor. Tirar o melhor partido de cada momento. E, sobretudo, amar muito.
Pois, vem aí estes ossos para um grande abraço. Eu te amo muito, muitíssimo, meu bom amigo.
Filinto
Zeca, meu bom amigo
Há momentos em que as palavras perdem significado. Elas ficam fragilizadas e debilitadas quando as circunstâncias são excessivas. Diante da grandeza da vida e do mistério da morte, as palavras ressoam pequenas, encurtadas e, se calhar, até imprudentes. Entretanto, não tenho senão palavras para te dar força neste momento de privação e de luta corajosa contra a morte. Digo luta corajosa, pois soube, pelos nossos amigos comuns, que és um homem bravo. Enfrentas tudo com fé e estoicismo, o que me dá um enorme orgulho de ti, meu amigo.
Às vezes, revejo aos detalhes os nossos momentos passados juntos. As horas de festa e como celebrávamos a vida com alegria! Quase sempre com alegria exagerada, caríssimo. O bom vinhaço, a comida pantagruélica e a excelente música. Não me esqueço de quando fomos ver juntos Dee Dee Bridgewater, Lou Rawls e Ray Charles, no Waterfront, em Bóston. Nem dos teus olhos de alegria no Newport Jazz Festival.
A tua lembrança estará sempre ligada ao momento quando te desafiei a criarmos um programa de rádio e tu logo topaste a ideia do GPM. E da primeira vez que topámos que a Ambrizeth – Babosinha, para os mais chegados – tinha uma voz de rouxinol e que poderia dar aulas de inglês no nosso programa. E eu escrevia “Factos”, pensando no teu timbre de radialista, meu amigo. Outro momento alto, fora o dia em que criámos a Conferência Amílcar Cabral, na velha casa de Lower Mills. Pelos vistos, o “petit comité” alargou-se e a Conferência está a dar os seus frutos. Grande iniciativa.
Lembro-me do carinho que devotas ao Denzel, que adorava, de fraterna amizade, o “Tio Zeca”, o mesmo carinho que eu devotava ao Nuno, recém-chegado das ilhas. Mas o melhor de ti, meu bom amigo, registei-o hà pouco tempo, e tu já entrado nessa maldita doença que nos perturba a todos, quando a minha mãe faleceu. Eu havia ido do Brasil para Cabo Verde e não é que recebo o teu telefonema, com uma lição de amor e de humildade que jamais esquecerei. Devo-te agradecer por isso. Disse-o a todo o mundo e todos, sabendo do teu quadro de saúde, passaram a te admirar muito. A superioridade das pessoas é de facto moral e o resto é história.
Vou pensando no Dylan, no Nuno e na Nadine, tua e nossa gente, por quem teremos sempre amizade e devoção. Vou pensando nos meus filhos, Denzel e Pablo (havias de conhecer o pequenote, meu velho), a matutar esta vida que deve ser vivida com grandeza moral e muito amor. Como eu receava, meu bom amigo, acabei por escrever uma série de palavras, mais de significante que de significado. A sua semântica fica “debole” diante das circunstâncias. Força, muita força. Coragem e fé. Cada dia de vida é um ganho para todos nós. O jeito é vivermos, para lá da doença e da dor. Tirar o melhor partido de cada momento. E, sobretudo, amar muito.
Pois, vem aí estes ossos para um grande abraço. Eu te amo muito, muitíssimo, meu bom amigo.
Filinto
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