domingo, 18 de fevereiro de 2007

A Arte do Carnaval



A Arte do Carnaval

Fique bem claro que adoro o Carnaval. Não o Carnaval de pacote turístico, dos desfiles plastificados para o inglês ver, mas o autêntico, com originalidade e raça. Tão pouco me alinho nessa exploração comercial da fruição crioula, quão entraria de cabeça nessa imaginação colectiva de transfigurar o dia-a-dia. Nada de moralismos. Meus amigos, não se quedem assim puritanos e furiosos face à perda da fiscalidade do corpo. Ademais, para além da objectividade da carne, da pulsão e da cor, o corpo é uma grande subjectividade da Arte. Fique bem claro que adoro a Arte. Do Carnaval…



Bá timbora, bá timborinha…

O Mito desafia-me de novo a escrever sobre os Carnavais da cidade da Praia. Não em referencia, nem em oposição, aos Carnavais doutras paragens. Até porque Carnaval é sempre diferente em cada lugar e em cada tempo. O melhor Carnaval da minha vida não aconteceu no Rio de Janeiro. Terei largado o desfile do Sambódromo para passar o Fevereiro em São Filipe, na ilha do Fogo. O que a juventude não apronta? Naturalmente que a cidade não estava tão “modernizada” pelo actual génio autárquico, de pronto denunciada pelo meu amigo Fausto de Rosário, razão porque dava gosto acompanhar os mascarados pelo Presídio. Mas o melhor Carnaval da minha vida, passei-o de facto na cidade da Praia. O Mito de cara pintada, como um índio psicadélico. Índividuo de trinta reis, esse aí. A banda louca do Gugas Pastor, Zé Pitadinha e Sanna Pepper. O Teacher e o Eduardo Balula, meu Deus. E a malta do Plateau, ainda não tão esburacado assim, nem tão assaltado pelos “vindos do baile”, a cantar (sobre coisas que ainda hoje precisamos exorcisar): “Polísia associadu, bá timbora, bá timbora, bá timborinha"…

Bloco do Infante

De repente, desfila diante do Pranchinha a ala das caravelas. O Bloco do Infante, com marinheiros e escravos, instrumentos náuticos, coisa e tal. Do promontório de Sagres, a famosa Escola das Navegações, diz o Pranchinha que a História está mal contada. Mestre e administrador da Ordem de Cristo, para substituir a extinta Ordem dos Templários, o Infante Dom Henrique foi, de uma certa perspectiva, um génio. Ele administrou pilotos e cartógrafos, armou frotas de longo curso, obteve o senhorio das ilhas atlânticas e conduziu a expansão lusa até Serra Leoa. Pois é, a ala das caravelas. Nhaku tánbi…

Bloco de mulher pelada

Esse Carnaval de mulher pelada nada tem a ver com a democracia e a modernidade, mas sim com o turismo sexual, pois de há muito que os homens do dinheiro descobriram a mina de ouro que significa a mulher nua. A submissão da identidade em troca de euros e dólares. Importaria não apenas subverter a máscara do folião, mas esta triste realidade de crime e crueldade. Posto isto, difícil é não mirar o que passa pela avenida…

Brincadeira de Carnaval

Carnaval não é brincadeira, mas sim coisa séria. É um fenómeno social anterior à era cristã. Na antiguidade egípcia, grega e romana, as pessoas celebravam o excesso e a libertinagem, bem à maneira do Entrudo. Esse celebrar exigia máscaras e outras transfigurações sócio-culturais. Melhor que isso só a quarta-feira das Cinzas, não porque marca o arranque da Quaresma, mas porque é dia de mel e cuscuz, coco ralado e queijo de cabra, trotchida, peixe seco e legumes cozidos, xerem e axim. Uzul terra! E tudo isso…é lembrança que também guardo da minha mãe.

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