segunda-feira, 31 de maio de 2010

De nascer assim sem alvoroço


   Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.
Guimarães Rosa


Ele nascera num ano que nem digo, mas (fala-se tanto) de um mês de nuvens baixas. Fala-se também do plantio ansiando as águas. E do mulherio querendo outras estações que não aquela. As que amaciassem flores e, depois, parissem frutos. Viera pelas mãos de um médico, que era já poeta, mas entendido como terrorista pelo Governador local e pelo Pároco da cidade que, à noite, fazia-se de Joker daquele, como se sussurrava então. Nascera sem grito – nem dele, nem da mãe, angustiada de homem aprisionado, também visto como terrorista. O nascer sem grito era a marca daquele momento de natividade e a parteira velha, prendada como era, dissera, de voz bem baixa: se salvar, este menino vai ser poeta. E talvez comece assim, sem alvoroço algum, a história do nosso protagonista. Profetiza ela, esse médico virou poeta famoso. E o menino, mais tarde transmutado em palavra, jamais teve outra casa, por mais tectos que encontrasse. Poesia seria o seu único abrigo. Banhado ali em sangue e noutros vagidos de sua primeira casa, o menino propiciava o seu deslizar de brisa pela vida…

domingo, 30 de maio de 2010

Ao desconcerto do Mundo

Os bons vi sempre passar
no mundo graves tormentos;
e, para mais m'espantar,
os maus vi sempre nadar
em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
o bem tão mal ordenado,
fui mau, mas fui castigado.
Assim que, só para mim
anda o mundo concertado.

Luís Vaz de Camões

sábado, 29 de maio de 2010

um

Cai um sino do pinheiro de natal.
Por muito menos se foge de casa
de seus pais. Agachados sob o leque
das hortênsias, descobrimos que as lágrimas
são fáceis de engolir. Sem saber,
já chegamos ao escuro.
Só nos falta pôr o til na palavra solidão.

josé miguel silva
vista para um pátio seguido de desordem

quarta-feira, 26 de maio de 2010

JANEIRO/FEVEREIRO

Calendário Philips 1980


Nem só a cav
idade da boca
Nem só a língua
Nem só os dentes
e os lábios
fazem a língua
Ouça
as mãos
tecendo a língua
e sua linguagem
É a língua
têxtil
O texto
que sai das
mãos
sem palavras

Décio Pignatari

terça-feira, 25 de maio de 2010

O voo do Poeta

O voo do Poeta

Voa o pássaro na sua alvura, na sua inteira condição de pássaro. O seu existencialismo é natureza. O pássaro não voa para ser livre. Voa porque é natureza. Assim como não canta, porque sua anima é aquela de se comunicar o que aos homens encanta. Quem voa para além do pássaro é o Poeta. Que se prolonga no desejo da liberdade, quase na sua anti-natura, é o artista. Quem canta é o ser humano, amarrado entre os anjos e os demónios, no desconcerto dos momentos. Do quinto dos infernos, não nos salvaremos, mas, convenhamos, a vida é de se louvar. Seja o inferno...e daí? O nosso errático jeito de estar no mundo é a metáfora com que a ele nos damos. Tergiversar não dá. Tergiversar acontece-nos, pequeníssimos que somos diante do voo. Entrementes, voa o Poeta na sua sinecura, na sua fragmentada condição de não pássaro.

A solidão das cavernas frias

Às vezes, bem á maneira de Guimarães Rosa - escritor que relíamos no âmbar das noites -, instalava-se em nós essa solidão das cavernas frias. Não que estivéssemos fisicamente distantes. Ou à mão do afago e do amasso. Diria até que me cadencias com o teu fôlego. Diria ainda que eras animal escondido aos meus olhos que te encontravam. Bem à essa maneira, instalava-se-me esse sentimento de solidão, esse vazio que me apanhava pela rama das coisas. Outras vezes, parecia perfeito tudo. Ou quase perfeito, já que me retomara aos blogs, aos poemas, à poda das plantas (begónias, alecrins, rosmaninhos, roseiras e aos bonzais de malaguetas) no recorte da sala, ao cooper vespertino na marginal. Retornara-me a recompor os pratos do mundo e tirar do forno pão quente à beira de um vinho por abrir. Quase perfeito, porque o sol cumpria a beleza do sol-posto e eu percebia, como naquela música de Eugénio Tavares, haver amor no entardecer da idade. O mundo existe e a existência das coisas (dos seres, sobretudo) impõe limites aos sonhos e às vontades. Todavia, à varanda, de onde olho para o longe, tacteiam à minha mentes os versos de Manoel de Barros: Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas - é de poesia que estão falando. Ah, ser livre para outros olhares, saberes, pensares…

O silêncio dos bons

Hoje, Dia da África. A cidade de Salvador acorda divina. Com o marulho da orla marítima do Farol da Barra. Para além da religiosidade que se emana desta hora, o que me profana é o querer abraçar o mundo. O grito dos maus perpassa nos jornais, na rádio e na televisão. Dói-me este maniqueísmo meu de destrinçar os bons dos maus. De haver bons e maus em mim. Esta angústia de também classificar, catalogar, indexar. Havendo razões diversas, todas frágeis entretanto, por suposto umas serão menos irascíveis que outras. Aquela de resumir a África em futuro adiado, não me motiva, nem me mobiliza, A dialéctica em processo, não só recusa o fim da história, como reafirma a reformatação das grandes mudanças conceptuais e estruturais. Qual o desafio? Fala-se do afropessimismo, do continente perdido. Quero ouvir as outras vozes. A pedagogia da esperança. Murmura-se longe. Quais os caminhos da África? Temos de procurá-los com fé, entusiasmo e perseverança. Com causa e consequência. Pontuo a frase de Martin Luther King Jr.: O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons…

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Força di Cretcheu

Ca tem nada ness bida más grande qui amor

Si deus catem midida, amor ainda ê maior
Amor ainda ê maior, maior qui mar qui céu
Ma d`entre otros cretcheu, di meu ainda ê maior.
Cretcheu más sabi, ê quêl quê di meu
Ele ê quê tchábi qui t`abrim nha céu
Cretcheu más sabi, ê quêl qui'm crê
Ah s`m pêrdel mort dja bem.
Óh força di cretcheu abrim nha asa em flôr
Dixam alcançá céu
Pám ba odjá noss senhor
Pam ba pidil simente d`amor
Sima ess di meu, pam bem dá tudo djenti
Pa tudo bem conchê céu.

Eugénio Tavares

domingo, 16 de maio de 2010

Valsa Brillante (Sounds of Hudson & de sacu_didela)

(Uma bandeira é um pedaço de pano, irmão)





Mas,
de
sacu_didela,
como está afoita ao vento,
as estrelas caem-lhe por terra
e resvalam-se-lhe (presumo hinos
e alvíssaras)
pelos cueiros
…cidade de drenagens entupidas!


é de quando (nem chove),
assim,
comem-nas terras
- elas, aquém do esteio
e feitas bocas -,
afagos,
tragos
mostos sem medida
comem-nas mátrias,
com queijo e fiambre,
nos detalhes,
intimidades
e territórios;



(Uma bandeira de céu, de mar e de sangue, irmão?)





Mas,
de
sacu_didela,
como se liquefaz seu vermelho,
seu maluco azul, de céu e mar
e menstruam-lhe (a cada mês
o arquipélago não fecundado)
disfuncional útero
…cidade de útero removido!


é de quando,
assim como aos oceanos,
as ilhas ficam
- às tantas, que se perdem
pelo estio das estrelas -,
mas de morderem também,
ou comendo-as ainda
(com preservativos)
as ilhas são frutos secos,
amêndoas do destino,
caroços e destroços,
cancerígenos trópicos
pátrias
e cloacas outras…


 
Filinto Elísio
in Me_xendo no Baú. Vasculhando o Ú

sábado, 15 de maio de 2010

E o pombo que resta

foto Islandboy Buzios



ao Mito, pelo colombalfabético comentário


Dois pombos no J
Mais dois no U
O S leva um
Aparta o T um
Um Colombo no I
Ça vas de deux
O A de fuckin one

O pombo que resta
solitário no beiral
é aquele que espera
cagar no besteirol

Uma puta de olhos vendados
e balança, numa das mãos,
alheia à colombalfatica,
diz-se Justiça em letras todas

E o pombo que resta?


Filinto Elísio

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Estação da Liberdade

(plataforma de embarque: destino Tucuruvi)


parto (de mim) nesse cais
e dou luz ao silêncio;


reluza outro no espelho
que eu bem me viro;


silen_ciosamente
a partitura da quebra:
   vidro
      ladrilho
         e silício...


É do metrô que passa!


Filinto Elísio
in Me_xendo no baú. Vasculhando o ú

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Pelas muitas águas do Nilo

Escreva eu mais que sonetos, à beira destes dias; versos livres, à-toa e à macheia, que, em diversas prosas, mariposas virando borboletas e metamorfoses outras (como as de kafka, por exemplo), não sejam em mim, para além do equinocial momento, as noites iguais aos dias. Aquelas, mais do que estes, são mil e uma, com Sharazade a contar histórias. Mas que os dias, aqui de repetida, possam também voar, em navegantes, suas palavras irrepetíveis de muitos sóis. Escreva-lhes, pois, sem estorvo, quem o possa fazer, expulso ele ainda desse paraíso, em sina de no-la devorado - a maçã em sêmea sua, diria. Subjazem, de recordar teu corpo e o travo Agosto de como te amava, o espartilho e o pó jogado ao vento, nós como o mito egípcio de Osíris. Subjazem sim os bocados de nós em tal esquartejar pelos desertos e o tempo, sendo brisa, que nos espalhava pelas muitas águas do Nilo, o não haver para o sonho outro rio que não aquele...

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Estrelas que las hay

Há estrelas, mas isto está mau. Recorrente esta síndrome da página em branco. Não que me fuja assunto para escrever. Trivialidade é o que mais há. Basta escutar ao que se diz na mesa vizinha. Frivolidade, isto é pai-nosso de cada dia. Os presentes se deliciam com a dança de um doente mental. Quotidianidade também não falta à parvónia. Há sempre, algures, uma violação e um espancamento. Nem que me falte algum engenho para o retratar. Arte, às vezes até escasseia, posto que sem inspiração o próprio empenho se esvai pelo ralo. Engenho é o que se vê nestas mal traçadas: sujeito, predicado e complemento directo assentados nos seus sintagmas. Pronomes todos nos lugares cativos. Se invertidos estes, creia-me o leitor, é para me assentarem com uma musa à mesa. Ela é tupi-guarani. E campo verbal conciso, naturalmente. Aprendido da cartilha e retocado na gramática de José Maria Relvas, com muita honra. Ao tempo que isto já não foi. Sobretudo, bem concordante. A síndrome de página em branco, dizia, é uma coisa bem mais freudiana que adverbial. Difícil de se explicar ao leitor. De repente, cai-nos em cima uma cegueira daquelas, um branco de alvura louca. Total blank. Em blackout 100% e com direito a chamadas e sms à borla. A página, mais precisamente, o monitor fica à mercê do nada. Estou apagado, penso. Deleted, mano. Apagado por um trovão, como diria JLT, água ardente, do melhor conhaque. Ou preso no elevador avariado do meu prédio. Navegando em mar da proseia: o twitter, o feed, o badoo, tu no facebook, tudo no ralo, companheiro. Quase que desenho (ou escrevo?) um grafite no mural de mim próprio e levo-me aos arrabaldes à exposição das tribos urbanas. Pichação total. Dos pacóvios estamos todos conversados. E, já agora, de quais thugs falava Vossa Senhoria? Dos thugs à moda antiga, thugs de colarinho branco, thugs betinhos e copos de leite, thugs líderes e jotas, thugs suburbanos, da pobreza e da droga, ou thugs (destes, com griffe e tudo, mais que não me toques) absolutamente filhos da égua? Vai-se ao cujo dos marmanjos e não se fala mais do afluxo. E agora, estou eu a descambar. Com a pequeníssima burguesia não se brinca, nem se lhe avilta o discreto charme. Chatíssima burguesia do capitalismo tardio, selvagem e marginal. Todos nós, que a terra come, devíamos ter lisura uns com os outros, usar capa e espada e mais indumentária. É que usura não paga o pão que diabo amassa. Não sei se fiz prosa criativa, crónica ou raio que o parta. De certeza não ousei hip-hop, pois a barulheira também me cansa. Não me cansaria só da morena, essa dos Ilhéus que se inculca de dar venturas e curar feitiços. Dessas que estão nos livros de Jorge Amado. Com ela a vida fluiria até numa casinha de palha, “bofetão” e taipa. No amasso que isso era mais giro, com beijinhos e coisas que nem digo, assim de permeio, e as manhãs haviam de nascer azuis nesta pele que é minha. E eu semelhando, ainda que de soslaio, as estrelas que las hay…

domingo, 9 de maio de 2010

Tudo de tal lavra

O labor poético é um lampejo da razão e da emoção. Esta e aquela repartem, ela por ela, o talento de quem escreve. E, salvo engano, a metáfora aflora-se-lhe, ora da tristeza, ora do contentamento; entretanto, sempre pela clarividente presteza de um saber atento. Camões vaticinava-o nesse cruzamento entre o engenho e a arte. Borges descortinava-o pelos intrincados labirintos de uma biblioteca. Arménio, cá da urbe, via no Poeta (em figura de Pessoa) um calceteiro muito lido. O que ressoa em mim – já que verso pode ser diverso, mas poesia sempre uma estranha cotovia -, é a vertigem de se confeccionar o prato sem receita e a liberdade de se dispor, em quanto baste, tudo da palavra.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Bonzai #1

1.

O Big-Bang, explosão dita do começo, foi um arremesso de Deus. Tal estrondo, re-experimentado aí há tempos perto de Genebra, por tamanho alvoroço, máquina de trovar trovão, também era Ele. E, quanto ao resto: o polvilhar das estrelas, o encantar da lua e mesmo tu assim nua – extasiada pelos encantos do vão ao átimo -, presumo ainda ser o Criador, cosmogónico como só Ele, de reinventar tudo pela Palavra. E dela, não escondeis, que se sabe, a Nomenclatura…

2.

Mas, às vezes, no silêncio dos montes, a impressão do arremesso persiste. Uma espécie de abraço do cosmos ao caos. Algo a elogiar o infinito. A sensação de infinitude que só as ilhas emprestam. Talvez desista Ele disto tudo. Moisés partiu do Egipto, mas não chegou à Terra Prometida. Ficou pelo caminho. Zion train, canta alguém em desespero. Há gente que procura Babilónia de autocarro. Eu apenas perscruto teu corpo com GPS. Queria lá eu descortinar teu Ponto G! Apenas pressentir ali o halo do Criador já era todo o meu querer…

terça-feira, 4 de maio de 2010

arre_pendência

(Em consoante S)



exílio
S lírio
de cílio
e de você
esse delírio


broxa rima
sapo coaxa
a cantoria


bão babalão
senhor capitão


acha o povo
seu
k
minho


mas
não me piches
no graffiti
nem me_gapixels
em photoshop


existencializa-te
cristaliza-te
upgrada-te


ta te ti to tu
ou
tu to ti te ta


(andas maluco tu)


esse exílio
esse lírio
e o suicídio


o triunfo
dos suínos


vem irmão
canta irmão
encanta irmão


bão balalão
cabeça de cão


      o hino
      da
      liberdade


arre
égua
mula
e burro
moribundo


bão balalão
não tem coração


que me arrepia
tanta areia


e
mundo


viva sartre
arte
tarte de limão
&
consorte

queres beijo
ou
pão de queijo?


Filinto Elísio
in Me_xendo no baú. Vasculhando o ú









es_culpindo

em tua sombra


és Cupido
rés de tudo
   tu de côncavo
      eu de cravo
         (e despido)
            semblante teu

trava-me
assim
teu desplante
e tal desfrute
   o que me assombra
      e me alumbra

fostes tu
- que rente
como pente no cabelo -
fê-lo
   enfim
      ao de leve

E

na penumbra
esse olvido
de repente
   a
      se
         es_culpir…


Filinto Elísio
in Me_xendo no baú. Vasculhando o ú

domingo, 2 de maio de 2010

Alma das borboletas

A Joilson Portocalvo, por falarmos as mesmas línguas:
a poética e a portuguesa. 


Gosto de ficar silencioso à varanda e sentir a imperceptível alma das borboletas. Os leitores já alguma vez sentiram a alma das borboletas? Eu tenho-me tornado num homem distante. Em estado zen, procurando Nirvana. Tenho estado muito no meu canto e nunca dono das vossas enormes e caudalosas verdades. Não entro em tertúlias convosco para ganhar. Já agora ganhar o quê? Até tento partilhar o meu ponto de vista, numa de apenas colocar a minha mão amiga, deixando ao outro a sua opinião. Não vejo grandes motivos para vos impor a minha. E, em boa verdade, que diferença faz essa fugaz vaidade de vencer uma polémica? Das borboletas, queria sim…a alma.

Acontece que alguém toca clarinete no meu apartamento. É o CD de Geraldo Pessoa, tocando no meu Lap. Edith Piaff nos telhados de Ouro Preto. Acho que me enlouqueço neste vagar -  trilogia tão psicótica quão filosófica: Deus, Tempo e Morte -, não apenas porque danço sozinho e há um ronrar debaixo da minha cama. Ou, no Albatrozberdiano, policiando os confrades meus textos e subtextos. Mas porque estou mesmo para o nostálgico, a querer a leveza das crónicas e, tal como Job, o sentir quanto pesa o mundo às costas. Clarinete no meu apartamento, dizia-vos. Esse Affonso Romano de Sant’ Anna, com quem partilhei a mesa na Bienal Internacional do Livro do Ceará 2006, em Fortaleza, e de quem me tornei quase confidente, queria une petite légèreté às minhas crónicas. Devo reconhecer que, mesmo estando estas mais fluidas ao clarinete, a vida é que me tem sido pesada.

A vida, isto de repente, é um lugar escuro. Está-se sob um absurdo cerco kafkiano. Apetece: sair por aí a disparar, como um desvairado? O orgasmo de calar uma metralhadora, esvaziando o seu tambor como num conto de Rubem Fonseca? Ainda bem que há hiato entre intenção e gesto. A parvónia ficaria menos desalmada? O Estado é o detentor do monopólio da coação, ora. Será que desarma o estertor e o cobertor das coisas por dizer? Tenho as minhas dúvidas, mas assino por baixo, a ter de ser o Leviatã, dialogasse Ele com todos. Outras vezes, a vida é a fluidez deste clarinete que toca agora a Dança das Árvores. E as árvores também dançam? Olhem que isto está cada vez louco.

O que leio? Mas isto é uma entrevista ou quê? Estou a ler um livrinho de bolso do meu novo amigo Joilson Portocalvo. O título é simplesmente genial: “Mamãe, deletaram a vovó?”. Sobre a doença de Alzheimer, que acomete a muita gente nossa, mas atribuída à senilidade da idade. Portocalvo dedica o textozito (diminuitivo que não configura depreciação, naturalmente) a pessoas que, sem se aperceberem, se ausentam e a quem aprende a suportar o vazio sem também se ausentar.

Poeta, eu? Um gato lá no alto, de Arménio Vieira, aquele que não atende, nem escuta a ordem de ninguém. Alguns toureiros, de João Cabral de Melo Neto, com mão serena e contida, sem deixar que se derrame, a flor que traz escondida. Ou, simplesmente, O Albatroz, de Charles de Baudelaire, que, exilado no chão, no meio da impura corja, as asas de gigante o impedem de andar. Estes são os meus versos implacáveis. Meus, porque da lavra dos poetas que eu gosto. Mas gosto mesmo é de ficar silencioso à varanda e pensar que o meu pai faz 81 anos em graça e arte em pessoa. Pressinto-o em estado da arte e isto me enlouquece de orgulho. A existência é uma dádiva de não sei que diga. Uma misteriosa dádiva, para além do bóson de Higgs.

No livro Fausto, de Goethe, o protagonista vai nestes termos “O fardo me constrita. A morte almejo, a vida me é mal quista”. Ao que Mefistófeles lhe responde: “Contudo, nunca é a morte aparição bem vista”. Neste momento, exacto como um ponto na estranha geometria da existência, Geraldo Pessoa toca (no meu Lap) Alma das Borboletas