O voo do Poeta
Voa o pássaro na sua alvura, na sua inteira condição de pássaro. O seu existencialismo é natureza. O pássaro não voa para ser livre. Voa porque é natureza. Assim como não canta, porque sua anima é aquela de se comunicar o que aos homens encanta. Quem voa para além do pássaro é o Poeta. Que se prolonga no desejo da liberdade, quase na sua anti-natura, é o artista. Quem canta é o ser humano, amarrado entre os anjos e os demónios, no desconcerto dos momentos. Do quinto dos infernos, não nos salvaremos, mas, convenhamos, a vida é de se louvar. Seja o inferno...e daí? O nosso errático jeito de estar no mundo é a metáfora com que a ele nos damos. Tergiversar não dá. Tergiversar acontece-nos, pequeníssimos que somos diante do voo. Entrementes, voa o Poeta na sua sinecura, na sua fragmentada condição de não pássaro.
A solidão das cavernas frias
Às vezes, bem á maneira de Guimarães Rosa - escritor que relíamos no âmbar das noites -, instalava-se em nós essa solidão das cavernas frias. Não que estivéssemos fisicamente distantes. Ou à mão do afago e do amasso. Diria até que me cadencias com o teu fôlego. Diria ainda que eras animal escondido aos meus olhos que te encontravam. Bem à essa maneira, instalava-se-me esse sentimento de solidão, esse vazio que me apanhava pela rama das coisas. Outras vezes, parecia perfeito tudo. Ou quase perfeito, já que me retomara aos blogs, aos poemas, à poda das plantas (begónias, alecrins, rosmaninhos, roseiras e aos bonzais de malaguetas) no recorte da sala, ao cooper vespertino na marginal. Retornara-me a recompor os pratos do mundo e tirar do forno pão quente à beira de um vinho por abrir. Quase perfeito, porque o sol cumpria a beleza do sol-posto e eu percebia, como naquela música de Eugénio Tavares, haver amor no entardecer da idade. O mundo existe e a existência das coisas (dos seres, sobretudo) impõe limites aos sonhos e às vontades. Todavia, à varanda, de onde olho para o longe, tacteiam à minha mentes os versos de Manoel de Barros: Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas - é de poesia que estão falando. Ah, ser livre para outros olhares, saberes, pensares…
O silêncio dos bons
Hoje, Dia da África. A cidade de Salvador acorda divina. Com o marulho da orla marítima do Farol da Barra. Para além da religiosidade que se emana desta hora, o que me profana é o querer abraçar o mundo. O grito dos maus perpassa nos jornais, na rádio e na televisão. Dói-me este maniqueísmo meu de destrinçar os bons dos maus. De haver bons e maus em mim. Esta angústia de também classificar, catalogar, indexar. Havendo razões diversas, todas frágeis entretanto, por suposto umas serão menos irascíveis que outras. Aquela de resumir a África em futuro adiado, não me motiva, nem me mobiliza, A dialéctica em processo, não só recusa o fim da história, como reafirma a reformatação das grandes mudanças conceptuais e estruturais. Qual o desafio? Fala-se do afropessimismo, do continente perdido. Quero ouvir as outras vozes. A pedagogia da esperança. Murmura-se longe. Quais os caminhos da África? Temos de procurá-los com fé, entusiasmo e perseverança. Com causa e consequência. Pontuo a frase de Martin Luther King Jr.: O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons…
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