0.
Esta crónica não pretende fazer análise da conjuntura política nacional. Tão pouco, pretendo, através dela, exercer uma valentia de afirmação com causa, mas sem consequência. Cronista bissexto, as minhas opiniões são apenas marginais e fazem parte de um “imprinting cultural” da minha cidadania. Por conseguinte, aos abutres de opinião, alguns dos quais parasitam as praças municipais e on-line com sórdidos comentários de trazer por casa, não haverá razões para a ira. Esta crónica pretende tão-somente rir dos mitos escondidos sob a couraça das verdades. O gozo enorme das desmistificações. Dar, com os leitores, a sonante gargalhada da dúvida contra a ideia-fixa e a ideia-força…
1.
Aquando o regresso das férias do A Semana (férias que melindraram alguns, diga-se de passagem), esse Jornal estampava uma grande entrevista, à guisa de debate, entre Carlos Veiga e José Maria Neves. Os meus amigos especularam à larga sobre o cenário que se montava. Uns, mais cartesianos, falavam que esses dois grandes actores da política fizeram um frente-a-frente presidencialista. Outros, menos cartesianos, admitiam um acordo tácito de coabitação política em que José Maria Neves faria o terceiro mandato governativo e Carlos Veiga finalmente chegaria a Presidente da República. Em verdade, todos afrontaram o arquipélago das incertezas e, a riscos enormes, não analisaram outras variáveis políticas e sociológicas que, no subliminar caos da existência, determinavam o curso dos acontecimentos.
2.
Ultimamente, ainda na mesma linha especulativa, os analistas, tanto analógicos como digitais, já falavam da possibilidade de Carlos Veiga e José Maria Neves afrontarem-se, primeiro, nas legislativas e, depois (se calhar por expedientes de delfinato), nas presidenciais, como se a opinião pública e o sistema político fossem apenas agentes da passiva. Uma vez mais, as coisas não parecem tão lineares à fala dos doutos e os veredictos autoritários das ideias parecem fadados a um rotundo fracasso. Carlos Veiga e José Maria Neves afirmam concorrer, por ora, à liderança dos seus partidos nos respectivos congressos no decurso de 2009. E a premissa de tais afirmações, ela mesma, comporta a sua incessante dialéctica.
3.
Confesso que me apraz assistir ao duelo entre Carlos Veiga e José Maria Neves, ambos determinados a nos governarem depois de 2011. Será um duelo dos bravos. Apraz-me assistir, uma vez mais, que os grandes acontecimentos fazem parte da incerteza destes tempos. Aliás, fazem parte da incerteza de todos os tempos. O poeta grego Eurípides dissera que “O esperado nunca se cumpre e para o inesperado um deus abre a porta”. E como é bela a aventura humana pelos insólitos…
4.
Quero apenas dizer aos confrades de opinião que as nossas ideias (as minhas à cabeça), às vezes, axiomáticas e absolutistas, precisam passear por meta pontos de vista e importar variáveis dos mais improváveis. Poderemos, nesta hora dos bravos, estar erradíssimos da silva. E isso também, meus caros, era um gozo enorme…