segunda-feira, 16 de junho de 2008

O Tempo e seus momentos


Foto de Amilcar Aristides



Poesis com a minha cidade

Gosto de ir à ponta do Farol Maria Pia, ao desamparinho, para contemplar a cidade e o oceano. Praia é uma cidade marinha e marítima. Ela deverá ser assumida como cidade-porto, em toda a causa e consequência. Da Ponta Temerosa à Ponta da Mulher Branca, passando por uma borda balnear significativa, a Baía da Praia precisa ser vista e revista nas suas potencialidades e valências. Dar excelência à cidade será assumir a sua dimensão histórica e transatlântica. A par desta constatação, assumo que não vou ao Farol Maria Pia com preocupações urbanísticas, mas por esta necessidade de relação poética com a minha cidade…

O antegozo de horas íntimas

Sabem disto os que me lêem: nunca fui chegado em agradar aos gregos e aos troianos, e mantenho a convicta teimosia de não ser complacente com os cabo-verdianos. A onda da desesperança que ora nos assola pode ser remédio santo contra a gripe das aves da política local. Estes tempos sem poesia, mas com um novo rinoceronte (pior que o de Kafka) a fazer discurso político. Sabem os que me lêem que não haverá tréguas para as manhãs vazias, nem palmas para o Rei que passa nu. Entrementes, e porque há uma lixada minoria que não gosta da poesia, deixo aqui expressos estes versos de Linhares Filho: Tuas mãos nos meus cabelos/ é gesto simples, repousante/ mas vem de reproduzir uma energia e segredar apelos. Teus dedos falam, têm magia. /Apiedam-se de mim, exortam-me, estimulam. / Compreendem, abrandam, conciliam. / Deles jamais escorrem sangue/ mas uma doce linfa/ que o sono me provoca e me fecunda o sonho. Contam histórias de antigos cafunés/ e trazem-me o antegozo de horas íntimas…

Iria também de burro

Tempo a sobrar, vou à praceta rir um bocado dos facínoras. Em horas estranhíssimas, de porcos triunfantes e de um ladrar de cães senis, queria mergulhar nestes pensamentos e esquecer que esta cloaca é puro excremento. O discurso da desdita é estruturalmente fascista e me viesse a morte (algo mais democrática que a vida, diga-se em verdade), queria por força ir de burro. Tal qual desejou o grande Poeta Sá-Carneiro: Que o meu caixão vá sobre um burro/Ajaezado à andaluza// A um morto nada se recusa/ Eu quero por força ir de burro…

O Tempo e seus momentos

E que ninguém interprete estas palavras com um estado de tristeza ou de desânimo. Há sempre uma planta – um cacto que seja – no meio das pedras. E as próprias pedras, já ao segundo olhar, são metáforas necessárias à minha poesia. Além de armas de arremesso – sempre que necessárias -, se os momentos são roubados ao Tempo!

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