1.
Descrê, meu amigo, dos rútilos usos
da palavra poesia — o animal
que lavra em ti move-se nos esconsos
lugares de penumbra,
afeito à íngreme maturação da fala.
O que perdeste, e agora recordas,
te seja doce precipício,
longe da comum expectativa
e seu eco mil vezes repetido.
Duvida do lugar que dizem
pertencer-te — perdidas pátrias
jamais havidas, a sombra do que
amaste ressumando em cada verso,
são a inóspita morada que te não protege
do naufrágio em estranhos portos e fronteiras.
Aí saberás que a dor é sem partilha,
e o cautério da luz requer essa íntima
cegueira que nenhuma alba fende
com o latido dos deuses diurnos.
A imperfeita medida destes versos,
seu ritmo sobressaltado, te ensinem
que a ignorância do que mais amas
é a razão desta arte de perder-se.
2.
Que razões sustentam o voo de um sino
declamando « a equação celeste do destino»?
Raros os dias em que a sina escura
não grafa nas veias uma lei mais dura.
Mas faz da tua vida uma arte de recusa:
da pátria, em que célere te amortalham,
tu que só nos versos os sinais que salvam
vislumbraste ( aos ór
fãos da antiga musa,
confortará qualquer placebo edulcorado);
da fama, que é a subtil cília com que
tentam domar teu verbo escuro. Giza
com a tua fala o incomum destino anunciado
nos levantinos portos de embarque — a vida
é o que desborda deste molde de decalque.
José Luis Tavares
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