segunda-feira, 30 de junho de 2008

Absolut 33



1. Tenho um País que faz 33 anos

a) É um aniversário no meio de alguma “bronca pós eleitoral” que, mormente simbólico e emblemático (33 era a idade de Cristo), corre o risco de passar desapercebido. Pessoalmente, renego a ideia de que isto está por um fio, por causa da subida vertiginosa dos combustíveis e da subida perigosa dos alimentos. Isto é apenas mais um grande desafio. O País cresceu, mercê da Independência Nacional, virou democrático e ganhou mais encaixe contra os choques externos. É preciso fé e crença. Vale ter muita força para vencer os desafios da vulnerabilidade. Mas há governabilidade, credibilidade e estabilidade. É investir nisso e entrar, em festa e com entusiasmo, na idade…da maturidade;

b) No 30º aniversário da Independência Nacional, fez-se festa rija e merecida. Em Julho de 2005, Cabo Verde vivia em plena euforia. O País estava percebido como a sair dos PMA e o seu Índice de Desenvolvimento Humano era o 3º melhor de toda a África. Ademais, os dados macroeconómicos indicavam que finalmente estávamos a mudar, e no bom sentido. E fez-se festa rija, em parâmetros de qualidade: Cabo Verde, este país africano “diferente”, tinha promessas do MCA e estava a caminhar para a Parceria Especial com a União Europeia. Transicional…

2. Falava-te outro dia do Homem-Aranha

a) Sem muita surpresa, ouço, pela RCV, a composição do Governo remodelado. Ouço também (sem alguma surpresa), em sua justiça de antípoda, Fernando Elísio Freire. José Maria Neves, o melhor primeiro-ministro da História deste País, diz que é o “governo possível”. Das caras novas, gostei de todas, esperando que Vera Duarte leve “mais Cultura e mais Direitos Humanos para a Educação” e que José Maria Veiga, vindo da Luta Contra a Pobreza, veja a “Agricultura como Segurança Alimentar”. E dou alvíssaras a Fátima Fialho e a Janira Hopffer Almada;

b) O Homem-Aranha galga paredes e salta para o abismo e é o único que voa no improvável. Bem dizia Ovídio Martins, um dos maiores poetas de Cabo Verde e demasiado decente para o tempo e o espaço, qual o único impossível: mordaças a um poeta. Entrementes, no território da política, faz-se apenas o possível. Até nos brinquedos (e aprendi isso com o meu filho), o Super-homem não é “super de verdade” e o Hulk não é incrível como parece. Mas o Homem-Aranha, esse é bom demais…

3. Miscelâneas

a) O complexo turístico Predracim Village faz 5 anos. E apetece-me felicitar o seu promotor e gerente José Pedro Oliveira (Djopam), pela inovação, aposta e qualidade, mostrando-nos que o operador nacional pode sim estar no mercado turístico de forma competitiva e digna. Djopam descobriu (como o rato proverbial da experiência científica) que era possível vencer o mercado sem desenfreio especulativo, mas com sentido comunitário e ambiental. Um fim-de-semana em Pedracim Village é (re) descobrir que Cabo Verde é “sabe pa fronta”;

b) Quero, aqui e agora, assinalar a participação de Artemisa Gomes Sequeira que representará Cabo Verde nos Jogos Paralímpicos de Pequim, em Setembro próximo. A proeza dessa jovem de 26 anos é lançamento de disco e de dardo, modalidades em que tem galardões nas competições africanas recentes. Artemisa, que é orgulho de um país aos 33 anos, significa a tenacidade e a força da juventude cabo-verdiana. Convido-vos a acompanhar essa estrela;

c) A celebração do 33° Aniversário tem este ano um travo de grandeza, em França: a inauguração na cidade de Saint Denis (Área Metropolitana de Paris) de uma avenida com o nome de Amílcar Cabral, o Pai da Nação Cabo-verdiana. Palmas para a equipa do Embaixador José Duarte (eia José Leite) e a sua rede de diplomacia cultural, económica, política e o que mais queiram. Amilcar Cabral, honremos a sua memória, é ainda o nosso maior capital da diplomacia…

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Circo Sem Poesia


Charge de HENFIL

Creio ter sido de Octávio Paz a frase: “Se os líderes lessem poesia, eles seriam mais sábios”. E isso vem a propósito da última sessão parlamentar, no decurso de um debate bizarro e bizantino sobre a “política dos transportes”. Estes adjectivos, passe o eufemismo, devem-se ao baixo teor das interpelações e à paralaxe invertida das explicações. Às tantas, pareciam mudos a falar a surdos e, da bancada dos espectadores, as gargalhadas eram contidas em forma de sorrisos. Mas o pior (ou o melhor, a depender do prisma) terá sido a recusa da poesia por parte dos entes parlamentares. Cada um afiançava-se (com a arrogância de um rei decadente e carcomido) que não fazia poesia e acusava o outro de tamanho ilícito. Creio ter sido de Arménio Vieira estes versos: “Gente oca, cabecinha de alfinete”…


Praia de Santa Maria


segunda-feira, 23 de junho de 2008

Making your day

Descobri que o teu Blog ainda mexe. Obviamente, e porque mexe, ele não entra no ranking dos Blogs Crioulos. Vou lendo, nas linhas e nas entrelinhas, o que sussurra a tua alma. Nessas coisas, o não-dito, fingindo hermetismo, é que acaba por expressar mais coisas. É inaudito o teu Blog. Não falo aqui de quantidade, tipo dois quilos de post/dia, mas de qualidade, essa coisa fugaz, mas que tem cá dentro o seu indelével. Nem falo dessa incontinência verbal e escrita daqueles que – sintaxe ao que vens, meu caro, ou semântica, tu não és para cá chamada – vão pontuando os dias por madrugar. Falo, apenas e tão-só, da tua escrita meio imperceptível e quase silenciosa. Uma espécie de sombra, sabes como é…

Dia da Língua Portuguesa

Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões

Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixe os Portugais morrerem à míngua
“Minha pátria é minha língua”
Fala Mangueira! Fala!

Flor do Lácio Sambódromo
Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?

Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas! Cadê?
Sejamos imperialistas!
Vamos na velô da dicção choo-choo de Carmem Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E – xeque-mate – explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homem
Lobo do lobo do lobo do homem

Adoro nomes
Nomes em ã
De coisas como rã e ímã
Ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã
Nomes de nomes
Como Scarlet Moon de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé
e Maria da Fé

Flor do Lácio Sambódromo
Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?

Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível filosofar em alemão
Blitz quer dizer corisco
Hollywood quer dizer Azevedo
E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo meu medo

A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria

Poesia concreta, prosa caótica
Ótica futura
Samba-rap, chic-left com banana
(– Será que ele está no Pão de Açúcar?
– Tá craude brô– Você e tu– Lhe amo– Qué queu te faço, nego?
– Bote ligeiro!– Ma’de brinquinho, Ricardo!?
Teu tio vai ficar desesperado!
– Ó Tavinho, põe camisola pra dentro,
assim mais pareces um espantalho!
– I like to spend some time in Mozambique
– Arigatô, arigatô!)

Nós canto-falamos como quem inveja negros
Que sofrem horrores no Gueto do Harlem
Livros, discos, vídeos à mancheia
E deixa que digam, que pensem, que falem...


Língua
Caetano Veloso

Tu és a minha água. Tu és a minha água dos mares daqui




Direito ao djatu


Como poderia estar posto em sossego se cinco milhões de crianças estão condenadas neste ano a morrer de fome? Como poderia estar em paz com a lua que, no dizer de Princesito, ta lumia pretu, ta lumia branku, se adolescentes grávidas são banidas do ensino secundário aqui nas ilhas? Como posso me apaziguar com esta leda madrugada se algures um navio-de-guerra estrangeiro perscruta no mar os clandestinos da Costa, não para os dar porto seguro, mas para os deportar para a fome e para o desespêro? A lista de paradoxos tornou-se enorme e nos desafia a reflectir acerca da condição humana. Para que não regridamos aos modos de vida marcados pela barbárie. Precisamos exercer (também na escrita) o direito ao djatu para exorcizarmos o fantasma do evidente egoísmo que inebria o humano.

Chile de Pablo Neruda e de Victor Jara

Creio que uma boa parte dos leitores não sabe que Salvador Allende se suicidou com um fuzil, oferecido por Fidel Castro. O primeiro marxista na história a chegar à presidência, via eleição livre e democrática, completaria agora 100 anos. Desde que assumiu o poder, o imperialismo e a direita criaram condições de instabilidade no Chile de Pablo Neruda e de Victor Jara que culminaram no golpe fascista liderado pelo animal Augusto Pinochet.

Dos ópios, escolha o diabo

Falando em Marx, creio que o filósofo se esqueceu de nos contar do segundo ópio: a ideologia política. Entre os dois ópios, venha, pois, o diabo e escolha. Estou por fora…

A cartomancia da escrita

E não é que revejo a minha leitora da Av. Cidade de Lisboa? Esta, contrariamente a muitos, anda radiante com a "nova linha" deste cronista. Diz que gosta mesmo é de prosa-poética e me adianta logo meia-dúzia dos melhores confrades. Com o ego massajado, ouso ali a inconfidência de como começaria a minha próxima crónica: Tu és a minha água. Tu és a minha água dos mares daqui…E eu, que afinal gosto mesmo é de poesia, fico de gaiato diante da ventura da confraria. Acabaram-se as eleições e os "jogadores de bancada" começam a comentar o esquema táctico duns e doutros. Nesta hora, há de tudo: arrogância, oportunismo, preconceito, miopia e estupidez política. A cartomancia dos nossos escribas chega a ser batoteira. Estes nos têm vendido (nos três semanários da praça) gato por lebre…

Os que no meu peito fazem morada

Aos meus amigos, porque de repente, não mais que de repente, eles contam muito, estes versos de Dunga Odakam... aos que me são caros, meu afecto, zelo e cuidado/ Aos que me são raros, bom ouvido e brando facho para envolvê-los em energia./ Aos amigos que me são calmos, um mar de ventos sábios a navegá-los./ E aos frágeis, meu coração cedo ou tarde para aportá-los./ Aos amigos que são ternos, a luz azul calmante dos universos. E aos que no peito fazem morada, muita força para o dia e poesia para a madrugada.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

O Tempo e seus momentos


Foto de Amilcar Aristides



Poesis com a minha cidade

Gosto de ir à ponta do Farol Maria Pia, ao desamparinho, para contemplar a cidade e o oceano. Praia é uma cidade marinha e marítima. Ela deverá ser assumida como cidade-porto, em toda a causa e consequência. Da Ponta Temerosa à Ponta da Mulher Branca, passando por uma borda balnear significativa, a Baía da Praia precisa ser vista e revista nas suas potencialidades e valências. Dar excelência à cidade será assumir a sua dimensão histórica e transatlântica. A par desta constatação, assumo que não vou ao Farol Maria Pia com preocupações urbanísticas, mas por esta necessidade de relação poética com a minha cidade…

O antegozo de horas íntimas

Sabem disto os que me lêem: nunca fui chegado em agradar aos gregos e aos troianos, e mantenho a convicta teimosia de não ser complacente com os cabo-verdianos. A onda da desesperança que ora nos assola pode ser remédio santo contra a gripe das aves da política local. Estes tempos sem poesia, mas com um novo rinoceronte (pior que o de Kafka) a fazer discurso político. Sabem os que me lêem que não haverá tréguas para as manhãs vazias, nem palmas para o Rei que passa nu. Entrementes, e porque há uma lixada minoria que não gosta da poesia, deixo aqui expressos estes versos de Linhares Filho: Tuas mãos nos meus cabelos/ é gesto simples, repousante/ mas vem de reproduzir uma energia e segredar apelos. Teus dedos falam, têm magia. /Apiedam-se de mim, exortam-me, estimulam. / Compreendem, abrandam, conciliam. / Deles jamais escorrem sangue/ mas uma doce linfa/ que o sono me provoca e me fecunda o sonho. Contam histórias de antigos cafunés/ e trazem-me o antegozo de horas íntimas…

Iria também de burro

Tempo a sobrar, vou à praceta rir um bocado dos facínoras. Em horas estranhíssimas, de porcos triunfantes e de um ladrar de cães senis, queria mergulhar nestes pensamentos e esquecer que esta cloaca é puro excremento. O discurso da desdita é estruturalmente fascista e me viesse a morte (algo mais democrática que a vida, diga-se em verdade), queria por força ir de burro. Tal qual desejou o grande Poeta Sá-Carneiro: Que o meu caixão vá sobre um burro/Ajaezado à andaluza// A um morto nada se recusa/ Eu quero por força ir de burro…

O Tempo e seus momentos

E que ninguém interprete estas palavras com um estado de tristeza ou de desânimo. Há sempre uma planta – um cacto que seja – no meio das pedras. E as próprias pedras, já ao segundo olhar, são metáforas necessárias à minha poesia. Além de armas de arremesso – sempre que necessárias -, se os momentos são roubados ao Tempo!

sábado, 14 de junho de 2008

MADRUGADA DO CHIADO



(Desconversando com F. Pessoa)

Múltiplo solitário poeta
com o universo inteiro na cabeça,
eis-te agora sentado em extática glória
aqui onde te assopram ao ouvido
os lodosos detritos dos dias
e as líquidas profecias
gizadas ao refluir das luzes.

Triste despessoado fernandinho,
aqui posto em estado de estátua,
a rara chuva destes dias
já não aleita as raízes donde crescem
as visões – roubam-te o desassossego
com o escárnio da madrugada e os tráficos
que a noite desfecha contra o sono,

mas ainda te ouço sonhador ao griso
que descampa este largo (pois sem sonho
não há glória), embora o enxame turístico
empalideça o manso rufar das náufragas estrelas,
as madrugadas de fêveros ecos
quando o universo cisma nas razões que cunham
a solidão e seu luminoso rasto debruando a alba.

Dos desastres da pátria, nem te falo:
tu que navegaste soçobrados sonhos
de império, hoje és segura escada para cátedra;
não te cotaram ainda em bolsa, mas é coisa
para ser pensada, agora que no fundo da arca
nenhum enigma se dissimula, nem o arroto
que prateia algum verso descartável.

Sei que rumoreja mal o altivo rogo por entre
o tinir dos copos nas mesas da esplanada
onde se empoleira a viçosa vacuidade do mundo
e não há porfia que acenda o coração amortalhado,
drenando ainda, como intérmina rebentação,
fulgores de vinho sorvidos com a mansidão de um
touro, mas manda sempre a este que não é teu devoto,
porém, como tu, peregrina sob o essencial desamparo,
à acrílica mansidão com que a treva nos acolhe.

JOSÉ LUIZ TAVARES

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Batukador




N ta bai mar
N ta bai mar
N ta murgudja na azul…


Ecológico, guerreiro e talentoso são os adjectivos que qualificam Carlos Alberto Sousa Mendes (Princesito), compositor, poeta e intérprete de Monte Iria, Tarrafal, na ilha de Santiago. Tais atributos ficaram, ontem, mais do que consagrados no espectáculo “Mi en Si”, promovido pelo Centro Cultural Português da Praia/Instituto Camões, iniciativa do seu já imprescindível responsável, João Neves.

O artista em ajuste directo e em perfeita proximidade. Não éramos muitos a assistir “Mi en Si”. Apenas três dezenas de “good fellows”, amantes da boa música e crentes (no meu caso, desde “Lua”) de Princesito, um artista que consegue transportar o terreiro do batuque para um ambiente mais intimista e “cool”.

Nesse élan, Princesito recriou, com excelência e humor - do blues ao finaçon, passando pela morna, mas sempre na clave e com o timbre de “Batukador” -, a magia que se quer ao entardecer de uma quinta-feira. “Mi en Si”, cá para mim, é o momento interjeccional entre o Sol (também nota musical) e a Lua (a que Princesito suplica: “fika ku mi mas un kuzinha/ dexa n lambuxa na bo”), beleza do desamparinho tão-somente.

Como em tudo a exalar bom gosto e qualidade, “Mi en Si” soube-me a pouco. Queria-o ainda mais íntimo. Queria-o ainda mais longo e mais compacto. E falando de quantidade e intensidade, como diria Caetano Veloso, muito é muito pouco.

O que sobra é um trio inimputável a garantir mais do que o básico em termos de melodia e ritmo. Na tchabeta finkadu, onde o espírito de Nha Bibinha Cabral vem ao de cima e o público canta e bate palmas, porque a Preta de quem é? La negra é di boah, kanadja, Batukador!

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Caro Bloquista

O problema de Sapo.CV, portal comercial e com objectivos lucrativos, é o tipo de proposta que faz aos Blogs cabo-verdianos. Em primeiro lugar, a deslocalização das publicidades comerciais existentes no mercado cabo-verdiano. Depois, os convites sem proposta financeira, sob a falácia de não haver interesse comercial. E terceiro, a estratégia de ajuntamento bloguista sob a estratégia não declarada, mas que é de gato escondido com rabo de fora. Com devido respeito pelo trabalho e pela intenção dos outros, mas há coisas que não interessam. Adiante...

Princesito


segunda-feira, 9 de junho de 2008

Duas cartas a mim mesmo no dia dos meus

1.

Descrê, meu amigo, dos rútilos usos
da palavra poesia — o animal
que lavra em ti move-se nos esconsos
lugares de penumbra,
afeito à íngreme maturação da fala.

O que perdeste, e agora recordas,
te seja doce precipício,
longe da comum expectativa
e seu eco mil vezes repetido.

Duvida do lugar que dizem
pertencer-te — perdidas pátrias
jamais havidas, a sombra do que
amaste ressumando em cada verso,
são a inóspita morada que te não protege
do naufrágio em estranhos portos e fronteiras.

Aí saberás que a dor é sem partilha,
e o cautério da luz requer essa íntima
cegueira que nenhuma alba fende
com o latido dos deuses diurnos.

A imperfeita medida destes versos,
seu ritmo sobressaltado, te ensinem
que a ignorância do que mais amas
é a razão desta arte de perder-se.


2.

Que razões sustentam o voo de um sino
declamando « a equação celeste do destino»?
Raros os dias em que a sina escura
não grafa nas veias uma lei mais dura.

Mas faz da tua vida uma arte de recusa:
da pátria, em que célere te amortalham,
tu que só nos versos os sinais que salvam
vislumbraste ( aos ór
fãos da antiga musa,

confortará qualquer placebo edulcorado);
da fama, que é a subtil cília com que
tentam domar teu verbo escuro. Giza

com a tua fala o incomum destino anunciado
nos levantinos portos de embarque — a vida
é o que desborda deste molde de decalque.



José Luis Tavares

domingo, 8 de junho de 2008

Retour




A gana e a sana dos momentos

Há uma semana, estava mais taciturno e estranho a cogitar sobre o papel do esquecimento, descrito por Kundera, e o da amnésia, estruturado por Freud. O que nos salva depois de um trauma é a memória selectiva e vi-o agora, longe de tudo e de todos. A de alinharmos, para o nosso próprio bem, a via da sublimação e não da depressão. O “dar a volta por cima” ou, qual Fénix, o renascer das cinzas tem a ver com a nossa atitude existencial de encarar os desafios que nem sempre são fáceis de vencer, mas importantes de enfrentar. Uma semana depois, estando na beirada do rio Tejo num solilóquio mais que necessário, sinto roçar nos meus ombros a fímbria ancestral do dilema camoniano – a gana de Vasco da Gama e a sana do Velho de Restelo. É preciso continuar a navegar!


Coisas de Airton Monte

O poeta brasileiro Adriano Espínola escreveria assim: "A minha pátria é o meu corpo, pulsando por entre porradas e carinhos quotidianos, palco carnal do sentido e do desejo, repartido entre vísceras e sonhos, sedento do agora e faminto do mundo, navegante à deriva do possível e do precário". Lembranças do meu confrade, Airton Monte, em Fortaleza. Ele sempre a precisar que a vida, sem poesia, é que nem baião de dois sem feijão, nem arroz…

Futebol

Assisti, com drama e sofreguidão, pela Sport TV 1, o jogo entre Portugal e a Turquia. Igualmente, estava antenado, através da RCV, ao Estádio da Várzea, onde Cabo Verde defrontava a Tanzânia. Não perco esperanças de permanecer na Copa Africana das Nações, nem perco fé de ir longe no UEFA Euro 2008. Em verdade, Cabo Verde vence por 1-0 e Portugal por 2-0. Fico contente. Em júbilo. E estranha-me este súbito entusiasmo pelo futebol e este sentimento de proximidade (e de alinhamento) entre Cabo Verde e Portugal, outrora adormecido, mas que lateja ora em mim…com drama e sofreguidão.

Dia de Portugal

O Centro Cultural Português da Praia, uma vez mais, nos brilha com uma iniciativa de altíssima qualidade. Maria João e Mário Peixote, no Auditório da Assembleia Nacional, para um espectáculo intitulado “Pele”, no âmbito do Dia 10 de Junho – data nacional portuguesa e das comunidades da língua portuguesa. Com letras de Tiago Torres da Silva, Eugénia de Vasconcellos e do próprio José Peixoto, os dois protagonistas não fazem vénias apenas ao jazz e à música portuguesa, mas vagueiam pela música planetária onde as fronteiras se esbatem e os homens se abraçam. Em "Pele", eles nos dizem que a Terra afinal é pequena, mas que o mundo continua (ainda bem) vasto e diverso.

Cahier d’ un retour au pays natal

Nunca se vem tarde à homenagem a um poeta maior. Hoje, domingo aparentemente tranquilo (os tubarões estarão adormecidos ainda?), vou à estante e retiro algumas obras de Aimé Cesaire. Que grande poeta! Que grande humanista. Que grande combatente: Pois então, palavras, mas palavras de sangue fresco, palavras que são maremotos e erisipelas e paludismos e lavas e fogos dos matos, e o chamuscar da carne e o flamejar da cidade. Fixai bem: Não jogo nunca se não for ao ano mil Não jogo nunca se não for ao Grande Terror Ficai à vontade comigo. Eu não o ficarei convosco…

quinta-feira, 5 de junho de 2008


Mooding




River: The Joni Letters


Tenho um gosto musical eclético. O meu gosto estético não se confina ao instituido pelos nossos deuses descalços. Muito menos aos pequenos deuses das tascas do planeta. Era o que me faltava. Orlando Pantera, de Lapidu na Bo, faz tanto sentido quanto Joni Mitchell, de Court and Spark. A proposito, e para a ultima profecia, quria que ouvissem °River: The Joni Letters”, de Herbie Hancock...


Lokua


Aplaudo as nossas musas hesperitanas – Mayra Andrade, Sara Tavares, Lura, Nancy Vieira e Isa Pereira. Passo a acreditar em Xangô diante dos espectaculos de Mario Lucio, Tcheka Andrade, Paulino Vieira e Ramiro Mendes. A voz de Ildo Lobo é tudo. Quase tudo. Queria dançar como Mano Preto ao ouvir as melodias da bacia do Rio Congo. As melodias de Lokua Kanza...


Tu me fais bobo, Filas


No Aeroporto Internacional Leopold Sedar Senghor, depois de percorrer a estrada de Dakar a Yoff, dou de caras com Salif Keita. Tempo apenas para correr ao Free Shop e comprar o album “Bobo”. Keita não resiste em me dar um autografo, quando me escuta em “Chérie tu me fais bobo, bobo, bobo duma gné”. Em Cabo Verde, ja haviamos descoberto que Salif era a inversão de Filas, tua senha. Tu me fais bobo...

Lusotopia


Navegar é preciso

Lisboa, diferente de outras capitais europeias, é clara e brilhante, amanhecida mais cedo para o meu contentamento. Cruzo com pessoas que não conheço, mas que, pelo semblante familiar, me remetem a Cabo Verde. Falar em português, sem esconder este primado crioulo que me anima, é fazer parte de uma grande nação. A lusofonia, com a inclusão da nossa diversidade, é uma realidade com sentido. Pena que os homens, nos seus desvios, se esqueçam que navegar é preciso...

Here and now

É tradição o Carnaval Jamaicano. Até os bazares hindus e persas vendem bandeiras com o Leão de Judá. Aparece à janela um nigeriano, albino que nem Salif Keita. “É tudo à Portobello Road”, diz-me um parceiro angolano, habituado ao lugar, como poucos. Os haitianos preferem “compass” e eu, marciano neste planeta, julgava ouvir “zouk”. Gilberto Gil, em “Here and Now”, a cantar assim:


Here and now, I guess I know how
Remote and secret that could be
The time when a man can lay down
And the place where he can run free


Dia Mundial do Ambiente

Celebra-se hoje o Dia Mundial do Ambiente. O planeta não está no melhor caminho e os humanos também não parecem estar a fazer deste um mundo melhor. Não basta o discurso da beleza, nem mesmo o do bem, ou mesmo o da inocência, ou o do romantismo. Em verdade, falta algo às acções dos governos, dos partidos politicos, dos empresários, das ONGs e dos professores. Falta um grande engajamento a tudo...de todos.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

O vagar dos dias


MITO
O VAGAR DOS DIAS SEM MADRUGADA.
ÓLEO E ACRÍLICO SOBRE TELA.100X80
CM. 1994.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Meio Zen






Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão



Carlos Drummond de Andrade




Ecce Homo


Um crucifixo a desfazer-se, quando não se tornando pó, era a imagem de Cristo lá em casa. Uma tia-avó, metamorfoseando-se em « dona da casa » com a trombose da irmã, impressionava-nos com um inferno contado em detalhes. Ela caprichava no Lucifer, o mais incendiado dos capetas, com gestos de pelo sinal da cruz e credos na boca. E Cristo continuava ali : pungido, tomado de chagas, com uma resina vermelha que, a malta jurava, era sangue de verdade. Até hoje, águas passadas sob essa ponte das trevas, ainda retenho na memória esse crucifixo a desfazer-se…


Checking-up


Vou ao médico para um check-up e somos mais frágeis que as baratas, as minhocas e as lagartixas. Os passarinhos no varão e o cãozinho do Pablo não precisam dos versos de Jorge Luis Borges, do peixe frito com arroz de fava, da música de Ray Charles, da Constituição Nacional, do Código Eleitoral, das velas aromáticas na sala, de Jesus Cristo e de Buda ou de almejar a nomeação de Barak Obama, essas coisas. Chego à conclusao que é preciso mudar. Entrar em regime : o ferro, o potássio e a vitamina C. Beber dois litros e meio de água (a ver se damos cabo de uma pedra nos rins). Reduzir o sal aos limites da nossa Zona Económica Exclusiva e cortar as relações diplomáticas com o Johnnie Walker Black Label. Mas isso nao incluirá o bom tinto. Alá é grande…


Para morrer de rir


Encontro-me acidentalmente, no rush da Av. Cidade de Lisboa, com uma leitora: Tu não és o Filintro Martins? - pergunta a dita cuja. Ciente de ser Filinto Elisio de Aguiar Cardoso Correia e Silva, nome de pia e de registo, não me faço rogado ante à confusão. Prazer em conhecer-te, continua a minha interlocutora, sem papas na língua: Estou farta de coisas escalafabéticas: assaltos thugs jorge santos josé maria neves descalabros da TACV apagões na Praia. E remata: Quero que fiques sempre a escrever assim, é que tu me matas de rir todas as quintas-feiras…


Benquerença


Talvez, devido à benquerença, hoje, acordei assim: segue o teu destino, rega as tuas plantas e ama as tuas rosas. É que estou meio (apenas meio, não abusem)…Zen !