quarta-feira, 2 de novembro de 2005

Variações em torno do Zero

A José Luís Tavares, poeta


Zero

Presumo que não tenhas entendido o nosso diálogo no 11º andar. Em verdade, era um solilóquio, do tipo que, a cada manhã, se tem diante do espelho. A multiplicidade da interpretação é o grande achado da crónica. E, depois, texto literário não pode ser tão óbvio feito receita médica. Faz parte do encanto trazer a realidade e a fantasia para a leitura, pois ambos são o mister do equilíbrio do leitor. E, já agora, do escritor. É no inusitado que consegues sorrir. Esse sorriso de sol a nascer, que eu gosto e me ajuda a viver. Confesso-te que, vez por outra, tenho tentações de escrever sobre o lixo na cidade da Praia, as crianças que mendigam à porta dos restaurantes e das prostitutas que animam a indústria da noite. Quando não, de escrever sobre as máquinas, em ode triunfal, a cortarem os caminhos da Circular da Praia, da necessidade imperiosa de termos nesta cidade um campus universitário ou de fazermos disto um “porto digital”. A cada quarta-feira, à beira da entrega do texto, o meu dilema é atroz. Estou sempre entre Março e Abril. Mas nada como a sensação de te fazer sorrir ensolaradamente. E, se me permites, recomeça a ler isto como se fosse um intervalo. De qualquer coisa. Por acontecer…

Intervalo

...Não, eu não quero apartar a acidez do fogo/ que me intranqüiliza e me devora/. Eu não quero ofertar em súplicas/ e depois morrer por uns olhos/ que me sugerem messalinas e lambris/ e depois me enforcam. Não. Eu não quero o suicida/ que se despenca do alto da torre. Eu me quero vida para te ofertar rosas/ e te colher a plenitude de espigas maduras. Eu me quero vida para semear o trigo do teu corpo/ e me ceifar em messes de espumas/ e sóis de hipocampos sazonados. (Dimas Macedo, poeta brasileiro)

Starbucks Frappuccino

Falei-vos já (sem a palanquina arrogância do General) de Satyricon, do grande Petrónio – a novela erótica, a menipéia sátira, o mimo da fábula milésia. Leiam-no, pois. Um livro referencial que nos ensina como a civilização romana sucumbiu aos seus próprios vícios. Um verdadeiro afresco contra a sandice do poder. Devia ser pré requisito para a política. Leiam-no e deixam dessa santa ingenuidade que, nestes dias, se tornou vil e aziago. Li-o, por acaso, num Café Starbucks, em Old Boston. Há algum tempo. Entre um frappuccino quente e uns biscoitos inocentes. Numa das tardes em que me apetecia falar com desconhecidos sobre o aquecimento global. Ou, simplesmente, as trafulhas de Nero. O Imperador…




Em tempos de Electra, arre

Mau, mau, mau. Chegou o tão esperado 31 de Outubro e nada de voo internacional directo no Aeroporto Internacional da Praia. Precisamos ter um observatório para saber o que falha. Quem falha. E porque falha. Nadou o oceano inteiro para morrer na praia? Que absurdo! Agora a sério, somos dois, três, mais de centenas de milhar com olho vivo nesse aeroporto de parto difícil. Agora, mais do que nunca, a questão é mesmo séria. Seríssima. E dela dependerá o sol. Dito assim com metáfora para que os chacais não tomem conta do menino. Mas, meu caros, demais faz mal.

Campanha à porta

Mal ou bem já se vive o ambiente da pré campanha. Está tudo a postos para o grande arranque. As sondagens, umas próximas da verdade, outras próximas da mentira, aparecem nas ruas. Apesar dos sinais contrários na Assembleia Nacional, espera-se uma campanha cívica, serena e elevada. Sem maledicência, nem terrorismos verbais. Apenas com projectos e programas para debater. Por isso, vai ser um Natal simplesmente e-s-p-e-c-t-a-c-u-l-a-r! Desta banda, o pessoal prepara-se para vitaminar a campanha e vassourar, uma vez mais, aqueles de triste memória. A festa promete ser bonita, pá. Não vá o diabo tecê-las…

Acontece

Neste momento, o XIº Colóquio Internacional dos Estudos Crioulos. Uma centena de estudiosos (crioulófonos e crioulistas) sobre a crioulística. De várias partes do mundo. Por uma semana, a Praia será a capital cultural da crioulística. Hora de reflectir sobre a oportunidade de valorização consequente da língua crioula, em prol da nossa identidade e cultura. Já agora introduzir a questão sobre a oficialização da língua cabo-verdiana, afrontamento cultural que demanda coerência política. Quais os entraves para a oficialização? A Constituição? A falta da padronização? O não consenso de um alfabeto? O conservadorismo de uma classe dominante? A ignorância das coisas? Os resquícios da colonização? A falta da vontade política? O bairrismo? Imposição da maioria? Imposição da minoria? Quaisquer sejam as razões (mesmo aquelas que a Razão não explica), temos de colocar as ideias em cima da mesa para um grande debate. Luzes, luzes, luzes. Por uma questão da cidadania…

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