quarta-feira, 16 de novembro de 2005

Crónica tardia ou ninguém escreve ao coronel

(A campanha eleitoral aproxima-se. Tcheka ganha prémio em Dakar. José Maria Neves reafirma em Lisboa o papel geoestratégico de Cabo Verde. Chove. Chovendo mansamente, menina. Em Paris, nada está tão líquido. Há uma música de Caetano Veloso que não me sai do pensamento. Haverias de dizer que o desamparinho imortaliza. A nós, pelo menos…)

Monte Babosa

A solidão é uma espécie de espelho. Esse tempo que demora uma estrela cadente nos meus olhos. Mirada de transeuntes apressados, diria. Hora do rush. O sol a pôr-se em cores estivais. Pensar, de relance, em alguém. Fugaz o dia que acaba. E nunca mais regressa. Mesmo que na boca, sinta ainda o gosto do retorno impossível. No meio das pedras, uma insistente flor. A cidade estendida, do monte até ao mar. Sou andarilho de muitos mundos. Retirante…

Geração Pantera

A candura, a competência e o amor parecem ser os ingredientes de uma nova geração que, a força de expressão e a poesia deste tempo, chamaria de Geração Pantera. Orlando Pantera, o profundo Pantera, estivera uma vez no Instituto Cabo-verdiano de Menores à procura de emprego. A directora do ICM quis saber o seu currículo académico e ele respondeu não ter grandes estudos, mas que amava as crianças. Conta-o José Vicente Lopes num memorável texto sobre esse artista que mudou a música cabo-verdiana. Não estarei a exagerar se disser que há um antes e um depois Orlando Pantera, nem estarei a brincar se sublinhar de que mudou o tropos do cabo-verdiano. Quem é da Geração Pantera? Apenas músicos? Artistas? Penso que a malha é mais alargada. Em tempos, Mário Lúcio me dissera, na plena azáfama do Fesquintal de Jazz, que a revolução já estava instalada. Em todos os cantos do país. Em todos os quadrantes da nação. Basta ouvir José Maria Neves a discursar, a falar de amor, como um novo paradigma político. Experimente-se ver os quadros novos a projectarem o futuro. Até mesmo na economia o fenómeno está instalado. Geração da Independência. Noutra pauta, Geração Pantera…


Je danse avec l’ amour

Mayra Andrade, em dueto com Charles Aznavour, é simplesmente um luxo. Parcerias do tipo também ajudam a internacionalizar Cabo Verde. A multiculturalidade de um encontro assim traz à superfície uma série de coisas. Encontro de gerações, de géneros, de culturas, de estilos. Mayra Andrade e Charles Aznavour interpretam juntos Je danse avec l’amour. Album de Charles Aznavour. O da Mayra Andrade começou a ser produzido agora, em Paris. Aznavour canta o amor. Canta-o com beleza e sentimento. No melhor da canção romântica francesa. E hoje, como nunca, o amor deixou de ser meiguice para se afirmar como uma subversão do mundo. Estamos em tempos de terrorismos. Do Estado e do anti-Estado. Por isso, cantar o amor é cantar a paz, a existência, a vida. O amor de todas as formas. Agora veio-me à lembrança aquele conto de Woody Allen em que um professor da City College se evade para uma edição de bolso do Madame Bovary, de Flaubert, tanta era sua paixão por Emma. O protagonista sai de Manhattan contemporâneo para se refugiar em Yonville do século XIX. De todas as formas, dizia. Uma amiga confessava-me que todo o ser humano precisa fazer amor em Veneza. Quando não, em Porto Seguro onde a natureza é mais pródiga e o dólar vale muito mais. O ser humano precisa voar, rematava. Ícaro tinha razão. Ou, pelo menos, emoção…

Objectos transcendentes

Retirante, emociona-me que Tcheka tenha ganho o Prémio “Músicas do Mundo”, da RFI, em Dakar. A candura, a competência e o amor, Tcheka em pessoa. O resto, havendo campanha, ninguém escreve ao coronel. Agora que o sol morreu ou, quem sabe, ele seja vida noutro lugar, sei que a canção de Caetano Veloso se intitula Livros. Eis um cheirinho:
(…)
Apontando para a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo
(…)

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