terça-feira, 27 de abril de 2010

Trípticos de ti e outros múltiplos

Sou uma pergunta


Vou deixar que o sol te queime no vagar e de mansinho. Leio-te Kaputi Kinjila e o sócio dele Kambaxi Kiaxi, uma fábula angolana, escrita por Luandino Vieira. O que me transfigura para além da conta e o que me amanha mais que a mágoa do sol-posto, és tu. Às vezes, não sei se 1) escrevo a poética dos nossos dias; 2) anoto a estes momentos, as horas todas e as hordas de as coisas acontecerem; 3) ou faço esse cronista de serviço entender o tanto de imbecil seu pensamento quanto de plagiada sua pena – quando não, já em múltiplos de ti, 4) retrato, por A+B, minha metafísica, o que meu inconsciente grita e, naturalmente, 5) denuncio as dores do mundo, não querendo que os homens sejam registados por códigos de barra. Outras vezes, nem isso. Estará ausente quem vos escreve, se calhar descendo ele, como Rimbaud, a uma Estação no Inferno. E podendo, julgando poder ao menos, ao seu inter-texto postar Ô Saisons, ô chateaux, por coevo exemplo. E, ainda, antes que de facto anoiteça, queria ler todos os livros que, embora essenciais, se lhes protele para mais tarde. Enfim, deixar que o sol te queime no vagar e de mansinho. Tenho sempre este porte universal e existencial. Intenções e achados estilísticos ou algumas notas desconjuntas – umas engraçadas, outras sem nenhuma graça. O resto em mim é poeta, senão pura dúvida. Escrevi a um amigo pelo Facebook, se tanto, serei um homem perplexo e que duvida. Sou um pouco Clarice Lispector: “Eu acho que sou uma pergunta”.

Também eu no Bateau Ivre

De azuis manchas de vinho e vómitos escuros, escrevo eu também Me_xendo no baú. Vasculhando o u. Aliteração eterna em u, como só tu podes ver. Métricas rebeldes e rimas sem censura. Escarnecidas, mesmo se enternecidas, palavras do meu glossário escabroso. Deve-se recusar à tentação ecóica de fazer mais que ao número a tragédia, já que viver é tomar uma bica transcendente e assistir esse pessoal a jogar xadrez na esplanada. Teria dito a Óscar Niemayer, nós subindo as escadas para a Suite 37, que o Poeta Arménio Vieira lhe prestigiara em verso. Mas quisemos nós, não caviar e champanhe, mas à meia garrafa de tinto e CD de Bau tocando no computador, prestigiar o arquitecto. E fazia então Brasília 50 anos e Ouro Preto celebrava mais uma Inconfidência Mineira.

Proezas e framboesas

A esfinge, quando avistada, vira pedra e seu rebrilhe. E o pessoal, esquecido a ser cidade da Praia, divide-se em actores-narradores, narradores-personagens e nadadores-salvadores. Destes, são os nadadores-salvadores a tribo dos cosmopolitas. À mesa do Café Sofia, claro. Quando avisada, mais em riso que em siso, a escrita (não a esfinge desta feita) é um confeito de proezas (umas) e framboesas (outras). O resto - de deixar que o sol te queime no vagar e de mansinho -, fica à sotaina seu denodo. E a pertinácia de tudo que te conto:


Kalumbinga kia kinjila
Kinjila uadiboto
Kalumbinga kia kinjila
Kinjila uadibondo…


É o que te leio, de Luandino Vieira. Não se percebe, que é quimbundo, mas tudo o que assim canta, me encanta. Mais que a mágoa de sol-posto. Não é bonito?

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